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“Ter um fundador da área de pessoas é bom por conta da visão”: um papo com Mariana Assis, cofundadora da Nana Delivery

Após liderar o RH do Zé Delivery, a profissional está à frente de uma startup que quer levar a conveniência para a classe C

Bruno Capelas
31 de maio de 2022
"Ter um fundador da área de pessoas é bom por conta da visão": um papo com Mariana Assis, cofundadora da Nana Delivery
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Na trajetória profissional de Mariana Assis, tem de tudo um pouco: formada em Relações Públicas pela PUC-Campinas, ela já trabalhou em buffet de criança, cerimonial de casamento e loja de roupa, cuidou de treinamentos e de diversidade & inclusão (D&I) na Ambev e…, ufa!, foi a a primeira pessoa da área de RH do Zé Delivery, ajudando a empresa a ir de 5 para 600 colaboradores em quatro anos.

Em 2021, ela deu seu mais novo passo, um tanto quanto não usual para quem vem do RH, tornando-se fundadora da startup Nana Delivery, que faz entregas ultra-rápidas de produtos de supermercado, com foco especial em público carente de conveniência: a classe C. Para Cajuína, Mariana fala sobre o que aprendeu ao longo dessa trajetória, sempre trazendo aprendizados sobre cultura e a importância das pessoas. “Sem essas duas coisas, não tem negócio nem resultado”, diz. 

Mariana, você fez Relações Públicas, foi para a área de pessoas na Ambev, liderou essa área no Zé Delivery e hoje é fundadora de uma startup, liderando áreas como Pessoas, CX e até Fraude & Risco. Como foram os primeiros passos dessa trajetória?

Sou de Americana, no interior de São Paulo, e cresci numa casa de três mulheres: eu, minha mãe e minha irmã. Comecei a trabalhar aos 14 anos para ajudar minha mãe e fiz de tudo um pouco: buffet de festa de criança, loja de roupa, fábrica de chocolate, cerimonial de casamento… Na faculdade, fui bolsista, fiz Relações Públicas na PUC-Campinas. Fui a primeira pessoa da família a cursar o ensino superior, algo que mudou a cabeça da minha família.

Durante o curso, eu vi uma palestra sobre a cultura organizacional da Ambev, e como eu sempre gostei de cerveja, aquilo me chamou a atenção. Decidi prestar o processo seletivo e acabei entrando como estagiária no RH. Eu nunca tinha trabalhado com isso, mas também nunca tinha trabalhado no ambiente corporativo. E sei porque eu entrei no RH: no último dia do processo seletivo, eu sabia que não tinha ido tão bem, mas levantei a mão e disse que sabia que não tinha dado meu melhor, mas que se me contratassem eles não iam se arrepender. A pessoa do RH disse que a minha postura foi exatamente algo que mostrou que eu ia me dar bem no RH.

Acabei ficando três anos e meio na Ambev, passando por diferentes funções. Comecei com gestão de orçamento de treinamentos, depois trabalhei dentro da Universidade Ambev e depois fui cuidar da área de diversidade e inclusão (D&I), onde eu pude tocar projetos incríveis como o Mapa da Diversidade. Foi a oportunidade de trazer diferentes perfis para o programa de trainee da empresa, que ainda era focado em trazer pessoas de um nicho muito pequeno. Fomos rodar o Brasil para trazer pessoas que não tinham aquele perfil óbvio.

Além disso, eu também pude tocar o primeiro hackathon da Ambev, em 2016, quando eu tive meu primeiro contato com tecnologia. E isso me cutucou de uma maneira diferente, eu percebi que havia um mundo em que eu não só tocava processos, mas poderia construir coisas do zero. Em setembro de 2017, eu decidi que estava pronta para um próximo passo, decidi sair da empresa, e aí apareceu o Zé Delivery. 

Você foi uma das primeiras pessoas do Zé Delivery e acabou chegando à liderança da área de recursos humanos. Como essa experiência te marcou? 

Fui a primeira pessoa de RH do Zé Delivery, em novembro de 2017. Na época, o time tinha umas cinco pessoas, eles ainda não estavam buscando ter alguém de RH, mas ao me conhecer, entenderam que era o momento de colocar alguém ali. Foi uma chance de olhar para o RH de uma maneira diferente da qual eu estava habituada. A Ambev é uma empresa super disruptiva, mas com processos já estabelecidos.

Ao chegar no Zé, minha primeira tentativa foi a de replicar esses processos, mas as pessoas começaram a me perguntar se fazia sentido mesmo replicar o que eu sabia em um contexto diferente.

No final das contas, construímos do zero os processos de recrutamento, de desenvolvimento, até de offboarding, pensando no que seria importante. E isso ajudou a gente a levar a empresa de 5 para 600 pessoas, construindo uma marca empregadora forte – quando saí, nosso NPS interno era de 90, a taxa de turnover estava abaixo dos 10%. E um diferencial que rolou ali foi que eu sempre fui uma pessoa de RH que estava na mesa nas decisões de negócios, trazendo insumos para os resultados. Isso me ajudou a ter uma visão sobre métricas, me tornou uma profissional que agrega muito mais valor.

A Ambev é conhecida por ter uma cultura muito forte. Como foi viver essa cultura e o que você levou dela para as experiências posteriores? 

A cultura da Ambev foi o que de fato me atraiu quando eu quis trabalhar lá. E o que me chamou a atenção nos três anos que eu fiquei lá é que tem muito match entre o que é falado e o que é vivido. A cultura da Ambev fala muito sobre colocar as pessoas em primeiro lugar, sobre a importância de formar as pessoas em casa, dar espaço para elas aprenderem, crescerem e evoluírem. Fui prova disso: entrei na Ambev estagiária e saí gerente, entrei no Zé como gerente e saí diretora.

Além disso, tem um aspecto muito relevante, que é o espírito de dono: é muito incrível ver o quanto as pessoas na Ambev são apaixonadas, entregues, fazem o que está ao seu alcance no dia a dia para cuidar da empresa como se fosse sua. Isso foi muito marcante. 

O Zé Delivery é uma empresa de crescimento acelerado, mas esse movimento foi ainda mais rápido durante a pandemia, em um momento desafiador em termos de cultura e formas de trabalho. Como foi essa experiência para você? 

Foi muito diferente de tudo que a gente já tinha vivido, mas é legal dar um pouco de contexto. 2019 foi um ano incrível para o Zé, tanto para o negócio como para a área de pessoas. A gente tinha um plano de crescimento exponencial para 2020, mas o surgimento da pandemia acabou antecipando esses planos. Nós começamos a trabalhar de casa uma semana antes do decreto oficial e foi desafiador. Na terceira semana da pandemia, quando vimos que aquilo não tinha prazo para acabar, a gente entendeu que precisava montar processos para o trabalho remoto.

Foi um período em que a gente trouxe muitas ferramentas, pensou muito em como as coisas deveriam ser. Uma coisa importante foi a comunicação assíncrona: entendemos que era preciso ter todas as informações públicas e todo o contexto para as pessoas conseguirem ser eficientes. Além disso, a gente buscou construir um processo de onboarding que fosse eficiente, acolhedor e cheio de contexto no primeiro momento – afinal, um onboarding bom faz as pessoas ficarem à vontade para sair jogando mais rápido.

Um processo legal que a gente criou foi o dos “parças”: além do onboarding, toda pessoa que chegava no Zé tinha um par para ter papos diários, no final do dia, para falar como tinha sido o dia, pedir ajuda e não se sentir sozinha num primeiro momento. Isso deu muito certo, e muito por conta da cultura.

Sempre digo que sem cultura e sem pessoas, não tem negócio nem resultado. Nada é sustentável sem uma cultura forte e a nossa cultura se fortaleceu muito nesse momento. 

Ainda durante a pandemia, você e outros executivos do Zé decidiram sair e fundar a sua startup, a Nana Delivery. Como foi o processo de se tornar fundadora? 

Para mim, o “quem” é mais importante que o “quando”. Quando encontrei os meus sócios – o Lucas Montez, o Gustavo Fino e o Rodrigo Vasconcellos –, percebi que queria trabalhar com eles para sempre. Desde 2018, eu e os meninos falávamos sobre a possibilidade de um dia ter um negócio juntos.

Em 2021, a gente percebeu uma oportunidade de mercado, que era criar um serviço que tivesse muito mais coisas do que o Zé Delivery, para a base de usuários do Zé – que é superfiel e vem da classe C, um público que é órfão de serviços de conveniência. Além disso, é um mercado muito grande, muito arcaico: 99% das vendas ainda estão no varejo tradicional e físico, então tinha um espaço muito grande.

No final, foi sobre ter as pessoas certas no momento certo. E há vários fatores que explicam essa decisão. Eu fui a primeira mulher na liderança do Zé, e o começo foi muito desafiador. Assim como muitas mulheres, eu tinha síndrome de impostora, o receio de falar algo que os outros não iam aceitar. E ao longo do tempo, fui percebendo que minha voz era muito ativa e muito ouvida naquele ambiente.

Eu também sempre fui empreendedora, eu vendia miçanga e docinho na faculdade para desenrolar minhas coisas, sempre fiz de tudo um pouco. E além disso, vale dizer: para mim não era óbvio virar fundadora, sendo uma pessoa que veio da área de Comunicação, mas hoje tenho bastante orgulho disso. É legal mostrar para outras pessoas que para fundar uma empresa, você não precisa ser homem, branco, hétero e vir de uma certa faculdade. E acho que temos que pensar em como ajudar outras pessoas a ir atrás desse sonho, se esse for o sonho delas. 

Eu fui a primeira mulher na liderança do Zé, e o começo foi muito desafiador. Assim como muitas mulheres, eu tinha síndrome de impostora, o receio de falar algo que os outros não iam aceitar

Um time de fundadores costuma ter executivos de negócio, de produto, mas não de pessoas. Como está sendo a sua experiência à frente da Nana Delivery? 

Tem uma coisa legal de falar: para começar uma empresa, é preciso ter entendimento de negócios. Se você não tiver contexto de como o negócio roda, quais KPIs são importantes, como o negócio fica rentável, não funciona. É importante dar conta desses gaps, seja você de people, de tecnologia, de qualquer área… O segundo ponto é que a experiência do Zé me mostrou como é importante construir bases sólidas de estrutura organizacional, construindo processos de uma forma pragmática.

Muitas empresas começam a olhar isso só em um certo ponto, mas se você consegue ter alguém que traz uma visão de marca empregadora, de diversidade, de retenção de talentos, desde o início, isso é muito bacana. Por outro lado, é importante entender que os processos precisam ser construídos na hora certa. Às vezes, as pessoas me procuram para saber sobre o processo de recrutamento da Nana, e a gente não tem um ainda. O processo deve ser construído no momento certo, processo bom é aquele que é de fato necessário.

Ter um fundador da área de pessoas é bom não por conta dos processos, mas sim por conta da visão. E é importante ter essa visão crítica da cultura: a cultura organizacional é vivida e depois escrita. Hoje, na Nana, nós temos alguns pilares fundamentais, mas não temos um manifesto de cultura: a cultura vai ser escrita depois que as pessoas estejam trabalhando com a gente e vivendo essa cultura. 

Ter um fundador da área de pessoas é bom não por conta dos processos, mas sim por conta da visão. E é importante ter essa visão crítica da cultura: a cultura organizacional é vivida e depois escrita.

Muitos CEOs dizem que sua principal função em uma empresa é ser o guardião de uma cultura. Você concorda? 

Concordo em gênero, número e grau. É uma função importantíssima do CEO e dos fundadores. Eles têm que ser a principal fonte de falar sobre isso, viver a cultura no dia a dia e apontar os bons exemplos. Mas, ao mesmo tempo, a cultura é responsabilidade de todas as pessoas da empresa, assim como diversidade é uma responsabilidade da liderança, mas também tem que ser parte do dia a dia de todos os times. 

Quando você saiu do Zé, a empresa tinha 600 pessoas, divididas em muitos times diferentes. E muitos times de áreas específicas acabam tendo uma cultura própria. Como é cuidar para que a cultura de um time não brigue com a cultura da empresa? 

A formação de uma estrutura organizacional é algo que favorece muito que as pessoas trabalhem juntas e vivam uma mesma cultura. Isso é algo que faz parte do contexto de cultura dos times, é super OK, desde que essas diferenças entre as culturas sejam saudáveis. E é importante que a empresa não seja conivente com isso. Na Nana, é um desafio: a gente tem um time de tecnologia, tem designers, desenvolvedores, mas também tem o time em Belo Horizonte tocando a operação do dia a dia, cuidando da gestão de estoque.

Todo mundo tem que saber seu papel dentro da organização, alinhados na cultura, mas com diferentes perfis. O jeito que encontramos para alinhar bem essa cultura é ter times multidisciplinares. No Zé, a gente tinha times que juntavam desenvolvedores e gente de operação, assim um entende a realidade do outro. Não é só falar do valor empatia, mas sim saber do perrengue que o outro tá passando, criando empatia na prática. 

Para fechar, tem algum livro que você gostaria de indicar? 

Meu livro de cabeceira é O Lado Difícil das Situações Difíceis, do Ben Horowitz. É um livro cheio de aprendizados, erros que acontecem quando você cria uma empresa. Tem gente que diz que a gente só aprende vivendo, mas eu acho que tem muita coisa que dá pra aprender olhando para fora, não cometendo os erros que outros já cometeram.

E eu também gosto muito do A Regra é Não Ter Regras, que fala sobre a cultura da Netflix. Em alguns pontos, ele é meio fantasioso, mas também é um livro que fala muito bem sobre como ter as pessoas certas de alta performance e engajar essas pessoas, ao mesmo tempo em que fala sobre como evitar pessoas que, apesar da alta performance, tem um comportamento nocivo para a empresa. Para fechar, um livro que eu adoro é o Empatia Assertiva, que pode ajudar muito quem está em posições de liderança.  

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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