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“O RH não é o dono da pauta de felicidade, mas é quem sente a dor da infelicidade”, diz Vinicius Kitahara

Estudioso da pauta de felicidade corporativa há mais de uma década, pesquisador e professor da Fundação Dom Cabral acaba de lançar livro sobre o tema; para o consultor, felicidade é tarefa da liderança (e vai muito além de programas individuais de bem-estar)

Bruno Capelas
26 de novembro de 2025
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Muito antes de virar pauta quente no LinkedIn, a felicidade corporativa já era objeto de estudo, pesquisa e insistência para Vinicius Kitahara. Professor da Fundação Dom Cabral e consultor de empresas como Heineken, Suzano e Deloitte, ele acompanha há mais de uma década como organizações buscam construir ambientes mais saudáveis, conectados e produtivos. 

Agora, o resultado dessa experiência está reunido no livro “Felicidade Corporativa”, recém-lançado pela editora Portfolio Penguin. Para Kitahara, o volume não poderia sair em melhor hora: “estamos às vésperas de a NR-1 começar a dar multas para as empresas com base em questões de saúde mental”, destaca o especialista, que crê que a questão regulatória pode modificar a percepção sobre o tema no Brasil. “Muitas empresas vão entender que é melhor fazer um programa mais barato que a multa – e que além de tudo, gera resultado e diminui outros problemas”, diz. 

Na conversa a seguir com Cajuína, Kitahara explica como começou a estudar a ciência da felicidade e como ela se converteu nos cases que executou com empresas de todos os tamanhos. Ele também explica como o assunto envolve não só o RH, mas também aspectos estratégicos – como a liderança, a cultura e as relações de qualidade forjadas dentro das organizações. Além disso, também dá sugestões para que o RH comece a adotar políticas de felicidade no dia a dia das empresas. 

Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre felicidade corporativa? 

A ciência da felicidade é um campo que existe há décadas – grandes universidades do mundo, como Harvard, Stanford e Yale, já ensinam esse tema há muito tempo. Quando comecei a jornada de estudar sobre o assunto, sentia que havia um gap no mercado: a falta de empresas que servissem como cases consolidados de felicidade corporativa. Comecei a trabalhar com empresas pequenas, com 10 ou 20 colaboradores, como a AM Fernandes ou a VNP Advogados. Depois, fui para as empresas médias e para as grandes. Com a pandemia, gigantes como Deloitte, Suzano, Google e Heineken passaram a me procurar. A Heineken é o maior case que temos, com uma diretoria de felicidade, numa construção grandiosa. E quando comecei a juntar esses cases e me tornei professor da Fundação Dom Cabral, me dei conta de que poderia escrever um livro sobre esse tema trazendo as histórias por trás dos cases. Acho que é um livro que chega num momento oportuno, às vésperas da NR-1 começar a dar multas para as empresas com base em questões de saúde mental. 

E como você decidiu estudar esse tema? Não era o que você planejava quando entrou na universidade, não é mesmo? 

Passei por três situações de quase morte enquanto ainda estava na faculdade. Meu pai teve um câncer, minha mãe teve lúpus e eu quase morri num assalto. Quando você tem uma segunda chance, você percebe o quanto a felicidade é importante. Comecei a ler sobre o tema e fiquei encantado. Decidi tornar a missão da minha vida divulgar a ciência da felicidade. As doenças da nossa geração são depressão, ansiedade, solidão. São todas questões de saúde mental. Assim, é um desperdício as pessoas não estudarem sobre a ciência da felicidade. É algo que todo mundo deveria estudar, como literatura ou educação financeira. Ao estudar, descobri que o fator que mais contribui para a felicidade são relacionamentos de qualidade e confiança. É um equívoco achar que felicidade é dinheiro, fama ou ser CEO. Ao estudar, descobri que muita gente não foca no lugar certo – e que esse conhecimento pode ser compartilhado com outras pessoas. 

No que a ciência da felicidade é diferente, por exemplo, da filosofia? 

A primeira premissa é que a felicidade é algo único e individual. O que te deixa feliz é diferente do que me deixa feliz. Conectando com a felicidade corporativa, acho que vale dar um exemplo: há pessoas que são competitivas. Se elas estiverem num ambiente colaborativo, elas vão ficar infelizes. Mas, num ambiente competitivo, elas ficarão felizes. O que quero dizer é que é preciso se conhecer para entender onde você vai se sentir feliz. O segundo ponto é que felicidade é diferente da felicidade filosófica. Há milhares de anos, muita gente reflete sobre a felicidade ideal. E ninguém chegou a conclusão nenhuma. O que nós sabemos até agora é que a ciência provou que relações de qualidade e confiança são o fator que mais contribui para a felicidade. E aí eu questiono as pessoas nas empresas: quantas relações assim você tem no trabalho? A resposta média é de duas a três. É muito pouco. 

Mas o que quero dizer é que muita gente tenta descobrir a equação da felicidade ideal. A ciência da felicidade busca olhar para aquilo que é capaz de mexer o ponteiro – como ter mais relações de qualidade, por exemplo. Mais do que entender, as pessoas precisam sentir a felicidade. Quando você se conecta com alguém ou quando alguém te elogia, você sente a felicidade. A questão aqui não é sobre o que é a felicidade, mas sim o que pode ser feito para que ela seja sentida. Cada um tem seus aspectos, mas há alguns pontos que são certezas: se sentir respeitado, amado, valorizado, aprender algo novo, resolver um problema, dar risada, ter um ambiente em que se sente pertencente. Olhando por esse ângulo, há uma porção de coisas que “movem o ponteiro”. Muita gente me achou maluco quando eu quis juntar felicidade e trabalho na mesma frase, mas hoje as pessoas reconhecem. 

Essa discussão é muito boa. Quem nasceu há algumas décadas costumava ouvir frases como “você não vai ser feliz no trabalho” ou “trabalho é para ganhar dinheiro, você vai ser feliz no fim de semana”. Como acontece essa virada de chave? 

Desde 2010, venho falando que sempre existiram três grupos nas empresas e na sociedade, de modo geral. Há um grupo que não acredita na ciência da felicidade e na ideia de felicidade corporativa. Há outro que já é convertido, acredita e sempre acreditou. E há um terceiro grupo que está neutro. O que mudou? Nos últimos anos, a ciência da felicidade e a psicologia positiva passaram a ser mais divulgadas, especialmente dentro do ambiente das escolas de negócios. Outro fator foi a pandemia: ali, a dor subiu para quem estava no alto escalão. Se antes a depressão e a ansiedade eram “mimimi” no ambiente corporativo, na pandemia elas começaram a surgir em todo lado e começaram a ser levadas mais a sério. Felicidade é algo que a gente dá valor quando perde – e esse questionamento levou à onda de bem-estar e saúde mental que vivemos nos últimos anos. E por fim, há os cases de empresas como o Google, a Suzano, a Deloitte, a Heineken. Tudo isso contribui. 

 A felicidade passou a ser um diferencial para atrair talentos. 

O case da Heineken é interessante, pois houve a criação de uma diretoria própria para tratar da felicidade. É algo que indica que o tema não é atribuição só do RH. Mas qual é o papel do RH dentro da felicidade corporativa? 

O RH é a porta de entrada. É quem pode trazer o tema e fazer ele aparecer numa discussão estratégica – no board, na diretoria. Além disso, é o RH que sente a dor da “infelicidade”. É caro contratar pessoas, demitir pessoas, pagar um plano de saúde. Se você cria programas que diminuem esses custos, esses programas são estratégicos para as empresas. A Cia. de Talentos tem uma pesquisa com jovens profissionais feita há décadas. No passado, o que era importante para eles? Segurança e estabilidade. Hoje, a resposta é bem-estar e felicidade. A felicidade passou a ser um diferencial para atrair talentos. Mas o RH não é o dono da pauta da felicidade, porque felicidade corporativa é um assunto da liderança. Na Vale, por exemplo, os projetos pilotos começaram nas diretorias de negócio. Se viesse do RH talvez não tivesse a mesma força. O RH tem a missão de organizar, mas a linha de frente é a liderança e o negócio – até porque se o negócio tem valor, o negócio é sustentável e o programa segue existindo.

Um time feliz é um time engajado, que tem segurança psicológica, em que há confiança mútua nas pessoas.

Quais são os principais pilares da felicidade corporativa, Vinicius? 

Para mim, existem quatro pilares da felicidade corporativa. O primeiro é a felicidade do indivíduo – e o que descobri ao longo dos anos é que as pessoas não sabem o que as fazem felizes. Uma das dinâmicas que fazemos é pedir pras pessoas escreverem uma lista de 100 coisas que as deixam felizes. A maioria para depois dos 25 itens. Muita gente reclama que está infeliz, mas não para pra pensar na felicidade. Quanto mais você pensar na felicidade, maior clareza você terá. O segundo pilar é a felicidade do time. Um time feliz é um time engajado, que tem segurança psicológica, em que há confiança mútua nas pessoas. Tem gente que fica doente trabalhando num time, mas tem gente que fica feliz de estar em um time. 

O terceiro pilar é a felicidade da empresa – e uma empresa feliz é uma empresa que dá resultados, que dá lucro. Sem resultado, a empresa tem problemas, tem cortes, tem demissões. O quarto, por fim, é a felicidade do cliente – porque o cliente que retorna é um cliente satisfeito, é um cliente mais barato, que melhora as margens do resultado. Se você mantém os clientes felizes e fiéis, você gasta menos com marketing e ganha mais com negócios. Perceba que, para a felicidade corporativa existir, é preciso que todos façam a sua parte. Muitos programas de bem-estar, porém, focam só no indivíduo – e isso é um problema. 

Ao ouvir você falar, alguém pode ter a impressão de que felicidade corporativa é mais sobre mitigar os riscos de infelicidade do que de fato ser feliz. Faz sentido? 

Na Vale, nós criamos um mantra para ajudar os engenheiros. Perguntamos como eles se sentiam quando resolviam um problema. E eles disseram que se sentiam felizes. Então tá aí: na Vale, felicidade corporativa é resolver problemas. Um embaixador da felicidade é alguém que resolve problemas o tempo inteiro – e às vezes, resolver um problema é gerar receita ou cortar custos. Se você cortar custos, as margens aumentam. Com a felicidade, é igual: se você diminui a infelicidade, o saldo também aumenta. E há uma coisa que é de graça, mas poucas pessoas fazem: as relações de qualidade e confiança. 

O professor de Oxford, Jan Emmanuel De Neve, fez uma pesquisa que mapeia os países mais felizes do mundo. As métricas principais eram renda per capita e saúde, mas faltava algo, porque havia países pobres que eram muito felizes. As pesquisas descobriram um fator que é tão importante quanto a renda per capita e a saúde para a felicidade: a quantidade de refeições acompanhadas que uma pessoa faz ao longo da semana. A correlação era muito forte. Ou seja: tão importante quanto ganhar dinheiro e ter saúde é a quantidade de vezes que você está conectado com alguém – e fazer isso é simples e pode reduzir a “infelicidade”. 

A partir de 2026, como você destacou, a NR-1 passará a multar as empresas que não tiverem programas bem definidos para proteger a saúde mental dos colaboradores. De que maneira a NR-1 muda o jogo? E até que ponto ela pode ir? 

Se a NR-1 for implementada da maneira correta, ela muda o jogo para um patamar inimaginável. Gosto sempre de lembrar da lei do extintor do carro. Quando virou lei, todo mundo foi obrigado a comprar, senão levava multa. Se as empresas levarem multa ao não ter um programa para combater as questões de saúde mental, o jogo muda – seja pelo amor ou pela dor. É melhor pagar a multa ou é melhor fazer um programa mais barato que a multa – e que além de tudo, gera resultado e diminui outros problemas. Acho que é importante pensar porque essa multa existe. As questões de saúde mental estão sobrecarregando o sistema de previdência. O INSS teve um aumento de 108% de casos de afastamento de 2024 para cá. Isso gera custos para o governo – e ele não vai pagar essa conta sozinho, já que são as empresas que estão causando os problemas. 

Para fechar: por onde o RH pode começar a implementar políticas de felicidade corporativa nas empresas? 

O primeiro passo é estudar. Há muito conteúdo disponível na internet sobre autores como Arthur Brooks, Sean Eagle, Laurie Santos, Martin Seligman. É um conhecimento que deveria ser estudado nas escolas – e nos programas de liderança. Esse é um caminho. Outro passo importante é criar um programa que combata a solidão. A solidão é uma das maiores doenças da nossa geração. A OMS acaba de publicar um relatório que fala do tripé da saúde, englobando saúde física, saúde mental e saúde social

As pessoas estão cada vez mais solitárias: em vez de encontrar um amigo, as pessoas ficam em casa no celular. Isso deixa as pessoas cada vez mais isoladas. E o RH pode atuar nesse sentido, promovendo programas para combater a solidão. O último ponto é que não adianta só estudar. É preciso testar e colocar os programas na prática. Todos os projetos que eu participei começaram com um programa piloto em um time, depois em dois, depois em dez, até chegar na empresa inteira. Tem que testar. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.