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Desafios da diversidade por Maíra Andrade, Gerente de D&I da Adidas

A farmacêutica trocou a indústria para se encontrar trabalhando com diversidade e inclusão e acredita que ouvir as pessoas é essencial para quem quiser ter resultados efetivos na área

Bruno Capelas
9 de maio de 2022
"É cruel colocar quem trabalha com diversidade como a responsável por saber tudo": um papo com Maíra Andrade de Carvalho, gerente de D&I na Adidas
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Paulista, filha de cariocas, Maíra Andrade de Carvalho foi criada em um ambiente tradicional, sempre buscando ser a melhor – e com uma lista de profissões a não seguir. Formada em Farmácia, ela acabou entendendo sua negritude e descobrindo seu propósito enquanto fazia a transição da indústria para a área de diversidade e inclusão – hoje, aos 29 anos, ela é gerente de Diversidade, Equidade e Inclusão da Adidas para a América Latina, além de ter passado por empresas como Natura e Roche. 

Do Panamá, onde mora, ela falou com Cajuína sobre sua carreira, deu dicas para quem quer seguir seu caminho e para quem quer ir além de ações pontuais com diversidade no ambiente corporativo.

“Diversidade é algo que surge de baixo para cima, mas uma liderança que não acredita traz obstáculos às mudanças. Se o RH e a alta liderança não estiverem engajados, é difícil mudar as coisas”, diz.  

Maíra, você se formou em Farmácia e hoje trabalha com Diversidade e Inclusão (D&I). Como foi a construção da sua carreira?

Antes de falar da minha carreira, preciso falar dos meus pais. Eles são do Rio de Janeiro e puderam ascender durante a trajetória deles, depois de estudar a vida inteira em escola pública. Dentro da minha trajetória, é importante dizer que eu tinha que garantir e manter esse nível que eles conquistaram, e fui criada nesse ambiente tradicional, de buscar ser a melhor, de almejar a perfeição.

Quando fui fazer faculdade, eles tinham uma lista de cursos que eu não poderia fazer, era o que eles acreditavam na época e eu respeito isso. Eu gostava de química e matemática, acabei optando por fazer Farmácia, e eu pensava em trabalhar em hospital, mas a vida nos leva para caminhos que a gente não espera. Em 2016, no meio da graduação, eu fiz intercâmbio na Inglaterra pelo Ciências Sem Fronteiras, e no retorno acabei sendo contratada como CLT numa indústria farmacêutica, na área de farmacovigilância.

Foi nessa época que eu tive processos longos de entendimento da minha negritude e comecei a perceber o quanto eu não me sentia representada, seja na faculdade ou no trabalho. Pouco tempo depois, uma gestora perguntou se eu me via como gerente daquela área, e aquela pergunta me fez perceber que eu estava no piloto automático. Foi aí que eu comecei a me envolver com projetos de design estratégico e inovação e com o comitê de diversidade e inclusão, abrindo minha cabeça para outras oportunidades além da farmacovigilância, me fazendo perceber que eu não queria seguir ali.

Comecei a olhar vagas e currículos e, no começo de 2019, fui trabalhar com inovação social na Natura, sendo responsável por ações na área de violência doméstica. Ali, eu me vi mais alinhada com meus valores e propósitos. Um ano depois, fui chamada pelo RH para uma posição de coordenadora de diversidade, acabei prestando e passei a trabalhar com diversidade e inclusão, olhando para colaboradores e terceiros. Fiquei lá um ano e meio e agora estou na Adidas, olhando para Diversidade e Inclusão em toda a América Latina.

Como alguém que quer trabalhar com Diversidade e Inclusão pode se formar?

Eu não diria que há uma formação específica para D&I. Dependendo da formação, porém, é possível trazer outras visões para a área. Minha experiência como farmacêutica, por exemplo, me trouxe uma visão de processos, o que é algo muito diferente no mundo do RH, diferente de alguém que fez Ciências Sociais ou Psicologia.

Com relação a caminhos, hoje existem pós-graduações e cursos livres que ajudam a criar conhecimento técnico na área – e acredito que, para além dos marcadores identitários, é preciso ter conhecimento técnico no tema. E para fechar, é importante lembrar que cada pessoa traz sua realidade e sua vivência, seus marcadores. Em um ambiente corporativo, é importante trazer essas experiências, mas não dá para acreditar que elas são as únicas possíveis. É preciso trazer algo que faça sentido dentro da organização, muitas vezes com ajustes, com adaptações: não dá para emplacar tudo que é dito em um movimento social no ambiente corporativo. 

Áreas de diversidade costumam ter times pequenos, e muitas vezes o time não consegue ter a representatividade de todos os marcadores identitários. Como ir além desse entrave? 

É cruel colocar a pessoa que trabalha com diversidade como alguém responsável por saber tudo, ainda mais em uma área com tanta subjetividade.

Uma dica é estudar, não tem como não se aprofundar dentro das temáticas. É preciso entender o outro lado, a outra pessoa, respeitar aquela dor ou aquela experiência. Outro ponto relevante é manter contato com pessoas de outros marcadores identitários, de movimentos sociais desses marcadores. Se não for possível estar perto fisicamente desses movimentos, é possível ao menos seguir pessoas que fazem parte dessas lutas e conseguem dar essa perspectiva.

Um último ponto que tenho observado bastante é a criação de grupos de pessoas de diversidade. Uma vez que a gente sabe que não vai saber de tudo, temos que nos fortalecer, participar de grupos, trocas, cafés virtuais. É algo que ajuda muito a captar outras percepções, outras realidades. 

É cruel colocar a pessoa que trabalha com diversidade como alguém responsável por saber tudo, ainda mais em uma área com tanta subjetividade.

Como a área de D&I pode gerar impacto duradouro, indo além de ações pontuais? 

Primeiro: é importante olhar para dentro. Empresas que só falam de diversidade da boca para fora acabam num lugar perigoso e frágil no mercado.

Segundo: é preciso ter uma área de diversidade de fato, com pessoas com conhecimento e poder para olhar para esse tema.

Terceiro: a estrutura de diversidade precisa ter poder. Não adianta nada ter um analista de diversidade se ele não pode contribuir em discussões onde as decisões são tomadas, como num board executivo ou entre os vice-presidentes. É preciso abrir espaço dentro da empresa para que a discussão importe. Diversidade é algo que surge de baixo para cima, mas uma liderança que não acredita traz obstáculos às mudanças. Se o RH e a alta liderança não estiverem engajados, é difícil mudar as coisas.

Além disso, é importante dizer que as consequências da área de diversidade podem demorar muito tempo, porque são mudanças culturais. Muitas vezes, essas mudanças não são vistas pelas pessoas que as implementam, então a resiliência é um skill importante para quem trabalha com D&I.

Como levantar a bandeira de Diversidade e Inclusão em empresas mais tradicionais? 

Um bom caminho é levantar essa discussão com outras pessoas. Ter outras pessoas questionando elementos da vivência delas permite que muita gente sinta abertura para falar, então criar coletivos é importante, para falar, para trocar, para mostrar frustrações dentro do ambiente corporativo.

Além disso, tem um ponto importante que eu aprendi durante minha transição de carreira, que é entender quais são os valores dos quais não se pode abrir mão. Se a gente tem o privilégio de poder escolher onde vai trabalhar, é importante escolher um lugar onde a gente pode ser quem a gente é. Foi algo que me deu muita clareza quando eu comecei a aplicar para uma posição nova, por exemplo.

Você já passou por diversos cargos de liderança em D&I a nível regional. Como lidar com as diferenças de diversidade em cada país da América Latina?

A partir do momento em que entendi que minha posição era regional, mas meu conhecimento se baseava no Brasil, percebi que precisava ampliar meus horizontes. Fiz um curso de Políticas Públicas, Direito, Cidadania e Igualdade no Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO) para entender que a minha realidade não era a única.

Além de estudar, acho que é preciso ouvir as pessoas de cada país e entender nossos vieses em relação a isso. Um exemplo: o nível de discussão de racismo no Brasil está mais avançado do que em outros países da América Latina. Como pessoa de diversidade, não posso colonizar outros países com as experiências que nós temos no Brasil, a minha cultura não é a certa para outro país.

A gente tem que respeitar o movimento e o momento de cada país, ouvindo muito. A partir do momento que você ouve e entende os desafios daquela realidade, é possível trazer elementos para as pessoas construírem as correlações que façam sentido para elas, seja no Peru, na Colômbia ou na Argentina. Mas é preciso sobretudo entender a história de cada local e como cada um deles chegou até aqui. Isso é importante demais para entender, e vale para diferentes pontos de diversidade. 

Quais são as tendências em D&I que você está vendo e a gente vai falar muito sobre nos próximos meses?

Tem três tendências bem fortes vindo aí. Vamos ouvir muito sobre como a diversidade é um elemento importante para a segurança psicológica dos times, garantindo que times de alta performance consigam ter um melhor desempenho. É sobre deixar as pessoas confortáveis para serem quem são, com lugar de fala e com espaço para fazer perguntas e desafiar o status quo, seguindo em frente e ajudando o time a performar melhor unido.

A segunda tendência é a de entender as habilidades de inclusão de pessoas dentro de uma organização. Hoje, as empresas perceberam que elas têm que avançar e por isso estão capacitando as pessoas para serem líderes e colaboradores inclusivos, mas isso vai ser algo que vai se tornar esperado no futuro.

E o terceiro elemento é pensar a diversidade não só dentro de uma área, mas em todas as áreas. Tem que ter pessoas dentro da área de marketing, de RH, de produto, de comunicação, todas elas olhando para esse aspecto. Hoje, existem diversos processos que foram desenhados por pessoas em lugares hegemônicos, e ter pessoas com a competência de diversidade pode mudar e melhorar o desenvolvimento de um produto, por exemplo. É algo super importante.

Tem que ter pessoas dentro da área de marketing, de RH, de produto, de comunicação, todas elas olhando para esse aspecto [de diversidade].

Tem algum podcast ou livro que você gostaria de recomendar? 

O Mano a Mano, do Mano Brown, tem sido o melhor podcast que eu tenho ouvido recentemente. É muito inspirador ter o Mano Brown nesse papel de entrevistar pessoas. A gente parte de um lugar de sofrimento, e quando você entende outras conquistas e outras realidades, é muito legal ressignificar essas histórias.

Eu também tenho escutado muito Tasha e Tracie, duas gêmeas cantoras de rap que estão ascendendo super na cena, além de todo o trabalho que o Emicida e o pessoal do Laboratório Fantasma têm feito.

A música traz muitas histórias, vivências e realidades, faz a gente ampliar nossa consciência. Pra fechar, um livro, Eu, Tituba: Bruxa negra de Salem, de Maryse Condé. É a história de uma mulher negra escravizada no Caribe, que vai contando a trajetória dela, trazendo uma perspectiva para a gente entender as consequências diretas do colonialismo. É uma referência que a gente não tem muito aqui no Brasil, então é uma leitura muito interessante – dura, mas muito interessante.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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