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Por que a Merck criou um benefício para custear tratamentos de fertilidade dos colaboradores

Referência na área, indústria farmacêutica quer ampliar acesso a solução indisponível no sistema de saúde para ‘todos os tipos de família’; para diretora de RH (e beneficiária da política), solução auxilia na atração e retenção de talentos

Bruno Capelas
11 de fevereiro de 2025
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Referência na indústria farmacêutica quando o assunto é tratamento de fertilidade, a multinacional Merck há um ano implementou um novo benefício global: o custeio de tratamentos de fertilidade dos colaboradores da empresa. O programa, criado em outubro de 2023 e implementado em janeiro de 2024, é válido para todos os níveis hierárquicos da empresa – “do presidente ao operador de fábrica”, diz Franciele Ropelato, diretora de RH da companhia no Brasil –, bem como para os parceiros e parceiras dos colaboradores. 

“Trazer o benefício foi uma questão de olhar para diversidade e todos os formatos de famílias, porque sabemos que é um tratamento custoso em qualquer parte do mundo”, explica a executiva, que liderou a implementação no País. Mais do que apenas executar, porém, Franciele é parte da política, uma vez que há anos passa por tratamentos do tipo. “Como liderança, é diferente vivenciar a jornada, porque isso inspira as pessoas e mostra que o processo é viável”, diz ela, que também vê benefícios na atração e retenção de talentos. 

Na entrevista a seguir, a executiva explica como o programa surgiu, quais são as regras para que os colaboradores façam uso da política e que tipo de resultados a Merck já colheu com o novo benefício. Franciele também fala sobre a importância da diversidade e ressalta como outros benefícios são importantes para amplificar a jornada de maternidade e paternidade dos colaboradores – como licenças maiores do que o previsto na lei e flexibilidade para apoiar mães e pais, em diferentes formatos de família. 

Quando temos um olhar de diversidade, toda a sociedade está mais representada dentro da empresa e todos saem ganhando.

Como surgiu o programa para custear o tratamento de fertilidade dos colaboradores dentro da Merck? 

É um programa global, previsto para os 60 mil colaboradores da empresa, mas o Brasil esteve na primeira onda de implementação. A Merck é líder em fertilidade, trabalhamos neste mercado há muito tempo e buscamos estar sempre na vanguarda do tema. Trazer o benefício foi uma questão de olhar para diversidade e todos os formatos de famílias, porque sabemos que é um tratamento custoso em qualquer parte do mundo. Além disso, também buscamos olhar para benefícios além do tradicional, buscando algo que o nosso público gostaria. 

Quando começou a implementação e quais são os critérios de participação? 

Começamos a implementar em outubro de 2023 e, a partir de janeiro de 2024, liberamos o reembolso das notas fiscais pelos tratamentos. Desde o começo, todo funcionário da Merck entra como beneficiário, bem como seus parceiros que são dependentes no plano de saúde. Isso vale para todos os tipos de famílias, sejam casais homoafetivos ou heteroafetivos, ou mesmo pessoas solteiras. E cobrimos diversos tipos de tratamento, de fertilização in vitro (FIV) a congelamento de óvulos ou esperma. O que não cobrimos é a mensalidade para manutenção do congelamento de óvulos, por exemplo, ou a compra de óvulos ou esperma – que é uma política que existe em outros países, mas não faz parte da regulação no Brasil. Também não cobrimos a parte de interrupção de fertilidade, como cirurgias de vasectomia ou laqueaduras – que, porém, podem ser cobertas pelos planos de saúde. Além disso, vale ressaltar que o benefício vale para todos os níveis hierárquicos: do presidente aos operadores de fábrica e logística, todos têm o mesmo benefício e direito ao mesmo valor de reembolso. 

O benefício está implementado há um ano. Como foi a adesão dos colaboradores? Já há ‘bebês Merck’?  

Temos o caso de um bebê que está quase chegando (risos). Ao todo, mais de 100 funcionários já se beneficiaram do programa. Porém, não temos informações específicas de que tipos de tratamento foram feitos, porque trabalhamos muito sobre confidencialidade. Hoje, há uma equipe de poucas pessoas treinadas para lidar com as dúvidas e os reembolsos na área de operações de RH, e não há informações no centro de custo. Se um colaborador quiser total sigilo do processo, ele pode – e mesmo eu como diretora de RH não tenho acesso a esses dados. 

Um tratamento de fertilidade pode ser bastante custoso, como você comentou, chegando a algumas dezenas de milhares de reais. Por outro lado, o formato de reembolso pode reduzir o impacto da política, especialmente para colaboradores com remuneração mais baixa. Como funciona o benefício nesse caso? 

Temos dois pontos que auxiliam nesse processo. O primeiro é que temos clínicas conveniadas à Merck, que trazem um desconto adicional. O outro é que, assim como diversas empresas, nós temos benefícios como linhas de crédito com parcelamentos diferenciados, que acabam conseguindo contribuir. Além disso, gostaria de acrescentar que o colaborador pode fazer alguns ciclos de tratamento dentro do programa, não ficando restrito a apenas um tratamento em si, o que aumenta a tranquilidade do processo. 

Há quem critique esse tipo de benefício. Por que uma empresa como a Merck deve se ocupar do assunto? 

Hoje, os tratamentos de fertilidade têm um acesso complexo, porque não possuem cobertura nem de planos de saúde nem do sistema público. Nosso primeiro grande motivador foi prover o tratamento para que todos os nossos colaboradores tivessem acesso – e justamente por isso não distinguimos tipos de família ou estado civil para prover o benefício. Outro tema importante é que o benefício também estimula com que as famílias, independentemente de gênero, possam fazer opções e planejarem sua própria fertilidade. Além disso, percebemos, enquanto empresa, que esse tipo de benefício é um diferencial na retenção e na atração de talentos

É um benefício de mensurar os resultados – até porque não é só ele que vai pesar para um colaborador entrar ou ficar na empresa. Mas como vocês reportam que a política está dando certo para a alta liderança? 

Hoje, existe um teto no valor que o colaborador tem direito a reembolso, mas ele não precisa fazer o tratamento com um médico ou clínica parceiros da Merck. O tratamento pode ser feito onde o colaborador desejar, o que traz um ponto importante na questão da confiança – acrescida da confidencialidade. Entre as pessoas que tratam o tema abertamente, muitas falam que o benefício é ótimo e ajuda na permanência de uma empresa como a Merck. Durante nosso processo seletivo, as pessoas também costumam ficar super felizes quando comentamos sobre esses benefícios. Além disso, nos apoiamos em pesquisas globais: muitas dizem que colaboradores mudariam de emprego para empresas com esse tipo de benefício ou permaneceriam em organizações com tal política. 

Um tratamento de fertilidade é apenas o primeiro passo na concepção de uma nova vida – e se tudo der certo, aquele colaborador passará a ser pai ou mãe. Como a Merck complementa suas políticas, permitindo o exercício da maternidade ou paternidade de maneira plena? 

Antes de implementarmos o benefício de fertilidade, tivemos uma grande conquista dos nossos grupos de diversidade, equidade e inclusão, que foram os 60 dias de licença paternidade, com 40 dias de custo assumido totalmente pela empresa. Para as mães, temos licença de 180 dias como Empresa Cidadã, e ainda orientamos as colaboradoras para alinhar um mês de férias, tendo ao total 7 meses – o que auxilia em questões como introdução alimentar. Além disso, na empresa, temos salas de amamentação para assegurar que as mães possam fazer a coleta do leite materno e sua devida armazenagem ao regressar ao trabalho. Outro cuidado que temos é uma jornada flexível, seja nos horários de entrada e saída ou no sistema de trabalho híbrido, com 3 dias presenciais. É algo que auxilia muito no processo de tratamento de fertilidade: em dias que é preciso fazer um ultrassom ou uma coleta, os colaboradores podem trabalhar de casa, por exemplo. Só não possuímos trabalho híbrido para quem está no chão de fábrica. 

Além de liderar o programa como executiva, você também é beneficiária da política. Como foi essa experiência? É importante ter uma liderança da empresa como exemplo? 

Eu estou nesse processo mesmo antes de entrar na Merck, onde cheguei há cinco anos. O que posso dizer é que faz diferença estar numa empresa que entende a jornada da fertilidade. Existe uma grande pressão nesse momento. Ter apoio na flexibilidade e na questão financeira, com o acesso patrocinado da empresa, traz muita tranquilidade para o processo e fez uma diferença enorme para mim e para a minha família. Como liderança, é diferente vivenciar a jornada, porque isso inspira as pessoas e mostra que o processo é viável. Acabo sendo uma porta-voz da jornada e me orgulho muito desse benefício, que sabemos que não é comum, mas gostaríamos que fosse. 

Ter um benefício como esse tem impactos diretos em questões de diversidade, equidade e inclusão (DEI) na companhia. É um tema que tem sofrido diversas críticas e abalos nos últimos meses. Como você vê o assunto recentemente? 

Gostaria de compartilhar contigo a visão da Merck, que está alinhada com a minha visão de mundo. Desde 2018, trabalhamos fortemente o tema da diversidade, com um comitê de DEI. Em 2020, criamos diversos grupos de trabalho, com participação voluntária, em frentes como gênero, orientação sexual e etnia. Hoje, temos 180 voluntários que atuam com letramento, propostas e melhorias para a companhia. Uma das conquistas, como mencionei, foram os 60 dias de licença paternidade. Acredito que quando temos um olhar de diversidade, toda a sociedade está mais representada dentro da empresa e todos saem ganhando. 

Para fechar, você tem alguma indicação de livro ou podcast para quem está lendo essa entrevista? 

Quem passa por uma jornada de fertilidade sabe que não existe apenas uma história. Cada jornada é diferente. Tem quem faça um único tratamento e tem quem tenha uma jornada mais longa. Tem um TED Talk da Chimamanda Ngozi Adichie, uma escritora nigeriana, em que ela fala sobre o risco de pensarmos em uma única história. Não é algo que tem a ver com fertilidade diretamente, mas existe uma conexão importante aqui. Além disso, recomendo o livro Taking Charge of Your Fertility, de Toni Weschler. É uma bíblia sobre fertilidade e acredito que é uma leitura que ajude toda mulher. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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