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Inovação e diversidade nas empresas com Christiane Silva Pinto, da Google

Jornalista de formação, ela foi uma das primeiras funcionárias negras do Google no Brasil; a experiência a fez fundar o comitê de afinidade AfroGooglers, pioneiro na discussão racial no mundo corporativo

Bruno Capelas
7 de junho de 2022
'Investimento em diversidade deve ser tratado igual processos de inovação': Christiane Silva Pinto, Gerente de Marketing no Google
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Nascida em uma família de classe média, Christiane Silva Pinto fez jornalismo na USP e conquistou o sonho de muitas garotas: trabalhar na Capricho. Mas sem perspectivas, ela acabou fazendo uma transição de carreira que poderia ser chamada de radical para muita gente: foi trabalhar com RH no Google. Chegando lá, percebeu que era uma das únicas pessoas negras na gigante de tecnologia no Brasil – e pôs mãos à obra para mudar isso, fundando o comitê de afinidade AfroGooglers.

Além de colocar diversidade e inclusão em pauta, a experiência também ajudou Christiane a mudar de carreira de novo – hoje, ela é gerente de marketing da empresa americana para pequenos e médios negócios no Brasil. Na entrevista a seguir, ela conta mais sobre essa trajetória cheia de mudanças e fala sobre a importância das organizações olharem para diversidade e inclusão de forma séria. “As empresas não podem se apoiar nos grupos de diversidade para sempre”, diz. 

Christiane, você fez jornalismo, foi estagiária da Capricho, mas acabou indo trabalhar com pessoas no Google. Como foi essa trajetória?

Ao longo da faculdade, eu tive várias experiências de estágio, e a mais relevante foi mesmo na Capricho, entre 2012 e 2013. Fiquei um ano e meio lá, num momento que tinha crise na indústria do jornalismo impresso, mas muita inovação no digital. Como estagiária, eu era bem quebra-galho: fazia matéria, cobertura de famosos, vídeos, ia em eventos. Foi uma experiência muito rica para entender o posicionamento digital de uma marca, eu ajudei a Capricho a chegar a um milhão de seguidores.

Mas ao mesmo tempo, era uma época que não tinha muitas oportunidades, as redações estavam demitindo dezenas, centenas de pessoas. Na mesma época, uma amiga minha me mandou um link para o programa de estágio do Google, eu nem dei bola a princípio. Mas num dia que eu estava muito frustrada, acabei decidindo aplicar, sem achar que ia passar nas etapas. E acabei passando, até chegar na entrevista final, quando fui direcionada para a área de RH.

Eu quase desisti do processo porque tinha muito preconceito com RH, achava quadrado. Mas acabei topando, eram seis meses e eu achei que ia ser bom para o currículo. E eu acabei me apaixonando pela área de recursos humanos, hoje eu sempre falo que é importante se abrir para surpresas dentro da sua carreira. Entrar no Google mudou a minha vida, eu comecei a ter acesso a viagens, treinamentos e conversas com pessoas que eram muito boas, além do salário que era muito bom. 

 Eu quase desisti do processo porque tinha muito preconceito com RH, achava quadrado.

'Investimento em diversidade deve ser tratado igual processos de inovação': Christiane Silva Pinto, Gerente de Marketing no Google


Você foi colocada na área de RH por algum motivo – e acabou passando seis anos nela. Que habilidades você acredita que unem o Jornalismo com a área de pessoas? 

Amo essa pergunta, porque acho que existe uma tendência que precisa ser acelerada pelas empresas na hora de atrair profissionais: o mais importante não é o curso que você fez, mas o que você construiu de valor ao longo do tempo. É claro que há cursos e vagas que limitam, você não pode contratar um advogado que não estudou Direito, mas a gente precisa olhar para o repertório de mundo.

A gente tem experiências de uma vida inteira para poder entregar e agregar na vida profissional: o grupo de jovens da igreja, o intercâmbio, uma ONG que você se engajou, até uma viagem que você organizou com amigos. O estagiário que estava na vaga que eu entrei, no ano anterior, era engenheiro. E nós dois fizemos um bom trabalho, cada um à sua maneira. E acho que, apesar desse discurso inicial, o jornalismo me ajudou muito. Eu sou muito grata ao pensamento crítico que eu desenvolvi no curso, e isso se desdobra em saber observar as pessoas, se relacionar, gostar de escutar o outro e ter empatia.

Recrutar e entrevistar não é só pegar o telefone e fazer perguntas: é entender o perfil da vaga, sentar com a equipe, entender habilidades, o que precisa avaliar num candidato. E mesmo sendo de humanas, a gente brinca que pode não ser tão bom de números, mas tem capacidade analítica, de escutar, de entender, e traduzir isso num conjunto de perguntas para avaliar as habilidades de uma pessoa.

E acho que isso me fez me apaixonar pelo RH: primeiro, porque eu trabalhei com habilidades e talentos que eu tinha. E segundo porque no RH eu percebi a capacidade de fazer a diferença na vida das pessoas. Dos seis anos que eu fiquei no RH, quatro eu estava numa área de atração de jovens talentos, ajudando a desmistificar o Google, as vagas e o processo seletivo, e foi muito rico. Hoje, eu estou no marketing, que tem o poder de criar ou derrubar estereótipos, e acho que o que eu vivi antes me ajudou muito – eu continuo trabalhando com as habilidades que eu tinha, dentro e fora do jornalismo, e espero que as empresas olhem cada vez mais para isso, porque isso traz diversidade e inclusão para o quadro de funcionários. 

Pouco tempo depois que você entrou no Google, você participou da fundação do comitê de afinidade AfroGooglers. Como foi essa experiência para você? 

Na época que eu entrei no Google, a gente podia contar nos dedos de uma mão quantas pessoas negras existia na empresa, em mais de 300 funcionários. A gente tem uma estimativa de que era menos de 1% de profissionais negros, e eu vivia isso na pele. Não era uma experiência nova: meus pais vieram de uma situação humilde, mas eu cresci numa família de classe média, e seja na escola, na USP ou em empregos, eu era sempre a única ou uma das únicas pessoas negras.

Conforme eu fui crescendo, fui entendendo sobre o racismo, tive o amadurecer da consciência racial, de como a gente não é só negro, mas se torna negro. Na Capricho, eu comecei a ter voz ativa em relação à inclusão racial, fazendo matérias sobre cabelo crespo, por exemplo. E no Google eu achei espaço para me tornar ativista.

A princípio, eu e um amigo íamos fazer um grupo chamado Mosaico, que ia unir diferentes temáticas, com pessoas negras, indígenas, também íamos debater questões de preconceitos regionais. E enquanto a gente amadurecia isso, veio um convite do comitê de raça do Google nos EUA, o Black Googler Network, para abrir um capítulo pro aqui. Foi difícil: eu era recém-contratada, tinha muito medo de liderar alguma coisa. E além disso, eu tinha medo de fazer um desserviço para a comunidade negra, minha experiência é diferente da de outras pessoas negras, eu nunca morei na periferia, por exemplo. Mas eu tomei a frente, criei coragem e tive aliados que me ajudaram muito. 

Da fundação do AfroGooglers para cá, o debate racial no Brasil evoluiu muito, mas imagino que os desafios ainda sejam enormes. Como foi essa evolução para o comitê?

Nós estamos completando oito anos de história agora. No início, praticamente não havia pessoas negras no escritório, então nosso maior objetivo era conscientizar o quadro de funcionários sobre racismo, inclusão e equidade racial. Racismo sempre foi um tabu na sociedade brasileira, ainda mais no meio corporativo.

Outro objetivo era conversar com a comunidade negra: como eu nunca poderia falar por todos os negros, entender suas demandas, sempre foi estratégico procurar a comunidade e escutá-la. E o terceiro pilar que a gente tinha na época era recrutamento, buscando ser mais pró-ativos em recrutar profissionais ou estudantes negros.

O grupo cresceu muito, especialmente durante a pandemia. Infelizmente, educação ainda é um tema necessário, mas a gente nota uma evolução de alguns anos para cá. Hoje, dedicamos mais energia para o acolhimento dos profissionais negros e o seu desenvolvimento de carreira – afinal, o desafio não é só contratar, mas manter e ajudar essas pessoas a progredir. E também falamos de saúde mental: a população negra já tem a saúde mental afetada pelo racismo desde que nasce, e numa empresa majoritariamente branca, essas questões acabam sendo ainda mais relevantes.

A população negra já tem a saúde mental afetada pelo racismo desde que nasce, e numa empresa majoritariamente branca, essas questões acabam sendo ainda mais relevantes.

Muitas empresas costumam dar o primeiro passo na área de diversidade e inclusão (D&I) com comitês de afinidade. No entanto, esse é um trabalho voluntário, cujas responsabilidades se somam às responsabilidades do trabalho no dia a dia. Como evitar a exaustão pela jornada dupla? 

É uma pergunta difícil. Minha jornada foi bem complicada nesse sentido. É inegável que eu pude desenvolver inúmeras habilidades estando à frente do comitê e assumindo essa responsabilidade. Desde que eu fui efetivada, tenho reuniões one-on-one com o presidente da empresa, com VPs, com poder público, tive visibilidade, recebi prêmios, fiz muitos amigos. Mas também é inegável que é uma responsabilidade muito pesada, até porque, em todos os grupos de afinidade, quem está à frente carregando o peso de resolver o problema é quem sofre aquele problema.

Eu luto contra o racismo, mas sou uma mulher negra que sofro todo dia com o racismo – e tive minha saúde mental muito impactada pela dupla jornada. Acho que é um desafio trazer reconhecimento para quem participa desses grupos, mostrar que as habilidades desenvolvidas dentro dos grupos são aplicáveis no trabalho do dia a dia.

As empresas precisam entender que esse trabalho, voluntário, é uma contribuição, e é preciso haver investimento. Investimento para que esse trabalho esteja dentro da avaliação de performance, dentro do bônus, nos aumentos, e investimento em diversidade. As empresas não podem se apoiar nos grupos de diversidade para sempre. Investimentos em diversidade devem ser tratados igual a processos de inovação ou auditorias. É preciso investir, por exemplo, em diagnosticar o problema, em entender a demografia da empresa, diagnosticar se mulheres e pessoas negras recebem aumentos e promoções na mesma velocidade que homens brancos – e só ter um comitê de afinidade não resolve isso.  

Investimentos em diversidade devem ser tratados igual a processos de inovação ou auditorias.

Depois de seis anos trabalhando com RH, você assumiu um cargo como gerente de marketing. Como foi essa transição e o que você levou das experiências anteriores? Uma pessoa de “pessoas” pode trabalhar em qualquer área?

A mudança para o marketing tem muito a ver com o AfroGooglers: nele, eu desenvolvi muito a habilidade de gerenciamento de projetos. Ao liderar o comitê, eu pude desenvolver habilidades de liderança, fiz eventos, parcerias com outros coletivos. E no Google, a maioria das vagas de marketing é de product marketing manager, mas com uma visão de gerente de projetos, então as coisas se uniram.

Além disso, ser uma especialista em diversidade e inclusão também levou ao marketing: como mulher negra, as pessoas entendem que eu sou especialista em raça, mas trabalhar no RH me despertou o olhar para D&I em outras demografias na América Latina. E além disso o marketing foi uma das primeiras equipes que entendeu que D&I não é coisa do RH: às vezes, eles chegavam com uma campanha já pronta para darmos feedback, mas não dava para mudar nada a um dia de lançar a campanha.

A diversidade tem que ser pensada desde o briefing. Eu acabei virando uma consultora para eles e fui me aproximando. E algo que eu levei do RH para o marketing e me ajuda muito são as habilidades com pessoas: eu ajudei a contratar muita gente no Google, de diferentes áreas, e isso me trouxe muitos contatos e um entendimento bem completo do negócio. É um diferencial super relevante. 

Para fechar, você tem alguma dica de podcast? 

Vou puxar a sardinha para o nosso lado: para quem se interessa por grupos de afinidade, eu participei de um podcast muito legal falando sobre esse assunto. É o episódio 5 do Ouça Mais Alto, feito pelo time de Google Cloud. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.