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Como o Instituto Avon engaja mais de 130 empresas no combate à violência contra mulheres

Desde 2019, coalizão empresarial atua com treinamentos, conscientização e acolhimento; para além do impacto individual, a violência de gênero afeta diretamente o PIB brasileiro, defende Ivanda Sobrinha, coordenadora do Instituto Avon

Marina Filippe
15 de outubro de 2024
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“Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. A expressão enraizada na sociedade brasileira é algo que o Instituto Avon quer combater. Por meio da Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas, criada em 2019, a organização mobiliza mais de 130 empresas pelo fim da violência doméstica, o assédio sexual e moral. “O cenário brasileiro de violência contra mulher é muito complexo e não há como separar o que elas vivenciam dentro de casa do que refletem nos ambientes produtivos”, explica Ivanda Sobrinha, coordenadora da área de enfrentamento à violência contra meninas e mulheres do Instituto Avon. 

De acordo com ela, o engajamento das companhias é essencial para que as mulheres se sintam acolhidas, procurem ajuda e os casos sejam notificados. Em 2023, 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, um crescimento de 1,6% comparado ao mesmo período de 2022, de acordo com o Fórum de Segurança Pública. 

“O dado deve ser ainda maior, visto que há a subnotificação das situações de violência”, ressalta a especialista, que ainda aonta o impacto não apenas social, mas também econômico da violência contra mulheres. “Ao longo de dez anos, esse cenário produziu um impacto negativo de R$ 214,42 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”, diz, citando dados da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG)

Em entrevista a Cajuína, Ivanda explica como a organização atua nas empresas, como é possível realizar o acolhimento de meninas e mulheres, e a promoção de campanhas de conscientização e escuta humanizada. 

O Instituto Avon sempre trabalhou o enfrentamento à violência de mulheres?

O Instituto Avon tem 20 anos e, desde 2008, atua mais fortemente na causa da violência contra mulheres e meninas. O principal propósito nesta frente é gerar conhecimento capaz de engajar e mobilizar todos os setores da sociedade por meio de iniciativas que possam impactar positivamente o bem-estar, a saúde física e psicológica para que todas vivam de forma saudável e segura. 

Por que decidiram criar a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas?

A Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas nasceu em 2019, uma iniciativa do Instituto Avon, ONU Mulheres e Fundação Dom Cabral. A Coalizão tem como propósito acolher as vítimas e realizar ações de caráter preventivo dentro e fora das organizações. 

Entendemos que as ações de violência contra mulher transbordam os muros das organizações. E, logo no início, várias empresas aderiram ao movimento por ter como motivação a mobilização do seu público interno e da sociedade.

Além disso, não é possível apenas um setor da sociedade, como o público, enfrentar todos os desafios de um problema tão complexo como a violência contra mulheres e meninas. 

Qual é o cenário da violência de gênero no Brasil?

Em 2023, 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, um crescimento de 1,6% comparado ao mesmo período de 2022, de acordo com o Fórum de Segurança Pública. Desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015, quase 10,7 mil mulheres foram mortas no país, sendo no ano passado o maior índice. 

Já a pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, do Instituto Avon, que teve sua 10ª edição divulgada no fim do ano passado, mostra que 6 a cada 10 brasileiras conhecem alguma mulher que sofreu violência familiar. 

O cenário brasileiro de violência contra mulher é muito complexo e não há como separar o que elas vivenciam dentro de casa do que refletem nos ambientes produtivos. Ao longo de dez anos, isto produziu um impacto negativo de R$ 214,42 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Em um cenário mais extremo, esse valor pode chegar a mais de R$ 300 bilhões e causar a perda de 2,8 milhões de empregos, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. 

Assim, mulheres que passam por situações de violência, além de todo o dano individual, tem seu desempenho profissional afetado. Enquanto organização, é preciso encarar o cenário que atinge todas as classes sociais. 

Enquanto organização, é preciso encarar o cenário que atinge todas as classes sociais.

Há o desafio da subnotificação dos dados de violência?

Sim, há a subnotificação das situações de violência, o que nos leva a crer que número de casos é ainda maior. Segundo a pesquisa do Instituto as próprias mulheres têm essa percepção: Na opinião de 73% das brasileiras, ter medo do agressor leva a mulher a não denunciar a agressão na maioria das vezes. A falta de punição e a dependência financeira são outras situações que, para 61% das brasileiras, levam uma mulher a não denunciar a agressão na maioria das vezes.

Outro ponto importante é o de conscientização sobre a Lei Maria da Penha, que fez 18 anos em agosto, mas somente 20% das mulheres brasileiras a compreende como um mecanismo de proteção.

A partir dos dados, como a Coalizão trabalha para mudar a realidade?

Trabalhamos com uma jornada de formação, em formato híbrido, a partir de encontros mensais, conduzidos por especialistas que apresentam dados, cenários e soluções. Além da violência doméstica abordamos questões de assédio moral e sexual. 

Os profissionais que participam da formação costumam ser da alta liderança, de diferentes áreas da empresa, e têm como missão promover um ambiente seguro, ao ponto de elas compartilharem demandas que não necessariamente ocorrem dentro dos muros da empresa. 

Além do encontro mensal, temos um plantão de dúvidas e trocas de experiências que podem estar vinculadas ao tema da formação anterior ou de exemplos de empresas, discutindo mecanismos de atendimento em situação de assédio ou práticas tomadas após um caso de violência doméstica. 

O que a Coalizão considera resultado nestes anos de atuação?

As empresas que estão atentas ao ESG sabem que mudanças práticas e efetivas são precisas. Quando falamos do tema da violência, estamos abordando o S da sigla, de social. Assim, consideramos resultado o engajamento, impacto em campanhas, formação, etc. 

Desde 2019, temos mais de 130 empresas signatárias e engajadas; cinco campanhas de comunicação realizadas, com cerca de 13 milhões de pessoas alcançadas de forma orgânica; quase 2 milhões de funcionárias(os) impactadas(os) pelas ações da Coalizão; 75 campanhas internas e externas desenvolvidas pelo fim da violência contra meninas e mulheres; 12 empresas com políticas e procedimentos internos criados contra o assédio sexual nas empresas; nove módulos de formação com a participação de 490 líderes e 14 plantões de dúvidas. 

Também vemos companhias criando e fortalecendo canais internos para tratar as demandas, promovendo uma escuta humanizada e incentivando a comunicação daquilo que é, comumente, restrito ao ambiente familiar. 

Até que ponto o acolhimento da empresa pode ser um fator decisivo para mulher sair da situação de violência? Me lembro, por exemplo, de uma campanha de acolhimento da mulher em um espaço físico até o reestabelecimento dela. 

Sim, isto pode ocorrer. Além da Coalizão, o Instituto Avon também faz parte do Fundo de Investimento Social Privado Pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas, criado em 2020, no qual há outras participantes, como a rede hoteleira Accor, que garante a hospedagem da mulher, em até 15 dias, em algum dos hotéis. 

A mulher consegue acessar a possibilidade por meio do programa Acolhe, da Accor, em parceria com o Fundo. Na prática, há um termo de cooperação com a política pública em 14 estados brasileiros – porém, o programa funciona em 25 estados – para que as mulheres sejam recebidas quando há uma situação de risco na qual elas precisam ser imediatamente afastadas do ambiente familiar. A acolhida é recebida em um ambiente seguro, com apoio de instituições de proteção às mulheres e do Bem Querer Mulher, por meio da escuta ativa, empática e discreta e do acompanhamento a ela e seus filhos.

Como é possível estar em contato com a mulher que precisa de um auxílio imediato?

São várias as formas. Uma delas é por meio das parcerias com instituições que promovem a escuta, como é o caso do Bem Querer Mulher. Outra é a Ângela, assistente virtual, criada durante a pandemia da covid-19.   

A mulher pode entrar em contato por mensagem de texto por WhatsApp e a Ângela dará algumas orientações imediatas. Se necessário, ela poderá direcionar para o atendimento humano com uma especialista.  

Pela Ângela, é possível o atendimento socioassistencial, psicológico e jurídico, transporte por aplicativo até uma delegacia ou serviços de atendimento à mulher e, em alguns casos, direcionamento para atendimento do Programa Acolhe. Todos os atendimentos são gratuitos.  

E desenvolvemos a campanha Vozes Entrelaçadas – Quem Escuta uma Mulher Cala a Violência, para o Agosto Lilás, mês dedicado a conscientização do enfrentamento às violências contra as mulheres. O São Paulo Futebol Clube, que faz parte do Coalizão, participou da campanha. Na partida contra o Vitória, no dia 25 de agosto, os jogadores do Tricolor Paulista entraram em campo com uma faixa com a mensagem “A violência doméstica aumenta 26% em dias de jogos de futebol. Isso precisa acabar! Se você, mulher, precisar de apoio ou orientação, fale com a Ângela: 11 94494-2415”. O locutor também reforçou as informações para os torcedores.  

Nas empresas, a divulgação do canal é essencial para que as mulheres saibam a quem procurar e entender que elas serão amparadas por uma equipe técnica especializada.

Marina Filippe é Membro do Oxford Climate Journalism Network, mestre em Ciência da Comunicação pela USP e jornalista pela PUC-Campinas. Foi repórter ESG na EXAME por oito anos, reconhecida entre os Mais Admirados da Imprensa de Negócios e finalista dos prêmios de Jornalismo Inclusivo e Comunique-se.