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Comece algo que valha a pena
Karina Coleta, professora associada da Fundação Dom Cabral, discorre sobre como os designers têm um papel estratégico na geração do impacto socioambiental positivo
Por: Karina Coleta*
O ano era 2010 e eu assistia emocionada à entrevista de Blake Mycoskie no Global Leadership Summit. Ele tinha fundado a empresa TOMS SHOES em 2006 que disseminou um tipo de modelo de negócio que ficou conhecido como B1G1 (buy one give one). A ideia era que a cada par de sapatos vendidos pela empresa outro par fosse doado para pessoas vulneráveis.
“Comece algo que valha a pena”, ele dizia, mostrando que se as pessoas e as empresas conseguissem fazer com que o impacto positivo desse um passo a mais, seríamos capazes de ir mais longe. Capazes de percorrer o longo caminho que distancia o status quo do vir a ser. Pensar em soluções para os problemas socioambientais é tentar fechar a lacuna entre como o mundo está e como ele deveria estar. “É isto que significa progresso!”, já me provocava o professor de estratégia Subramanian Rangan (INSEAD-FDC) ao mostrar que os negócios precisam integrá-lo à performance.
Pensar em soluções para os problemas socioambientais é tentar fechar a lacuna entre como o mundo está e como ele deveria estar
No entanto, a história da TOMS mostrou que o design para o progresso não pode ter um escopo só. A escolha de seu posicionamento trouxe consigo o questionamento de que o negócio lidava apenas com os sintomas de um problema maior sem abordar suas causas estruturais.
Isto levou a empresa a estudar os reais impactos de seu trabalho e ajustar o modelo de negócio. A empresa transferiu um terço da manufatura de seus produtos para as regiões assistidas para promover o desenvolvimento econômico local. Além disto, havia regiões em que a falta de sapatos era o menor dos problemas da comunidade. Assim, a TOMS decidiu reforçar o pacote de doação, incluindo serviços de saúde e treinamento de profissionais locais. Recentemente a empresa interrompeu o modelo de doação de produtos atrelado às vendas, ajustando-o para a doação de 1/3 dos lucros para causas ligadas ao desenvolvimento sustentável.
Em 2019, um artigo publicado no congresso da Academy for Design Innovation Management me trouxe novo insight sobre esta história. O design para o impacto positivo tem um papel estratégico que se estende de produtos a ecossistemas. Sim, pois os problemas são multifacetados e os stakeholders, diversos. Se vamos começar algo que vale a pena, comecemos pelo design. Para lidar com a complexidade da busca de respostas, a aplicação do processo de design ganhou destaque nas organizações. Começando pelo entendimento do problema, passando pela geração de ideias até a criação e experimentação de protótipos para refinar a solução. Quais são as possibilidades de escopo do design?
Design de produtos – aqui se concentram preocupações com o ciclo de vida sustentável e com produtos que criem valor comercial e, ao mesmo tempo, gerem impactos positivos. Um exemplo classicamente mencionado no Brasil é a Natura que, além de pensar no impacto pós-consumo, inclui ações em favor das comunidades e de seu entorno. É aqui que o designer ajuda a organização a pensar além da forma e função de seus produtos.
Design de serviços – esta é uma combinação que incorpora a dimensão da responsabilidade para além da produção e entrega. Que outras possibilidades existem em termos de descarte, manutenção e compartilhamento? Os serviços de compartilhamento de bicicleta para facilitar a mobilidade nos centros urbanos ilustram como é possível pensar em outros níveis do job-to-be-done de pessoas e organizações.
Design de modelos de negócios – assim como na história da TOMS, que fomentou o modelo B1G1, o impacto positivo pode se beneficiar da forma como a criação de valor de uma empresa é configurada para propor, entregar, capturar e distribuir valor. A Patagonia ilustra este tipo de desenho ao promover a reciclagem e reparação de roupas, inserindo na arquitetura de seu modelo o programa Worn Wear.
Design de ecossistemas – impacto positivo não é trabalho de uma andorinha só, a consciência do quanto estamos entrelaçados tornou necessária uma mentalidade colaborativa entre as organizações. A criação do Porto Digital em Recife exemplifica esta abordagem. O que hoje é um dos principais parques tecnológicos do Brasil, articulou parcerias estratégicas entre empresas, universidades e setor público para revitalizar um bairro histórico em decadência, além de formar e reter profissionais de tecnologia qualificados na cidade.
Ao pensar em começar algo que valha a pena, reflita sobre estas possibilidades de alcance. Da criação de produtos individuais à modelagem de ecossistemas inteiros, elas são um convite para que os gestores abracem o processo de design como meio de transformação, conciliação de interesse e colaboração para o impacto.
Karina Coleta* é professora associada da Fundação Dom Cabral na área de Estratégia. É doutora em Administração com ênfase em Estratégia e Modelos de Negócio pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia, especialista em Estudos da Tradução pela Universidade Gama Filho e graduada em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atua como pesquisadora no Centro de Referência em Estratégia da Fundação Dom Cabral. Atuou como tradutora literária e científica por 16 anos nas áreas de Administração, Filosofia e Teologia. Tem experiência na área de pesquisa e publicação científica de Administração desde 2002 quando atuou no Núcleo de Pesquisa em Marketing e Estratégia do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais. É revisora e tem publicações (artigos, pesquisas e casos de ensino) em diversas revistas e encontros acadêmicos de Administração, nacionais e internacionais, na área de Estratégia.
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