Paulo Almeida, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral, discute os tipos e dimensões da liderança no contexto atual dos negócios
‘Ninguém será substituído por robôs, mas pode ser por quem souber usá-los bem, diz Marco Stefanini, CEO e fundador da Stefanini
Liderando um time de 37 mil funcionários, executivo fala sobre avanço da inteligência artificial dentro das organizações; com 48% de mulheres na liderança, Stefanini também explica por que a companhia não tem políticas específicas de diversidade
No dia a dia dos 37 mil funcionários da Stefanini, uma das maiores empresas de tecnologia do país, a inteligência artificial generativa já faz parte de uma série de atividades, economizando tempo de diferentes setores. Em vez de horas, linhas de programação são realizadas em minutos. Em vez de meses, os resultados da pesquisa de satisfação dos colaboradores agora sai em poucos dias, enquanto posts nas redes sociais podem ser feitos em alguns minutos. Essas são apenas algumas das 1,2 mil possibilidades de uso de IA dentro da companhia, conta o CEO e fundador Marco Stefanini, com melhora de até 400% da produtividade em algumas tarefas. Geólogo de formação, Stefanini começou sua carreira como trainee do Bradesco e fundou a empresa que leva seu nome em 1987, transformando-se em referência em tecnologia.
Depende muito de como as pessoas vão se preparar para trabalhar com IA. Para quem quer aprender e não tem medo da evolução, vejo esse momento como uma oportunidade de fazer um upgrade.
Com a meta de praticamente triplicar o tamanho da empresa em cinco anos, Stefanini comanda a revolução digital pautada tanto por inteligência artificial generativa quanto por aquisições, almejando um faturamento de R$ 8,3 bilhões em 2024. Em entrevista exclusiva para Cajuína, o executivo fala sobre os desafios de contratar talentos no setor de tecnologia, comenta as promessas da inteligência artificial e explica por que a companhia não tem governança específica para a questão da diversidade. “Para nós, a diversidade é uma fortaleza, mas não acreditamos em cotas ou comitês. Entendemos que a diversidade deve ser tratada de forma natural”, afirma.
Você criou e lidera a Stefanini, multinacional brasileira de tecnologia da informação, com mais de 37 mil funcionários em 41 países. Como “falar” com tanta gente e manter a cultura alinhada?
Nós nos apoiamos em um modelo empreendedor de autonomia nas pontas. Entendo que é muita gente: atendemos clientes em 104 países e é sempre um desafio conseguir fazer uma gestão alinhada. Por isso, a autonomia das lideranças é fundamental, dentro de um modelo mensal de acompanhamento, que nos permite crescer sem amarras. Nossa cultura estimula que os colaboradores tomem decisões. Temos uma série de empresas dentro do grupo e não conseguiríamos evoluir sem esse tipo de gestão.
Acolhemos as culturas e damos autonomia para as pessoas trabalharem, sempre guiadas pela estratégia geral de crescimento.
Por exemplo, se o gerente de uma unidade fecha um contrato com um cliente e precisa contratar 30 pessoas, ele não precisa da minha autorização ou do diretor. Ele tem autonomia para crescer, mas é claro que todo mês a gente acompanha os resultados e verifica se a equipe está fazendo bom uso dessa liberdade. É com base nesse modelo que nós conseguimos absorver tantas empresas que adquirimos nos últimos anos. Acolhemos as culturas e damos autonomia para as pessoas trabalharem, sempre guiadas pela estratégia geral de crescimento.
A Stefanini é uma das empresas brasileiras mais internacionalizadas, segundo o Ranking da Fundação Dom Cabral. Vocês lidam com colaboradores de diferentes idades, formações e contextos. Como vocês trabalham a questão da diversidade na companhia?
A diversidade é uma fortaleza que nós temos. Essa riqueza cultural é uma vantagem para atender nossos clientes. Mas a gente não tem nenhum comitê de diversidade, nem cota, somos contra isso. Entendo que a diversidade deva ser tratada de forma natural e o foco é que a empresa dê as mesmas condições para todos. Um exemplo concreto de como isso funciona está na questão de gênero. Assim como o setor de tecnologia, há mais homens trabalhando na área. Na Stefanini são 35% mulheres e 65% homens no geral. Quando a gente olha a liderança, isso muda: hoje, 48% dos líderes da empresa são mulheres e 52% são homens. Conquistamos esse número sem nenhum programa específico, apenas dando as mesmas oportunidades para todos. Temos orgulho de que isso seja natural. Claro que temos canais de denúncia e apuramos qualquer problema, mas tratamos essas questões sempre com muito cuidado para apurar cada incidente, pois às vezes esses problemas passam por outras características pessoais dos envolvidos.
É comum ouvir que é difícil encontrar bons profissionais na área de tecnologia. Você concorda? Como a Stefanini faz para reter e contratar talentos?
Eu concordo, essa é uma questão do setor. Nos meus 36 anos de trabalho na empresa sempre ouvi isso, especialmente quando chega uma nova tecnologia. Encaro essa dificuldade como normal e aprendi a conviver com ela. Alguns períodos são mais difíceis: em 2020 e 2021, por exemplo, o mercado estava insano, com empresas oferecendo valores irreais para contratar. Mas nada como uma dose de realismo: em 2022 e 2023, isso já melhorou. Criamos soluções para contratar e reter talentos ao longo dos anos. Começa desde a criação de programas de trainee e estagiários, além de parceria com universidades para formação de talentos. Também apostamos nas pessoas que estão fora das grandes cidades, com escritórios em lugares menores. Outros pontos relevantes são nossos programas de reciclagem para não deixar profissionais obsoletos e uma trilha de desenvolvimento de carreira com apoio da Stefanini Academy, nossa universidade corporativa. Também apostamos no nosso modelo mais empreendedor, que preza pela autonomia e flexibilidade — isso inclusive atrai muitas mulheres.
Prezo muito pelas soft skills, que muitas vezes têm um peso maior que o conhecimento técnico. Procuramos pessoas que acreditem no trabalho.
O fato é que temos que procurar nos adaptar sempre, mas focamos em contratar quem tem afinidade com o nosso DNA. Vemos as mudanças no mercado, mas não podemos falar que todos os jovens são iguais, por exemplo. Por isso, independentemente da geração, no processo de seleção procuramos quem tem afinidade com o nosso modelo. Prezo muito pelas soft skills, que muitas vezes têm um peso maior que o conhecimento técnico. Não adianta falar que a gente vai ser totalmente flexível, pois prestamos serviços para os clientes e temos que seguir horários. Trabalhamos com serviços de missão crítica, que não nos permitem alguns tipos de liberalidade. A maior parte do time trabalha em home office, mas coordenamos isso com os índices de produtividade. Procuramos pessoas que acreditem no trabalho, para nós é importante essa questão do esforço, determinação energia positiva e eterna vontade de aprender.
O faturamento da Stefanini dobrou entre 2019 e 2022 e depois ultrapassou os R$ 7 bilhões no ano passado. Como as pessoas fazem parte dessa estratégia para seguir crescendo mesmo em patamares tão elevados?
Temos crescido acima do mercado nos últimos cinco anos. Mas é uma combinação de fatores, não existe bala de prata. Acredito que isso se deve à questão do empreendedorismo e da autonomia dos funcionários, de uma liderança feminina atuante, com o entendimento da responsabilidade. Às vezes, as pessoas confundem a liberdade com ausência de responsabilidade. Não é bem assim. Acredito que o resultado também é fruto do reconhecimento. Nossa prioridade é o time interno. Dos cinco CEOs das principais unidades da empresa, quatro têm mais de dez anos de casa e começaram de baixo. Isso mostra um pilar fundamental nosso: valorizar a dedicação e o esforço. Outro fator fundamental nesse crescimento são as soluções digitais que desenvolvemos e adquirimos nos últimos 12 anos e as aquisições estratégicas que realizamos. Isso colaborou para aumentar nosso valor agregado.
Vocês são reconhecidos pelo alto investimento em Inteligência artificial. Como a IA contribui para a estratégia da empresa e como os colaboradores fazem parte deste novo contexto?
Nós já trabalhamos com inteligência artificial há mais de 12 anos, quando ninguém falava disso. A gente vem disseminando e incentivando o uso pró-ativo de maneira segura e coordenada, estimulando a inovação. Do ponto de vista financeiro, a IA ainda não mostrou retorno, pois é um movimento muito recente que ganhou impulso com o ChatGPT há pouco mais de um ano. A absorção do mercado corporativo a novas tecnologias é mais lenta.
Três em cada quatro profissionais brasileiros acreditam que a inteligência artificial substituirá seus empregos, revela pesquisa da Page Interim. Como driblar esse medo?
Sempre digo que ninguém será substituído por robôs, mas pode ser por quem souber usá-los bem. Acho que a IA traz soluções que podem ajudar no seu trabalho, é uma evolução. Imagina um jornalista sem usar o computador, usando uma máquina de escrever, ou um um analista financeiro que não sabe sequer usar o Excel. Boa parte das profissões serão impactadas, mas isso não é necessariamente negativo. Depende muito de como as pessoas vão se preparar para trabalhar com IA. Ela pode acelerar produtividade, qualidade das atividades e reduzir trabalhos repetitivos. Para pessoas que querem aprender e não têm medo da evolução, vejo esse momento como uma oportunidade de fazer um upgrade.
Para finalizar, qual referência de livro você indica para os gestores?
Estou lendo um sobre liderança, um tema que sempre me atrai. Ele chama-se Liderança: Seis estudos sobre estratégia, escrito por Henry Kissinger. Ele é um dos nomes mais importantes da diplomacia norte-americana, atua na política internacional desde os anos 1960, e conta histórias de personalidades políticas do século XX que ele conheceu, ou com quem trabalhou, e que influenciaram não só seus países, mas a geopolítica mundial. É bem interessante para entender o poder da liderança.
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