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Para Luiza Nunes, ex-Meta e IBM, a gestão de projetos pode ser uma grande aliada do RH

Com mais de 10 anos de experiência em empresas como Meta, IBM e até nas Olimpíadas do Rio, executiva de RH conta como é aliar a visão de gestão de projetos à sua própria experiência como PcD para ampliar espaço da diversidade em companhias globais

Lidiane Faria
22 de fevereiro de 2023
Para Luiza Nunes, ex-Meta e IBM, a gestão de projetos pode ser uma grande aliada do RH
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Para atuar em projetos de diversidade e inclusão, os profissionais enfrentam muitos desafios, como engajar as organizações para a importância de D&I para os negócios ou estruturar ações que impactem a cultura das empresas, por exemplo. E para Luiza Nunes, as metodologias de gestão de projetos são grandes aliadas e contribuem do planejamento até a mensuração de resultados.

Normalmente usada pela área de tecnologia, a gestão de projetos é uma grande aliada da executiva de RH, que aplicou ferramentas, técnicas e práticas em empresas como IBM e Meta para dar agilidade aos processos e melhorar a visibilidade do time e das lideranças sobre a área de diversidade. 

“É importante que a liderança entenda o dia a dia, todas as possibilidades e, principalmente, que a pessoa diversa também contribui no sucesso do time e dos negócios”, diz Luiza, que nasceu com uma deficiência causada pela síndrome da cauda equina. Sua vida profissional iniciou cedo, mas a grande virada na carreira aconteceu quando ingressou em uma multinacional a partir da lei de cotas. “Sou filha da lei de cotas. Com ela, tive minha primeira oportunidade de trabalhar em uma farmacêutica global, com estrutura”, lembra. 

Na entrevista a seguir, Luiza conta um pouco mais sobre sua trajetória, que inclui ainda cargos na organização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e em escritórios de advocacia. Ela também fala sobre como aplica a metodologia de projetos na área de diversidade e compartilha dicas para quem quiser mergulhar no assunto. 

Luiza, você chegou em empresas globais e é referência na área em que atua. Mas como começou sua vida profissional?

Nasci com uma deficiência chamada síndrome de cauda equina, quando o feixe de nervos que se estende da parte inferior da medula espinhal é comprimido ou danificado. Minha mãe teve que brigar muito para que eu pudesse ingressar na escola, pois a inclusão ainda não era lei. Aos 15 anos, com adaptações em meu tratamento, ganhei autonomia e comecei a estagiar. E minha gerente era uma referência; queria ser potente como ela! Senti muitas vezes o capacitismo das pessoas, mas trabalhar com uma mulher gorda e negra como ela me fez sentir capaz também. 

E como a lei de cotas foi importante para você?

Sou filha da lei de cotas*. Com ela, tive a primeira oportunidade de trabalhar em uma farmacêutica multinacional, e depois disso minha vida melhorou muito. Uma curiosidade é que em todos os lugares por onde passei, fui promovida. Buscava entregar mais, sempre, e queria ter uma visão completa dos processos. Por nascer com uma deficiência, ser periférica e negra, minha mãe dizia que eu deveria ser dez vezes melhor que todo mundo, e é o que sempre busco fazer.

* A lei de cotas para pessoas com deficiência, oficialmente chamada de Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91), foi promulgada em 1991 e estabelece que empresas com 100 ou mais empregados devem preencher uma parte dos seus cargos com pessoas com deficiência.

Você acredita que suas experiências em empresas globais mudaram o rumo da sua carreira?

Sem dúvidas. Na IBM, entrei como analista e saí como gestora de projetos, liderando cinco pessoas. Ali, pude entender o poder da diversidade, quando um complementa o outro, e seu valor também para as organizações. Criamos um programa de estagio afirmativo para pessoas com deficiência onde 56% deles foram efetivados, desenvolvemos outros programas, implementamos o primeiro Censo na América Latina para mapear a diversidade de nossa força de trabalho, expandimos a cobertura dos benefícios para funcionários transgêneros, custeando o tratamento hormonal, entre outras ações, e ganhamos vários prêmios. Entendi, na prática, a importância da equidade e o quanto isso é benéfico para o negócio.

Foi na IBM que começou seu interesse por gestão de projetos?

Na verdade, foi antes. Nos Jogos Olímpicos Rio 2016, trabalhei com uma gestora, Camila Guolo, que era PMO (Project Management Officer) e percebi que o trabalho com ela e todo o seu time fluía muito bem. Me inspirei, busquei meu primeiro curso na área e estudei no IBMEC, em um curso de curta duração, mas que me ajudou muito. Depois dele, passei a ter uma visão mais cartesiana, vendo que poderia aplicar aqueles conhecimentos em tudo, até na minha vida pessoal. Desde então, comecei a dividir a estratégia de DEI em projetos, observando do início ao fim tudo o que era necessário, estudando riscos e se antecipando a eles com ações preventivas. E com tudo planilhado, categorizado, fica muito mais fácil e rápido analisar as necessidades, quais pessoas precisamos ativar, etc. Tudo fica mais dinâmico e factível.

Como funciona, no dia a dia, a gestão de um projeto de diversidade?

Ao iniciar, analisamos a estratégia de diversidade. A partir dela, mapeamos todas as possibilidades, necessidades, áreas, stakeholders e riscos para que possamos atingi-la. Dedicamos um tempo considerável nesta etapa de planejamento, mas que faz toda a diferença no resultado final. Podemos separar um grande projeto em várias etapas ou sprints, onde temos acompanhamentos periódicos. Isso dá visibilidade para o que precisa ser feito, e o que está sendo realizado no momento, dando tração aos projetos. Para quem está executando, fica mais fácil ter uma visão geral. Os donos de cada ação são motivados a cada entrega, e celebramos nossas conquistas ao longo do projeto. Ser líder de um projeto é algo de muita responsabilidade: exige conhecimento analítico, mas uma boa influência também, já que é necessário envolver muitas pessoas que não necessariamente estão sob sua gestão e que precisam ser convencidas sobre a importância daquela entrega.

E qual é o projeto que você tem mais orgulho de ter liderado?

O primeiro programa da IBM para a contratação de profissionais com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi muito especial. Comecei do zero, envolvendo mais de dez stakeholders, conectando desde o departamento jurídico até a área médica, passando por diversas lideranças técnicas. Após três meses, contratamos 20 pessoas neurodiversas em áreas super estratégicas, como negócios e TI. Elas receberam treinamentos sobre Agile e Java, além de acompanhamento socioemocional. Foram mais de 200 horas de capacitação, com uma aproveitamento de 90% em contratações, inclusive de pessoas que estão até hoje na companhia. Tivemos um grande apoio da consultoria dinamarquesa Specialisterne, que se dedica à inclusão profissional de pessoas com autismo e outros diagnósticos na neurodiversidade. 

Ao trabalhar em empresas globais, quais foram os maiores desafios?

Tive oportunidades incríveis como gestora de projetos na América Latina. Fui responsável por contribuir em ações para contratar talentos, desenvolvê-los e proporcionar um ambiente em que estivessem felizes para continuar nas empresas. Outra atuação importante também foi o trabalho desenvolvido com grupos de afinidade, que não apenas discutiram pautas entre si, mas propuseram e aplicaram soluções aos negócios, repensando produtos, serviços e como tudo é feito atualmente. Aprendi que cada região tem sua necessidade e momento, e foi muito importante conciliar tudo isso com as estratégias das empresas por onde passei.

Empresas globais estão preocupadas com resultados e performance, muitas vezes com uma visão distante das unidades regionais. Como você conseguiu priorizar projetos da América Latina?

Em posições locais, somos responsáveis por customizar a estratégia global para a região onde atuamos. Esse processo por si só já é desafiador, mas temos ainda um adicional que é o convencimento das lideranças locais, que têm o poder de decisão e que normalmente estão em posições acima de pessoas diversas. É importante que a liderança entenda o dia a dia, todas as possibilidades e, principalmente, que a pessoa diversa também contribui no sucesso do time e dos negócios. Em grupos de afinidade, por exemplo, não fazemos só eventos, mas buscamos soluções para questões importantes. E quando contratamos uma pessoa diversa, precisamos olhar para o que ela tem de bom, e não o que falta – e isso não é baixar a régua, mas é sobre  evidenciar e destacar a potencialidade das pessoas. É preciso entender que seu ponto de vista não é único, que eventualmente pode ser discordado e, principalmente, que diversidade é fundamental para a construção de times de alta performance. 

E além de buscar convencer pessoas-chaves da organização, é preciso ter aliados, pessoas que podem levar também mensagens importantes ao time global.

As lideranças precisam entender que o time de diversidade é um parceiro de negócios, que as nossas ações estão ligadas a estratégia.

Quais são as dicas que você daria para quem está começando agora a desenvolver projetos com grupos tão diversos, especialmente entre países?

O primeiro, é entender a diversidade em suas vertentes: a primeira, ligada ao ativismo – que é importante e necessário – e o ativismo corporativo. Nas empresas, precisamos estar com os ouvidos e o coração abertos para todas as opiniões que existem. Você não está ali pra criticar, mas para ouvir – e se necessário, se posicionar, com um feedback racional. E é preciso também ter a habilidade de se conectar, de estabelecer relacionamentos, já que diversidade é uma pauta que têm grande impacto socioemocional. Não é uma questão de concordar ou não, mas de acolher. É sobre deixar as suas convicções pessoais para entender que todos ali são pessoas, com diversos pontos de vista. Por fim, é muito importante buscar autoconhecimento para entender seus valores e, se possível, fazer terapia. Muitas vezes estaremos diante de situações que são muito contrárias ao que defendemos, mas é necessário lembrar que existem regras, políticas da companhia e direcionamentos de negócios. Talvez a gente não consiga salvar o mundo, mas provavelmente mudaremos a vida de muitas pessoas.

Quais ferramentas você indica para uma boa gestão de projetos para quem deseja começar a usar essa metodologia?

Uma boa planilha de Excel, se bem executada pelo time, já ajuda muito, mas também existem muitas outras ferramentas no mercado (como Trello, MS-Project, etc). O importante é entender o que já está disponível na companhia, o que já é culturalmente utilizado e como seu time funciona, de forma que a ferramenta pode contribuir para que as informações circulem de forma fluída.

E qual é a importância da troca com outros profissionais da sua área?

É essencial, inclusive para sair da nossa bolha e saber o que está acontecendo fora da empresa, até com profissionais de mercados diferentes. Quando trabalhamos em empresas globais, normalmente não podemos fazer benchmark por questões de confidencialidade. Independentemente disso, temos grupos de profissionais onde nos encontramos periodicamente nos conectamos para além dos nossos crachás. São pessoas que estão verdadeiramente ligadas em questões de diversidade.

Quais são as métricas que você considera fundamentais para garantir o sucesso dos programas de diversidade? 

Há muitas possibilidades, mas acho que as principais métricas e metas são as seguintes: 

  • Aplicação e acompanhamento de censo de pessoas dentro das companhias;
  • Análise de resultados sobre a cobertura de cotas por lei, para desenvolver estratégias que ajudem a alavancar cada vez mais os números;
  • Percentual de participação em treinamentos sobre temas de diversidade e inclusão;
  • Performance de profissionais, para entender se um eventual baixo desempenho está associado, por exemplo, a algum tipo de preconceito, falta de acessibilidade, entre outros.

Quais são os profissionais de referência, na sua opinião, sobre diversidade e inclusão?

Em acessibilidade, Amanda Lyra e Lilia Matos Di Genova Halas. Sobre racismo e letramento racional, Suzane Jardim. E temos também Guilherme Gobato, Reinaldo Bulgarelli, Cissa Sampaio e Renata Lellis.

Para fechar: por que você acredita que times diversos são mais eficientes? 

Pode parecer clichê, mas grupos diversos têm ideias diferentes e novos resultados – e quando você vivencia isso, e está com os ouvidos abertos, você pode chegar a decisões que nunca antes foram pensadas – desde coisas do dia a dia até um grande projeto, uma estratégia global. Só que isso não acontece de uma hora para outra. É uma construção onde observamos gestores com pontos de vista discordados, mas ainda assim todos atentos e respeitando o valor de cada indivíduo. Quando você trabalha com pessoas diversas, e com diferentes pontos de vista, o lucro e o sucesso dos negócios são consequência.

Lidiane Faria é graduada em Relações Públicas e pós-graduada em Jornalismo. Tem experiência em startups de tecnologia, consultorias e emissoras de TV e adora ouvir pessoas incríveis.