Atualmente, as empresas estão verdadeiramente pensando na mobilidade dos seus colaboradores e na acessibilidade dos escritórios? Nesse sentido, empresas do Recife Antigo tem muito a ensinar.

Não é segredo para ninguém que a inteligência artificial tem avançado a olhos vistos: se há dois ou três anos parecia ficção científica ter um chat capaz de tirar dúvidas dos colaboradores, hoje essa ferramenta já é uma realidade em diversas empresas. Agora, a onda da vez é falar em agentes de IA – sistemas capazes não só de interagir com o usuário por meio de conversas, mas também com outras IAs e plataformas de dados, fazendo tarefas mais complexas. Na Petlove, já existe uma agente capaz de ajudar em recrutamento e seleção.
Chamada de Path.ia (uma mistura do termo grego para “paixão” com IA), a recrutadora é capaz de cuidar de até 80% do processo de seleção de candidatos, conta o CHRO Bruno Junqueira. “Ela começa a filtrar os candidatos imediatamente, checando currículos, dados e fazendo as primeiras entrevistas”, explica o executivo. “Se o candidato tiver disponibilidade, esse processo todo pode acontecer em uma madrugada, por exemplo, enquanto o recrutador está dormindo”, complementa ele. Caso seja aprovada, a pessoa é chamada para um dia final de entrevistas e dinâmicas na empresa.
Introduzida em abril, por enquanto a agente está sendo usada apenas em um perfil específico de vagas – vendedor de inside sales, uma posição de grande volume na organização. Segundo Junqueira, até aqui a Path.ia ajudou a empresa a recrutar profissionais em um processo até 75% mais rápido do que o tradicional. Além disso, a tecnologia ajuda a empresa a ter um nível maior de atenção com os candidatos. “a Path.ia não reprova ninguém de maneira automática. Ela reprova se o candidato não atingiu determinados pontos – e dá o feedback. Ele nunca fica no limbo”, diz.
Na entrevista a seguir, Junqueira explica mais sobre como a ferramenta foi criada e quais são os cuidados que a empresa têm para lidar com a Path.ia. “Trabalhar com inteligência artificial é viver em beta permanente”, diz o executivo. Além disso, ele também fala sobre a importância da ferramenta para ajudar o RH a focar em tarefas mais humanas. “Se a Path.ia faz 80% do trabalho, nós precisamos especializar o time para ser melhor nos outros 20%. A máquina vai nos substituir na lógica e no intelecto, mas ela nunca vai nos substituir no sentir”, afirma.
A Petlove é uma empresa com inclinação muito forte para a inovação desde a sua origem. Fomos o primeiro e-commerce voltado para pets, tivemos o primeiro plano de saúde pet, somos pioneiros em diversas categorias e mercados. Inovar é uma inclinação natural nossa – o que nos faz ser early adopters em vários aspectos, vivendo os louros e as idiossincrasias de ser um iniciante em um tema. Não temos problema em errar e falhar. Quando cheguei, em abril de 2024, entendi que o time de pessoas tinha de capitanear esse olhar. O RH poderia ser um ativo para também inovar, ajudando na construção de marca da empresa ao lado de produtos, tecnologia e negócios. Já usamos IA para vários produtos de negócios. Um bom exemplo é a Purple, um bot interno que ajuda o time inteiro com dúvidas transacionais. E nessa busca de sermos protagonistas, surgiu um pouco da visão para criarmos a Path.ia.
É um excelente ponto. Nós buscamos inovar não só por inovar, mas porque sabemos que sair na frente nos traz um diferencial competitivo. Inovar acaba sendo uma barreira de entrada – e isso faz muito sentido em recrutamento. Em certas vagas operacionais e de volume, tínhamos um enorme número de inscritos. Fazer a triagem para recrutamento de uma vaga de inside sales, com 3 mil, 5 mil candidatos, levava um tempo absurdo. É algo que demora, no mínimo, uns 20 dias.
Com a Path.ia, essa primeira filtragem começa automaticamente. Hoje, o candidato se inscreve para a vaga e ela já começa a fazer o screening inicial para entender se ele tem as características que precisamos – como localização ou perfil de escolaridade, por exemplo. Se o candidato estiver disponível, no mesmo momento a Path.ia já faz uma primeira entrevista, olhando para o que a gente chama de role model. Por exemplo: nosso time de inside sales lida com clientes todo o dia via WhatsApp. Nessa entrevista, a Path.ia simula o dia a dia do time de inside sales, como se fosse um cliente, e testa a reação do candidato. Caso ele seja aprovado, a Path.ia faz ainda uma segunda entrevista estruturada, que permite que a pessoa esteja habilitada para uma primeira entrevista presencial. Se o candidato tiver disponibilidade, esse processo todo pode acontecer em uma madrugada, por exemplo, enquanto o recrutador está dormindo. É um grande trunfo fazer as tarefas no tempo do candidato – e não só no tempo do recrutador. Mais do que isso, ela nos ajuda em algo que chamamos de processos infinitos: em vez de mobilizar e desmobilizar recrutamento para uma determinada vaga, a Path.ia está sempre ligada – e à medida que o tempo passa, ela vai refinando a qualidade das pessoas que vão para o painel de entrevistas, subindo o nível da barra dos candidatos. Além disso, ela gera uma experiência para o candidato que traz cuidado, atenção e velocidade – sem que ele precise esperar 20 dias para ser chamado para uma primeira entrevista, por exemplo.
Nós fizemos em colaboração com um parceiro, que nos ajudou não só a construir, mas também a integrar. Construir um agente não é um problema. O problema é ter esse agente integrado com todo o sistema de ATS que temos aqui. Do nosso lado, nós tivemos toda a criação da Path.ia, como uma persona, para que ela dialogasse com a voz da Petlove, que busca ser um lugar inovador e inclusivo. Eles trouxeram o código e colocaram o agente integrado no ATS. E hoje, a gente considera que a Path.ia é uma recrutadora do nosso time, pontuando os candidatos, deslocando-os de etapa, da mesma forma que um recrutador humano.
Em termos de tempo, a Path.ia cuida de 80% do processo de recrutamento. Ela faz toda a etapa de inscrição e validação inicial, de checagem. Ela checa se o candidato tem diploma numa vaga que requer formação superior. Ou se ele mora até 15 minutos de distância da loja, ou se ele tem uma CNH. O mais legal, porém, é que ela não só faz a checagem para nós, mas também para o candidato. Pensando no RH, a grande angústia de um candidato – e que faz algumas empresas serem odiadas nas redes sociais – é entrar num limbo. É quando a pessoa se inscreve e não sabe o que aconteceu. Com a Path.ia, isso não acontece: se o candidato não cumpre um requisito básico, ela já responde na hora. É algo que diminui a fricção das entrevistas e a angústia dos candidatos. O recrutador humano vai aparecer só no painel final, que acontece ao longo de um dia. Normalmente, esse processo presencial acontece com um painel pela manhã. Se o candidato passa no painel, à tarde acontece a entrevista com o gestor e aí temos já tudo que precisamos para aprovar ou reprovar uma pessoa. É algo muito bom para o candidato porque dá uma previsibilidade enorme.
Para nós, trabalhar com inteligência artificial é viver em beta permanente. Estamos sempre evoluindo com base nas interações e nos deslocamentos. A IA vai sempre melhorando o script dela – e buscamos ser cuidadosos com as palavras e a forma que a Path.ia se comunica. É por isso, inclusive, que ela tem o nome de Path.ia, que significa “paixão” em grego. Queremos que ela tenha não só a cara da Petlove, mas também transmita nossa paixão, nosso cuidado. Uma das coisas mais legais que nós já percebemos é que ela nos ajuda a diminuir o viés de diversidade nas contratações. Mas é um processo de interação e iteração, sempre: eu vivo criando perfis lá, testando para ver se passo ou não nas vagas, para ver se ela está funcionando. Sempre estou corrigindo uma frase ou outra, para ela ficar mais poderosa. Ela tem tido boas interações com os entrevistados – e muitos dos feedbacks que recebemos é sobre a agilidade dela. Muitos não acreditam que se inscrevem e já fazem uma entrevista na sequência.
Um ponto importante é que a Path.ia não está sendo usada em 100% das posições. Ela está sendo usada em posições que precisam dessa interação, como um vendedor de inside sales. Hoje, quem está nessa posição se comunica com o cliente da mesma forma que a Path.ia se comunica com ele, o que faz o cenário de interação ser real. Além disso, a Path.ia não reprova ninguém de maneira automática. Ela reprova se o candidato não atingiu determinados pontos – e ela dá o feedback. Mais que isso: o candidato é sempre ranqueado e ele permanece no nosso plano. Não temos um limbo que só responde “obrigado por ter participado do processo”. A Path.ia explica que o candidato não atendeu a algum requisito ou que ele não foi um dos primeiros colocados no nosso ranking.
Sim. Mas isso vai acontecer na medida que houver confiança. Não é uma solução “one size fits all”, ou seja, que vai servir de uma forma só para todas as vagas. Hoje, ela está sendo utilizada para posições de volume. Em cargos de liderança ou gerenciais, vamos precisar de outro cuidado. É preciso lembrar que ainda é uma experiência recente: a Path.ia está há dois meses no ar. Mas queremos sim trabalhar com outros tipos de cargo, como alguém que está no nível de primeira liderança.
Há tarefas que a Path.ia faz de forma muito boa, em velocidade incomparável. Mas há um refinamento que só o humano pode cuidar.
Esse é um movimento que queremos fazer com o time, até buscando um novo entendimento sobre a convivência entre humano e máquina. Há tarefas que a Path.ia faz de forma muito boa, em velocidade incomparável. Mas há um refinamento que só o humano pode cuidar. Acredito que a turma está buscando diferenciais – e operar bem não vai ser mais um diferencial. O diferencial estará na capacidade de leitura das pessoas, de trabalhar em uma vaga mais complexa. E o nosso trabalho é elevar a barra do time em termos de capacidades e habilidades, de soft skills. Se a Path.ia faz 80% do trabalho, nós precisamos especializar o time para ser melhor nos outros 20%. É isso que vai nos ajudar a subir muito a qualidade total do processo: com seres humanos com olhar de franco-atirador para melhorar o processo como um todo.
É um misto do que já comentamos. Na nossa experiência como empresa, ter velocidade para preencher as vagas e atender a demanda do negócio é algo muito importante. Com a Path.ia, já conseguimos ter um “time to fill” (tempo de preenchimento, em português) até 75% menor. É um ganho enorme para o negócio e um ganho enorme para o candidato, que tem uma experiência com visibilidade, previsibilidade e menos ansiedade.
Sim. É por isso que chamamos essa visão de processos infinitos. Nossa teoria é de que, ao acertar bem o processo, vamos ter um turnover menor. Com isso, vamos ter menos vagas disponíveis – o que vai nos ajudar ainda mais a escolher os melhores candidatos. Em termos de indicadores, imagino que nós vamos ter uma melhoria constante. Agora é torcer para isso se verificar na prática.
A Path.ia trabalha sempre em operação assistida. Ela não opera sozinha. Hoje, o time está sempre olhando os logs, fazendo interações e testando a ferramenta. Eu mesmo me inscrevi em uma vaga ontem para justamente saber como ela está operando.
Como executivo, eu tenho o privilégio de olhar para duas áreas que tem visões diferentes: pessoas e ESG. Acredito que o contexto de competição é diferente aqui. Eu tenho recebido muitas solicitações de benchmark, porque a Path.ia está tendo uma procura absurda. E nós sempre nos colocamos à disposição para contar, porque nosso objetivo é ser um lugar inspirador para o mercado na área de Pessoas. Não queremos andar sozinhos nem fechar esse código numa caixa preta. Queremos ser um farol. E acho que quando o mercado estiver acompanhando essa tendência, será bom – mas nós seguiremos lá na frente, pensando na Path.ia 2.0.
No caso da Path.ia, tivemos uma equação legal, porque quisemos inovar e o parceiro topou entrar junto. Não houve um preço absurdo aqui. Mas dentro do nosso olhar na Petlove, não temos nenhuma solução que seja milionária. Focamos mais na nossa capacidade de usar a massa cinzenta, criando algo a partir disso. E sempre estamos propondo colaborações. Nós adoramos ser piloto para tudo – e a experimentação é uma moeda que não necessariamente é dinheiro.
Sem sombra de dúvida. Na minha visão, acredito que essa evolução da máquina vai permitir que a gente ocupe um lugar que sempre foi nosso, mas que a gente esqueceu: o do sentir. A máquina vai nos substituir na lógica e no intelecto, mas ela nunca vai nos substituir no sentir. A Path.ia vai conseguir encontrar uma pessoa com um certo perfil, porque um perfil é parametrizável. Agora, não acho que a Path.ia vá conseguir nunca entender se a pessoa tem energia, sangue, alma ou coração. Mas é nessa aproximação que vamos ter uma boa equação, com ela cuidando de 80% do processo e deixando 20% para o humano.
O mundo corporativo está muito viciado em coisas automáticas e robotizadas. Quanto mais pudermos nos inspirar em outras artes que trazem a experiência do sentir, melhor.
Minha recomendação é fugir do óbvio. Às vezes, a leitura técnica é importante, mas normalmente a inspiração para fazer coisas diferentes vem da arte, da filosofia, da poesia. Sempre recomendo buscar um mergulho em algo diferente – num filósofo ou no meu lindo e querido conterrâneo Guimarães Rosa. O mundo corporativo está muito viciado em coisas automáticas e robotizadas. Quanto mais pudermos nos inspirar em outras artes que trazem a experiência do sentir, melhor. As novas gerações têm falado que não querem ser CLT porque sentem que trabalhar em uma empresa é algo vazio. Mas quando trazemos sentido e completude, acredito que isso pode mudar.
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