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Fora do armário – mas não durante o expediente

Mesmo com o aumento de vagas afirmativas para pessoas LGBTQIA+ e da presença da bandeira do orgulho no LinkedIn, profissionais ainda identificam preconceito no mercado

Gabriel Brolli
20 de junho de 2022
Fora do armário – mas não durante o expediente
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Na série Ruptura, da Apple TV+, colaboradores de uma empresa têm chips de memória implantados e, ao chegarem ao escritório, esquecem tudo relacionado às suas vidas pessoais. É como se existisse um “eu corporativo” que nada se assemelha a quem a pessoa é fora do trabalho. A produção é de ficção científica, mas se pararmos para pensar, essa realidade – ainda que sem implantação de chips – já existe: em pleno ano de 2022, milhares de pessoas precisam incorporar uma personalidade diferente durante o expediente e esconder características relevantes, como a própria orientação sexual.

Segundo estudo da Coqual, cerca de 61% dos profissionais LGBTQIA+ brasileiros escondem a sua identidade no trabalho. A pesquisa é de 2016, mas temos indícios de que pouca coisa mudou desde então: no mês passado, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE mostrou que menos de 2% da população acima de 18 anos se autodeclara LGBT no país.

Para Pedro Neto, da área de Pessoas e Cultura da XP Inc, esta ainda é uma questão de privilégio. “O preconceito está presente. Um recrutador, um gerente, um CEO podem ser lgbtfóbicos. E, a partir do momento em que decidimos expor nossa orientação, queremos dizer duas coisas: eu sei quem eu sou, tenho orgulho e quero que você saiba. Se você não estiver de acordo, não me chame, não entre em contato, não faça parte do meu jogo”. 

Trabalhando no mercado financeiro, ele lembra de histórias de colegas que levaram mais de 10 anos para se assumir enquanto LGBTQIA+ no ambiente corporativo.

“Uma colega fazia happy hours em casa, abaixava os porta-retratos de fotos com a esposa e a apresentava como a ‘amiga’ que morava com ela. Ela era obrigada a viver um personagem tanto no trabalho quanto na vida pessoal. Um colaborador que passa 24 horas por dia vivendo um personagem não é produtivo e nem consegue ser inovador”, diz. 

Um levantamento da Cia de Talentos, organizadora da pesquisa Carreira dos Sonhos, constatou que no trabalho os jovens LGBTQIA+ são ainda mais tristes e preocupados que seus colegas heterossexuais. Thalita Gelenske, fundadora da Blend Edu, startup de ações educacionais para D&I em organizações, sentiu isso na pele antes de empreender. 

“Um colaborador que passa 24 horas por dia vivendo um personagem não é produtivo e nem consegue ser inovador”

Formada em Administração, passou por consultorias e pela área de Recursos Humanos da Vale. “Entrei no mercado sem falar abertamente sobre a minha sexualidade por não saber como seria a empregabilidade se eu fosse dispensada. Sempre pensei em como isso poderia limitar minhas escolhas ou o meu protagonismo de carreira”, conta. 

Hoje, ela se sente à vontade para incluir o ícone da bandeira LGBT ao lado de seu nome no LinkedIn, movimento que tem ganhado adeptos de uns tempos para cá. “A ideia é levantar essa discussão e tentar influenciar as pessoas de maneira positiva, para que isso leve a mais conversas sobre o tema e mais espaços de acolhimento”, diz. “Agora eu tenho esse privilégio, mas é uma coisa que anos atrás eu não faria.”

Fora do armário – mas não durante o expediente

Falando em LinkedIn…

Em junho, mês do Orgulho, a rede social corporativa fica repleta de posts de empresas reforçando seu posicionamento em relação ao tema. Segundo o LinkedIn, inclusive, o Brasil é o país que mais engaja com esse tipo de conteúdo, à frente de Estados Unidos e Índia, segundo e terceiro lugar, respectivamente. 

No entanto, há quem receba críticas por se posicionar na rede. Caso de Felipe Almeida, Influencer Strategy Consultant na Accenture e criador de conteúdo sobre tecnologia. Com mais de 200 mil seguidores na plataforma, vindos principalmente por conta de seus posts sobre o sistema SAP, ele aproveita o conhecimento em uma área majoritariamente heteronormativa para, como costuma dizer, “furar a bolha”.

“Muitos acreditam que isso não tem vínculo com empregabilidade. As pessoas ainda têm o pensamento retrógrado e não entendem que diversidade, equidade e inclusão são o futuro”, diz. “Eu quero que elas entendam que existem gays em todas as áreas.” Mais do que um ícone no nome de apresentação no LinkedIn, vestir a bandeira no ambiente corporativo significa representatividade.

Do ponto de vista de atração de talentos, Matheus Gerstner, RH da startup de inteligência de mercado Horus, diz que o fato de ter a bandeira do orgulho em seu perfil às vezes o ajuda a recrutar. 

“Já tive casos de pessoas que aceitaram participar da entrevista justamente por eu ser uma pessoa LGBT. Isso traz segurança e elas se sentem mais à vontade durante o processo. A gente sai daquela questão de ser uma pessoa LGBT que fala somente do trabalho, buscando um distanciamento da vida pessoal, para falar justamente sobre o contexto familiar.”

Transformação interna

Além de iniciativas pessoais que vêm dos próprios colaboradores, é fato que as companhias estão investindo cada vez mais em ações de D&I, como vagas afirmativas e programas internos de inclusão. Diversidade tem saído do conceito para se tornar meta a ser alcançada – e inclusive cobrada por investidores e clientes. Segundo pesquisa NielsenIQ, a população LGBTQIA+ movimentou quase R$ 11 bilhões em compras no último ano, e o gasto médio é 14% maior que público geral. Quem melhor para se comunicar com essa audiência do que os profissionais da própria comunidade?

Fora do armário – mas não durante o expediente

“Escutei uma vez que para se ter inovação é preciso ter pessoas diversas. É com a diversidade que conseguimos aplicar novos pensamentos”, diz Felipe.

No entanto, por mais que se orgulhem da bandeira em suas redes sociais, todos os entrevistados desta matéria ainda recomendam cautela na hora de se posicionar. “Existem pessoas em posição de maior vulnerabilidade. Nem todo ambiente é receptivo, e isso pode fechar portas”, diz Thalita.

Direto da fonte

  • Veja se a empresa faz um trabalho por trás da mídia: “ela fala sobre diversidade na página de carreiras? Ela participa de eventos – e não somente no mês de junho – sobre diversidade e inclusão?”, aponta Pedro;
  • Pense duas vezes: “Quando a gente se expõe, isso nos afasta de algumas oportunidades. O que também pode ser positivo, já que afasta de lugares que eu não quero ocupar”, diz Matheus;
  • “Faça uma lista de empresas que sejam pró-LGBT e envie seu currículo para lá. Não se coloque em situação de risco”, diz Felipe.
Gabriel Brolli é jornalista pelo Mackenzie (SP). Com passagens em redação e assessoria de imprensa, hoje atua como Social Media na Caju Benefícios.