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Para muita gente, remuneração e benefícios pode parecer uma das áreas mais transacionais do RH. Não é o que pensa Priscila Mendes, diretora de Total Rewards para América Latina da Bayer: há mais de 20 anos na área, a executiva compreende cada vez mais que salários e programas de apoio são partes importantes da cultura e da estratégia de cada empresa. “Tudo passa por intencionalidade”, diz ela a certa altura da entrevista para Cajuína, em uma frase que resume muito a conversa a seguir.
Formada em Psicologia, Priscila não começou sua carreira em remuneração e benefícios, mas sim em treinamento e recrutamento. “Normalmente é uma área para a qual os psicólogos não vão, mas eu acabei sendo picada por esse bichinho e nunca mais quis voltar para a área de desenvolvimento”, conta ela, que fez estágio na Avon e passou pela consultoria Deloitte antes de entrar na Bayer, onde está há mais de 15 anos. “Ter passado por consultoria me deu um know-how de implementação de projetos que fez a diferença para as coisas acontecerem na prática”, afirma.
Na Bayer, ela diz hoje viver um desafio de transformação cultural. “O objetivo é levar mais autonomia e empoderamento para quem está nas pontas, para que o próprio colaborador possa tomar decisões, sem depender necessariamente de líderes ou gestores”, explica, sem deixar de lado que a mudança na hierarquia também traz consequências para o plano de carreira e a remuneração. “Se há menos níveis de liderança, como você reconhece e promove as pessoas?”, questiona a executiva, para quem a discussão no futuro passará a ser não sobre descrições de cargos, mas sim sobre valorização de habilidades.
Na entrevista a seguir, Priscila fala mais sobre sua trajetória, conta sobre o dia a dia na Bayer e mostra sua visão de como a tecnologia pode ser uma aliada na transformação da área de Total Rewards, andando lado a lado com termos complexos como transparência, maturidade e diversidade. Para ela, são paradigmas que vieram para ficar. “Vamos precisar cada vez mais de transparência e maturidade para lidar com as informações de remuneração e benefícios. Para personalizar, nós precisaremos ser transparentes – e acho que a tecnologia veio para nos ajudar fortemente nisso”, afirma.
Minha primeira referência de RH foi meu padrasto, que trabalhava com treinamento e desenvolvimento no Senai. Quando fiz Psicologia, acabei fazendo um trabalho na área organizacional, o que me fez conhecer um pouco o que era o RH mais a fundo. E foi interessante: para quem faz Psicologia e quer trabalhar em empresas, o RH acaba sendo a principal alternativa – embora remuneração e benefícios, onde passei a maior parte da minha carreira, seja normalmente a área para a qual os psicólogos não vão. Na faculdade, meu primeiro estágio foi na Avon, começando com recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, como toda boa psicóloga. Quando me formei, tive a oportunidade de ir para a Deloitte, trabalhar com Executive Search. Lá, também conheci um pouco dessa área de remuneração e benefícios, porque havia muitos projetos relacionados a isso. Acabei sendo picada pelo bichinho da remuneração e não quis mais saber de voltar para a área de desenvolvimento.
É engraçado: sempre gostei muito de escrever – no vestibular, quase optei por jornalismo. Na época, meus chefes sabiam que eu gostava de escrever e me chamaram para fazer descrição de cargos. Nada mais é do que interpretar o cargo, entender a posição e transcrever essa compreensão para um documento que diz o que o cargo faz, os objetivos e os resultados esperados. No momento em que eu comecei a fazer isso, comecei também a conhecer diferentes realidades. Para fazer a descrição, é preciso conhecer bem o processo de uma empresa, entendendo no detalhe o que cada pessoa e cada área faz. Isso foi o que me encantou, porque vi a possibilidade de ampliar muito meu escopo de conhecimento e de atuação. Depois das descrições, fui para as estruturas de cargos e segui para a parte mais complexa, que é a de pesquisas salariais – onde pude usar toda a estatística que eu aprendi na faculdade. Nessa época, o Excel mudou minha vida. No momento em que aprendi que era só jogar os dados e as fórmulas calculavam tudo para mim, me apaixonei por aquilo e não quis mais voltar.
É bem diferente. Ambas as experiências têm lados positivos e outros não tão positivos. Consultoria é algo que ensina muito. Para o momento de carreira em que eu estava, com muita disponibilidade de viajar pra caramba e passar muito tempo fora de São Paulo, foi ótimo conhecer realidades diferentes. É algo que traz uma bagagem de amplitude de mercado, pensando em tendências e do que as empresas estão fazendo. Por outro lado, é algo limitado: normalmente, você faz um projeto, implementa, entrega e depois não sabe mais o que aconteceu. E eu tinha curiosidade de saber o que acontecia depois, entender como aquele projeto transformaria a organização de fato. Foi algo que sempre me fez falta nos 10 anos que passei em consultoria. Além disso, eu estava chegando em um momento em que eu estava para virar gerente ali dentro – o que tornaria ainda mais difícil eu conseguir me movimentar, porque dificilmente uma indústria contrata alguém em nível gerencial sem ter experiência em indústria anteriormente. No fim das contas, surgiu uma oportunidade na Bayer. Na época, era uma movimentação lateral, mas não dava para desconsiderar – embora a curiosidade tenha falado mais alto do que um movimento pensado de progressão de carreira. E no fim das contas, fez todo sentido para mim, tanto que estou na Bayer há 15 anos. Mas ter passado por consultoria me deu um know-how de implementação de projetos que fez a diferença para as coisas acontecerem na prática.
É impressionante pensar o quanto as coisas mudaram – não só a empresa ou o RH, mas a própria área de benefícios. Por outro lado, o desafio na época não era muito diferente do que muitas empresas ainda têm hoje. A área de remuneração na Bayer já era bem estruturada e tinha vários sistemas automatizados, mas havia um desafio de estar próximo do nosso cliente interno para entender necessidades, levando soluções específicas de remuneração. Benefícios era um tema que a gente conseguia olhar de forma ampla pela organização, mas o desafio específico era estar perto do público para falar de remuneração. Nós tínhamos já uma estrutura de business partners, uma função que normalmente não tem um know-how tão profundo de remuneração. Tínhamos então essa necessidade de ter uma pessoa especialista de remuneração para acompanhar as conversas com o negócio, trazendo soluções específicas para cada demanda.
De forma geral, o desafio que nós temos não é muito diferente do que muitas empresas têm, mas talvez nós estejamos mais avançados na curva do tempo. A Bayer vem passando por um processo de transformação bastante intenso, que envolve uma questão de mudança de modelo operacional. O objetivo é levar mais autonomia e empoderamento para quem está nas pontas, para que o próprio colaborador possa tomar decisões, sem depender necessariamente de líderes ou gestores. É uma busca por horizontalização, reduzindo o número de níveis hierárquicos e o nível de burocracia. Mas isso tem uma consequência: quando você pensa em reduzir burocracia, você precisa olhar para a estrutura organizacional e os impactos que esse movimento trará. A consequência de uma estrutura hierárquica mais horizontal é que você terá menos camadas na organização, com os líderes gerenciando mais pessoas – porque se há menos níveis de liderança, é bastante provável que os líderes cuidem de grupos maiores. E há outro desafio: como você reconhece e promove as pessoas? Como fazer a gestão da nova estrutura hierárquica?
Para mim, o que vai acontecer num futuro próximo é a valorização dos skills. Cada vez mais vamos olhar menos para cargos e mais para as habilidades.
A solução é muito mais complexa do que pode parecer. Não é só fazer a pessoa andar na faixa ou dar um aumento salarial. Não dar um título pode envolver uma questão de cultura, de status. Muitas vezes, vejo casos de pessoas que preferem ter um título e receber menos. “Ah, ganhei 3% de aumento, mas agora eu sou gerente”. É uma questão cultural que não é só do Brasil, mas do mundo. Fomos criados num modelo em que essas coisas são importantes para as pessoas. Então, não é simples falar que as pessoas não vão mais ser promovidas. É um tema que eu tenho estudado muito. Para mim, o que vai acontecer num futuro próximo é a valorização dos skills. Cada vez mais vamos olhar menos para cargos e mais para as habilidades. Para mim, descrição de cargo (que foi onde comecei minha carreira) é uma ferramenta extremamente antiquada para o mundo que a gente vive. É um documento inflexível, que não faz sentido em um mundo tão dinâmico, como um jornal que conta as notícias de ontem. Valorizar as habilidades, por outro lado, é uma forma de reconhecer as pessoas pelo impacto que elas podem trazer para a organização. A combinação de habilidades, por mais variada e improvável que possa parecer, muitas vezes pode levar as pessoas a atingir resultados inimagináveis anteriormente. Um exemplo recente que eu posso citar é de empresas que trabalham com LLMs e estavam contratando pessoas que são da área de filosofia para cargos em tecnologia. São temas bem diferentes, mas esse conhecimento aportou muito para o desenvolvimento. Acho que é um exemplo fantástico quando olhamos para carreiras múltiplas ou para a era da inteligência artificial, que vai nos permitir fazer coisas que não conseguiríamos antes. Quanto mais conhecimentos você tem, mais você pode aportar para a organização – e faz sentido a organização reconhecer isso.
Isso vai bem na linha do que acabei de dizer: hoje estamos fazendo coisas que antes a gente sonhava fazer no passado e achava impossível. Acredito que a área de Total Rewards talvez seja a área que mais está atrasada na adoção de tecnologia. Algumas empresas começaram antes da gente e tem um bom trabalho com People Analytics. Mas ainda há muito espaço para remuneração e benefícios – talvez porque a área seja tratada como caixa preta que as pessoas não gostam de mexer. Para mim, precisamos quebrar esse padrão, até porque transparência é um caminho sem volta. Vamos precisar cada vez mais de transparência e maturidade para lidar com as informações de remuneração e benefícios. Para personalizar, nós vamos precisar ser transparentes – e acho que a tecnologia veio para nos ajudar fortemente nisso.
Essa é uma ótima discussão – e não sei se tem certo ou errado. Sou muito a favor da transparência. É óbvio que a gente precisa dar a opção dos dados delas não serem compartilhados, a Lei Geral de Proteção de Dados está aí para proteger o colaborador nesse sentido. Mas o que eu me pergunto sempre é sobre a dimensão de privacidade que a gente tem hoje. Sou muito fã do Peter Diamandis, co-fundador da Singularity University, e em um vídeo recente ele fala que em pouco tempo todos vamos ter um Jarvis – o assistente pessoal do Homem de Ferro. Mas, para isso acontecer, vamos precisar autorizar uma inteligência artificial a saber tudo que acontece com a gente. E quando você fala pensa nisso, o paradigma de privacidade muda. Muita gente ainda tem esse receio, mas o que o Peter diz é que se você está na internet hoje, você já não tem privacidade com todo o sistema de cookies. E se isso já acontece, por que não usar os dados que são privados para usar em prol de algo que facilite a vida? Vejo muito por essa linha, mas é preciso ter sensibilidade para entender quando dar essa permissão será mais benéfico do que maléfico. Mas essa é uma discussão filosófica…
Muita gente olha para a chegada de novas gerações, trazendo suas demandas, como algo ruim. Para mim é o contrário: quando eles trazem solicitações, eles refletem para onde estamos evoluindo. Precisamos olhar para essas demandas com olhar bem atento – e sem viés. De maneira geral, a pandemia acelerou algumas tendências. Em alguns casos, ela acelerou tanto que infelizmente estamos tendo de voltar para o velho normal. De alguma forma, tudo caminha para o que eu já via no passado e continuo vendo. Pode parecer meio antiquado falar de pirâmide de Maslow, mas como boa psicóloga eu olho sempre para a perspectiva de suprir o básico antes de avançar. Para mim, o básico é um pacote de remuneração e benefícios que seja atrativo, que mantenha o colaborador satisfeito e que faça ele sentir que está sendo bem recompensado pelo que ele aporta para a organização. Uma vez que as necessidades estão atendidas, é preciso subir na pirâmide – e é aí que a gente chega no ponto de pertencimento, propósito e de tudo aquilo que é intangível. É algo que não dá para mensurar e falar sobre custo, porque às vezes nem há custo para ser calculado. Temos muitas pesquisas que mostram que benefícios intangíveis têm um valor percebido muito maior que o seu custo efetivo. É por isso que é importante olhar para propósito e pertencimento, envolvendo fazer o colaborador se sentir bem onde está e ser valorizado por ser quem se é. Nesse caldeirão, a flexibilidade aparece também – que não é só a flexibilidade do local de trabalho ou de horário, mas também de outros aspectos. Ainda que muitas organizações estejam retornando para o “velho normal”, não vamos deixar de ver pessoas saindo de organizações desse tipo e indo para organizações que oferecem esses benefícios. As pessoas vão ficar em organizações que estão no velho normal até o ponto em que tiverem a possibilidade de ir para outras empresas.
Aqui é onde eu acredito que o ponto dos benefícios intangíveis faz a diferença. Uma das coisas que realmente estamos conseguindo fazer muito bem na Bayer é o foco no ambiente de trabalho e de permitir que as pessoas sejam quem elas são. Nosso slogan em employer branding é “seja você, somos Bayer”. Eu tive a chance de ser uma das figuras protagonistas dessa campanha – e na minha foto, estou lá com meus cabelos vermelhos e a minha camiseta do Slayer. Em um mundo que as pessoas não te olham pela sua aparência física ou pelo que você gosta, elas passam a estar mais interessadas no que você aporta para a organização. Acredito que a Bayer tem um ambiente muito propício para que as pessoas sejam quem são – do estagiário à alta liderança. E isso, claro, passa pela parte de diversidade, equidade e inclusão, que para nós é um valor muito forte. Mas não só: quando vemos farmacêuticas voltando para o modelo mais tradicional, impondo idas ao escritório três ou quatro vezes por semana, nós vemos o nosso diferencial. Hoje, a decisão de ir para o escritório passa pelos líderes de cada time. É claro que há uma prerrogativa de que as necessidades da organização vêm em primeiro lugar, mas tudo passa por intencionalidade. Ou seja: se as pessoas vão estar juntas no escritório, é preciso ter um motivo para estar lá. Acho que são aspectos que nos diferenciam mesmo na comparação com as principais concorrentes.
Além do Peter Diamandis, que eu já citei, vou indicar o livro mais recente do Ray Kurzweil, o outro co-fundador da Singularity University: A Singularidade Está Mais Próxima, que saiu em 2024. É uma atualização do livro que ele escreveu na década passada, no qual ele falava pela primeira vez do conceito de singularidade e trazia uma série de previsões sobre o futuro. Muitas dessas previsões foram concretizadas e agora ele faz novas previsões. Acho que dá uma boa ideia do quanto o nosso mundo vai se transformar nos próximos 5-10 anos. Ainda não temos ideia do quanto as coisas vão evoluir rapidamente e de forma expressiva. É uma leitura densa, mas acho que vale muito a pena.
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