No começo da carreira, Izabel Branco trabalhava como tradutora. E ao longo de mais de trinta anos de estrada, ela segue com a mesma tarefa, mas em diferentes contextos. “Traduzir foi algo que eu sempre fiz”, brinca a vice-presidente de Talentos, Marca e ESG do Banco ABC Brasil, que vê no papel do RH a missão de conectar as pessoas e o negócio. Não foi uma jornada simples: antes de entender que queria trabalhar com gente, ela passou duas décadas no marketing e na segmentação de clientes em empresas como Itaú, Banco Real e Santander.
A virada para o RH aconteceu em 2013, durante um intercâmbio na Espanha. “Lá eu tive tempo de pensar e entendi que queria apoiar as lideranças”, conta a executiva, que fez a transição dentro do próprio Santander, mas confirmou a escolha pela área anos depois, ao passar por companhias como SulAmérica, Via Varejo e Totvs. Hoje à frente de três áreas no Banco ABC Brasil, ela entende que sua posição é uma soma das experiências que teve ao longo da carreira. “Trabalhar no RH, para mim, é naturalmente trabalhar com propósito”, diz.
Na entrevista a seguir, Izabel não conta apenas detalhes dessa mudança de carreira, como também fala sobre a ligação entre o RH e o ESG e a importância de escutar as pessoas – independentemente do tamanho das empresas. Ela também acredita num futuro em que o RH se tornará não apenas estratégico, como também imprescindível.
Imagino um futuro em que os executivos nem comecem a conversar sobre qualquer discussão fundamental sobre um tema estratégico se o RH não estiver presente para apoiar.
Costumo dizer que fui parar no RH já “velha”. De fato: fiz Letras na faculdade e depois comecei a trabalhar em banco, em 1994, nas áreas de cartão de crédito, porque eu sabia falar inglês. Depois disso, fui para a comunicação e migrei para o marketing estratégico, trabalhando com segmentação de clientes de alta renda, cuidando do Van Gogh, do Banco Real, que depois foi comprado pelo Santander. O Van Gogh chegou a ser o segmento mais bem avaliado do mercado, mas depois entrou em declínio, e aí lançamos o Santander Select. Antes de lançar o Select, em 2013, fiz um intercâmbio na Espanha. Trabalhar na Europa é diferente de trabalhar no Brasil, e lá tive tempo para pensar no que eu queria da minha carreira. E quando pude pensar, entendi que queria apoiar as lideranças. Eu gostava de treinamentos e de educação, ao mesmo tempo em que achava difícil liderar uma área de negócios. E foi aí que eu pensei no RH, que tem essa missão de apoiar os líderes. Foi aí que, já com quase duas décadas de carreira , eu bati na porta do RH do Santander e pedi uma oportunidade. Naquele momento não deu, lançamos o Select e depois eu consegui ir para o RH.
Como foi essa transição de carreira?
Eu comecei como Business Partner de todas as áreas que eu já tinha atendido como marketing. Eram lugares que eu já tinha algum conhecimento, de maneira que fui aprender a ser RH emprestando para o RH o meu conhecimento das áreas de negócios. Ser BP foi uma boa função para começar – ainda mais porque é a área que faz o elo entre o negócio e o RH. Traduzir foi algo que eu sempre fiz, mas costumo dizer que a minha estagiária da época efetivamente sabia mais de RH do que eu. Eu contava muito com o conhecimento das pessoas, abrindo a porta do negócio e levando os especialistas do RH comigo. Foi meu primeiro ano no Santander, e aí recebi uma proposta para trabalhar com segmentação de clientes na SulAmerica. Mas quando cheguei lá, vi que não pertencia mais a esse mundo e me dei conta que queria mesmo ser RH. Aí fui para a Via Varejo para remontar a área de BPs, e depois de um ano eu fui convidada para assumir a cadeira principal. Ali a coisa ficou séria: era uma empresa com 45 mil funcionários, lojas no Brasil inteiro e mais de 200 sindicatos para lidar.
Quando entrei no RH, não sabia bem como minha trajetória faria sentido ali. Mas, em 2013, estávamos começando a falar de employer branding e de experiência do colaborador. Conforme o tempo foi passando e esses temas ficaram mais fortes, ficou evidente para mim que eu poderia, com conhecimento de segmentação e de marketing, aportar para as empresas a união entre o que a empresa precisa e o que o funcionário quer, trabalhando numa conjunção e não em uma queda de braço. Trabalhar no RH, para mim, é naturalmente trabalhar com propósito, porque você ajuda as pessoas a atingirem o potencial delas. Em uma empresa de varejo, como é o caso da Via Varejo, muitas vezes as pessoas têm seu primeiro emprego. Nesses casos, a empresa tem uma responsabilidade enorme de formar as pessoas para que elas evoluam na carreira. Mas, independentemente do segmento, estar no RH é muito enriquecedor por ajudar as pessoas a atingirem seu potencial.
Ao longo da sua carreira, você passou por diferentes setores – do financeiro ao varejo, passando pela tecnologia e pela saúde. Como você vê essa polivalência?
Acredito que é uma forma de manter a inovação viva. Quando você passa por um setor, você acumula conhecimento e desenvolve uma visão diferente. Em muitos casos, a prática de um setor pode ser considerada completamente inovadora em outro. A tecnologia pode emprestar a inovação para os bancos, enquanto o varejo pode emprestar simplicidade para a tecnologia. O trânsito entre segmentos é um levantamento de boas práticas ao vivo, é algo que considero muito rico.
O primeiro fator foi o fato de que o banco estava passando por uma transformação quando me chamou. Depois de anos como um banco dedicado a grandes empresas, a empresa decidiu crescer, se desafiando a mudar – e eles precisavam de alguém que apoiasse a mudança. Minha cadeira hoje envolve Talentos, Marca e ESG, que são os três pilares dessa mudança. Talentos envolve a transformação de pessoas e cultura; Marca seria o pilar que exemplificaria para o mercado a mudança que faríamos aqui dentro, e ESG junta esses dois mundos, trazendo ainda a sustentabilidade e a governança. Quando vi esses desafios, me vi unindo pontos do meu passado: fui de marketing no Santander e no Banco Real, que foi pioneiro no conceito de sustentabilidade, e estava em RH. A importância dada a Talentos nessa transformação deixou claro para mim que transformações de negócio não acontecem sem transformações de cultura. Eu estava muito bem na Totvs, mas esse desafio me chamou.
É preciso ressignificar o trabalho para entregar crescimento e eficiência, mas também permitindo que o ser humano se desenvolva e esteja bem nesse ambiente.
Que desafios você enxerga para o RH hoje em dia?
O RH passa por várias transformações. Primeiro, por transformações geracionais – e é preciso entender o que as novas gerações esperam do trabalho, fazendo a conversa acontecer além do paradigma do “sempre foi assim” ou do “para mim não vai funcionar”. Tem a transformação digital, que agora se soma com a visão da IA. Tem o desafio de saúde – da saúde financeira à emocional, passando pela física. Quando comecei a trabalhar, as pessoas separavam o profissional do pessoal. E sempre lembro do Fábio Barbosa, que foi presidente do Banco Real: ele falava que entrevistava o profissional para uma vaga, mas quem trabalhava era a pessoa. Somos seres íntegros, não viramos outras pessoas quando colocamos um crachá. Entender essa integralidade é um desafio para o RH. Além disso, ainda temos os desafios de sempre das empresas, como crescimento e eficiência. Então, é preciso ressignificar o trabalho para entregar crescimento e eficiência, mas também permitindo que o ser humano se desenvolva e esteja bem nesse ambiente.
O RH é um grande interlocutor entre empresa e funcionário em prol da estratégia – e o ESG fala muito do futuro dessas relações.
Sua cadeira tem Talentos e ESG. O que muda quando as duas pautas estão juntas?
É preciso fazer esse elo o tempo todo. Não gosto muito de falar que o RH cuida, prefiro dizer que o RH apoia, mas com o ESG a gente precisa ter um olhar de cuidado na empresa, cuidando do funcionário para que ele continue saudável e essa relação seja de ganha-ganha para todos. ESG é também onde mora a diversidade e você começa a entender as questões das pessoas que possam afetar a entrega, começa a criar um ambiente para que as pessoas possam ser o que elas quiserem. É com essa visão que você consegue entender o que uma visão de negócios pura não consegue: que não dá para implementar algo se as pessoas não se sentem seguras, porque não foram comunicadas ou não foram ouvidas. O RH é um grande interlocutor entre empresa e funcionário em prol da estratégia – e o ESG fala muito do futuro dessas relações.
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O que você gostaria que todo CEO soubesse sobre RH e pessoas?
Cada vez mais, acredito que os CEOs estão ligados no tema; Conforme a tecnologia evolui, ela vai se tornar algo dado – e o que faz diferença são justamente as pessoas. Acredito que todo CEO deveria saber que as pessoas precisam ser ouvidas, independentemente do cargo, e que as pessoas sabem coisas que eles não sabem. Sempre acredito que alguém tem algo para agregar numa visão diferente da sua – e o CEO é um cargo muito solitário. Quanto mais você sobe, menos tem gente disposta a falar a verdade ou dizer algo duro. O RH pode ser um ótimo catalisador para fazer essa conversa acontecer, se o CEO estiver aberto. No caso do ABC, em que temos 1,2 mil pessoas, podemos ter 1,2 mil contribuições diferentes para ajudar nessa evolução.
A diferença está no volume, porque, no final do dia e por menor que seja a empresa, toda empresa tem várias personas, várias tribos. Tem a tribo do comercial, do financeiro, do marketing, do próprio RH. Se uma empresa tiver cinco pessoas, cada uma já vai representar uma tribo diferente. Quando eu fui para o banco, ouvi que estava indo para uma empresa menor, que ia trabalhar menos – e não é verdade, porque cada empresa tem áreas diferentes, com pessoas diferentes, donas de escolhas de carreira, necessidades de desenvolvimento e expectativas diferentes. Num RH maior, há mais responsabilidade pela questão de quantas vidas estão envolvidas, mas o trabalho sempre envolve conhecer um público diverso e entender o que ele precisa para atingir o seu potencial, com o desafio de construir uma cultura que abarque esse público, independentemente do tamanho.
Mais do que dizer que o RH tem um lugar estratégico, gostaria de dizer que o RH efetivamente assumiu sua cadeira na estratégia de pessoas e no desenvolvimento das empresas. Nenhuma empresa começa sem pensar no RH. Sei que tem muitas empresas em que o RH surge depois, no próprio C-Level nem todas as empresas têm RH, mas eu queria que o RH conseguisse alcançar esse lugar de conexão entre entender o negócio e contribuir para a evolução. Imagino um futuro em que os executivos nem comecem a conversar sobre qualquer discussão fundamental sobre um tema estratégico se o RH não estiver presente para apoiar.
Para fechar, alguma dica de leitura para quem está lendo esta entrevista?
Eu acabei de ler Os Cinco Desafios das Equipes de Alta Performance, de Patrick Lencioni. Achei muito interessante a forma como o livro trabalha a construção de times, como se trabalha junto, deixando o ego de lado e se responsabilizando pelas entregas. Além disso, tem dois livros que eu sempre indico: Essencialismo, do Greg McKeown, e Inteligência Positiva, de Shirzad Chamine. São dois livros que me fazem pensar de forma bem diferente e me inspiram muito.