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A média liderança no Brasil está ‘nua’, e esse é um desafio para o RH do futuro”, diz Flávia Lisboa, diretora de RH da Reckitt

Com três décadas de experiência no RH de empresas como Citibank, Dell e Stefanini, executiva fala sobre os desafios de empresas em considerar novos padrões para a seleção de talentos, além de temas clássicos como a capacitação da liderança e o foco em equidade para além da inclusão

Maria Clara Dias
14 de agosto de 2024
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Flávia Lisboa se considera uma verdadeira viajante do tempo. Também, pudera: com mais de 30 anos de atuação na área de recursos humanos, ela pôde presenciar de perto revoluções que hoje são familiares aos novos entrantes no mercado, mas que tiveram  grande impacto na maneira como empresas contratam, treinam e gerem seus colaboradores. A começar pelo be-a-bá de quase todo RH: os processos seletivos. “Parte dos meus dias consistia em sentar em frente a uma grande pilha de papel abrindo envelopes com currículos de candidatos. Hoje, isso é impensável”, lembra a executiva, que tem passagens por empresas como Citibank, Stefanini, Dell e Yara.

Atualmente, Flávia lidera o RH da Reckitt, multinacional britânica de produtos de higiene e limpeza, dona de marcas como Veja, Vanish e SBP. Com uma forte atuação em diversidade e inclusão, Flávia tem tomado a dianteira em inúmeros projetos relacionados ao tema, dentro e fora da companhia — ela também integra o conselho da United Way no Brasil, instituição filantrópica que apoia a inclusão produtiva de jovens periféricos na sociedade. “A diversidade é algo que surgiu naturalmente para mim. Tem sido uma verdadeira missão desde a juventude, quando percebi que o RH poderia ser uma ponte entre o mundo corporativo e periferia, fazendo com que as pessoas dali vissem e fossem vistas nos processos de seleção”, diz a executiva. 

Na entrevista a seguir, ela destaca os principais desafios que enxerga para o setor no futuro. Na lista, está a necessidade de preparar líderes para situações adversas e de desenvolver uma mentalidade de construção de saberes coletiva. “A grande incógnita está em fazer líderes entenderem que não têm todas as respostas”, avalia. Ela também fala sobre a influência da tecnologia nos processos de contratação, e o papel do voluntariado para a criação de profissionais dotados de uma visão holística sobre a sociedade.

Flávia, para começar, falemos da sua trajetória profissional. Você é formada em Psicologia, e desde jovem trabalha na área de recursos humanos. Você sempre soube que queria seguir esse caminho?

Comecei a trabalhar ainda adolescente, em um modelo muito parecido com o que hoje consideramos o programa de jovem aprendiz. Vim da periferia de São Paulo, e fazia parte de uma ONG de inclusão produtiva que dava acesso a atividades profissionalizantes para jovens meninas durante o contraturno escolar. Essa é uma das razões pelas quais eu percebi que minhas referências de carreira, profissionais e pessoais estavam limitadas ao que a periferia poderia me oferecer. Quando consegui um estágio em uma consultoria de RH, uma porta gigante se abriu diante de mim. Comecei a lidar com alguns processos de recursos humanos, como o recrutamento e seleção, indo da triagem à convocação dos candidatos. Aquela oportunidade me deu o repertório para desejar fazer uma faculdade. Não podemos sonhar com o que não conhecemos, e foi ali que passei a conhecer e me encantar por esse universo.

Depois de alguns anos em consultoria você engatou uma extensa carreira em multinacionais, cuidando da criação de processos de RH e estruturas como programas de benefícios, remuneração e até mesmo valores e cultura dessas empresas. Como foi esse processo de transição para atuação mais generalista?

Quando saí da consultoria e passei a trabalhar em uma grande instituição financeira, me arrisquei a áreas que iam além do recrutamento e seleção. Foi quando comecei a trabalhar com remuneração, um tema igualmente delicado e estratégico para o RH. Foi algo fundamental para ampliar meu entendimento na área. Mas depois, em uma próxima experiência, passei a trabalhar em multinacionais como RH generalista, com todo e qualquer tipo de processo. Foram anos fazendo isso e criando bagagem a respeito de tudo o que um RH faz e pode fazer. Foi uma verdadeira base para a profissional que me tornei.

Com 30 anos de atuação em RH, você já vivenciou muita coisa nova chegando, e muita coisa caindo no esquecimento. Um exemplo, talvez, é o papel fundamental da tecnologia hoje para encurtar e automatizar processos e facilitar a vida do setor. Como você vê a influência da tecnologia no RH hoje?

No passado, parte dos meus dias consistia em sentar em frente a uma grande pilha de papel abrindo envelopes com currículos de candidatos. Hoje não lemos mais o currículo de ninguém. Há um algoritmo que seleciona as pessoas que serão convocadas. Você tem leitura de palavras-chaves para cada cargo, fazendo um match entre pessoas e seus perfis para cada vaga. Acompanhei essa primeira época e tenho acompanhado também a nova fase atual, e vejo prós e contras em todas elas. As mudanças irão acontecer, pois fazem parte da humanidade. O que tem mudado é a velocidade com que cada mudança tem acontecido. O tempo entre uma mudança e outra passou a ser cada vez menor, o que exige adaptabilidade e flexibilidade para mudanças de curso rápidas – tanto por parte do RH quanto dos profissionais.

O tempo entre uma mudança e outra passou a ser cada vez menor, o que exige adaptabilidade e flexibilidade para mudanças de curso rápidas

E por falar em adaptabilidade, esse costuma ser um tema recorrente quando falamos dos conhecimentos esperados para o tal do profissional do futuro. Você considera essa uma habilidade (e um desafio) também esperada para o RH daqui para frente?

Sem dúvida. Tem alguns temas que me tiram o sono como profissional de RH, e o primeiro deles é a questão geracional. Aqui, não falo apenas da questão da idade, mas do intervalo de tempo em que grandes mudanças acontecem. Ser líder de RH hoje é algo completamente diferente de como era há cinco anos atrás. Mas, falando dos desafios, algo que me incomoda muito é o fato da média liderança no Brasil estar “nua”, como naquele livro infantil A Roupa Nova do Imperador, do Hans Christian Andersen. Vemos que a liderança está nua, mas acha que está vestida. Na prática, isso é um reflexo de uma sociedade desacostumada a questionar autoridades, que cresce achando que o líder é detentor de todas as respostas. O desafio é quebrar esse paradigma e mostrar que ter uma liderança que não sabe de tudo a todo tempo é algo bom. O líder continuará sendo aquele que dá a direção, que cresce junto com o time e que reconhece os talentos ali escondidos, mas que não sabe de tudo. A grande incógnita aqui está em fazer esses líderes entenderem que não têm todas as respostas, embora creiam estar “vestidos”. Esse é um desafio e tanto para o RH do futuro.

E que situações ou respostas a média liderança costuma acreditar ter, quando na realidade não tem? Pode dar alguns exemplos?

A mediação de conflitos, sem dúvida. A liderança não está preparada para lidar com diferentes gerações, pontos de vista, opiniões e emoções. O que vemos é sempre uma postura de que ou a máxima autoridade vai resolver, ou totalmente o oposto: há uma postura permissiva de querer “abraçar” a todos, sem resolver nada. Lidar com conflitos e ter conversas difíceis são grandes desafios dessa liderança, e dessa era do RH que estamos vivenciando.


Na Reckitt, essa preparação da liderança é hoje o seu principal desafio também, ou há algo muito pontual que vem do fato de estar em uma empresa global, e que também foge do nicho de tecnologia que você sempre esteve acostumada?

Esse é também um grande desafio, porque as lideranças são justamente as que ajudam a cascatear as decisões que tomamos e a estratégia da empresa ganha forma. Mas tem um outro tema que me faz perder o sono, e que estou certa de que nenhum líder de RH ou fornecedor de tecnologia para o setor ainda tem a resposta para isso, que é: como contratar ou promover pessoas usando as lentes do futuro, e não do passado. Quando falamos em inteligência artificial, por exemplo, esse é um assunto recorrente. Hoje, ao selecionar um candidato, um algoritmo determina que ele é ideal para a vaga a partir de uma seleção de palavras-chave que determinam experiências passadas em uma determinada função, logo, ele está apto a desempenhar aquela função. Isso é uma falácia. As mudanças acontecem numa velocidade tão grande hoje em dia que não há garantia nenhuma que alguém que implementou com sucesso um processo no passado seria capaz de fazer isso hoje.

E por que acho importante olhar com as lentes do futuro? Bem, pois se eu continuar buscando pessoas com base em um algoritmo que só considera o passado, a tendência é repetir padrões. Afinal, se as pessoas tiveram a mesma experiência, possivelmente tiveram a mesma educação, têm os mesmos repertórios. Assim, eu trago pessoas com as mesmas características e promovo pouca ou nenhuma inovação. Além da falta de inovação, isso me preocupa porque isso acaba deixando muita gente para trás, principalmente aqueles sem o mesmo acesso ou repertório. Algo que também me tira o sono está no fato de que para essas contratações, estamos possivelmente nas mãos de ferramentas de comunicação, como ChatGPT e outras IA generativas, que dependem de boas perguntas. Nossa educação tem como modelo responder, e não fazer perguntas. Então me tira o sono, como líder de RH, saber que profissionais que não souberem fazer boas perguntas ficarão para trás no mercado.


Você tem uma atuação forte em diversidade e inclusão, e tem reforçado bastante essa pauta nas empresas que passou. Quando esse assunto passou a fazer parte da sua atuação profissional?

É um tema que faz parte da minha vida de forma natural. Algo que sempre trago comigo, desde aquela primeira experiência profissional, nos anos 90, é a percepção de que o mundo corporativo sempre limitou as opções para pessoas como eu. As oportunidades simplesmente não chegavam aonde deveriam chegar, e a realidade do mundo corporativo, das grandes empresas, era algo que não fazia parte do imaginário da periferia. E vice-versa: as empresas também não tinham conhecimento ou acesso a essas pessoas. Quando eu entro naquela consultoria, passei a me familiarizar com o fato de que é possível construir uma carreira e estabelecer uma relação com o trabalho que seja construtiva e não apenas de subsistência. Entendi que o RH, especialmente recrutamento e seleção, é uma verdadeira ponte entre o mundo corporativo e a periferia. E desde a juventude me dedico a isso: fazer com que as pessoas vissem e fossem vistas nos processos de seleção.

E hoje em dia, é um tema prioritário dentro da sua agenda? Como você tem enxergado esse assunto também dentro do contexto das “lentes do futuro”?

Esse é um tema que para mim vem antes da pessoa jurídica da Flávia. Como pessoa física, eu surgi nesse contexto de desigualdade. Vim de uma ONG, e tive parte da minha educação graças a instituições não governamentais, o que me fez entender que temos um desafio no país como um todo, e que a desigualdade afeta as pessoas de maneiras diferentes. Sabendo disso, adotei isso como missão de vida. Trabalhar no agronegócio me fez ter uma boa visão do que realmente é o Brasil, em toda a sua pluralidade. Hoje, entendo que para se ter uma boa liderança, de qualquer indústria, é preciso conhecer a sua demografia. Não é uma pauta apenas de ativismo, é uma pauta estratégica. Então hoje, quando falo de diversidade, trata-se de entender que o Brasil é diverso, tem particularidades e desafios. Para então poder tomar decisão pelas pessoas, é preciso conhecê-las. Só assim tomamos as melhores decisões, inclusive como RH. Decidir pelo melhor benefício, o melhor plano de saúde… tudo isso depende de conhecer as pessoas que você impacta.


A Reckitt tem um forte compromisso com a igualdade de gênero, e inclusive alcançaram alcançar a representatividade de 50% de mulheres no quadro. Quais outros recortes, e projetos internos para ampliar a diversidade vocês promovem?

Temos metas, tanto para contratações quanto promoções, de gênero, pessoas negras e de pessoas com deficiência. Isso avaliando o quanto queremos trazer esses grupos para dentro de nosso quadro total. Mas também temos metas específicas que vêm após a inserção dessas pessoas em nossa empresa. Elas são ligadas ao engajamento e pertencimento, e assim sempre monitoramos as iniciativas internas, para garantir que há um ambiente acolhedor de longa data.

Ir além dos indicadores quantitativos de contratações é quase como a quarta parede para o RH quando o assunto é inclusão. Depois das contratações e das metas numéricas cumpridas, como avançar nesse tema, e o que surge como barreira nesse caminho?

O desafio está em olhar para as pessoas não pelo marcador que a acompanha, como gênero e etnia. Mas sim olhar sob a ótica da potência. O caminho é reconhecer que a empresa não está fazendo caridade ao contratar pessoas sub representadas, porque não é sobre o que a empresa pode fazer por elas, mas sim sobre o que elas podem fazer pela empresa. Vejo muita liderança contratando por contratar, apenas para cumprir uma meta. Mas é preciso reconhecer que não é a melanina, por exemplo, que adiciona performance na empresa. O que faz isso é a história por trás do fenótipo, pois são enredos que não vêm com nenhuma outra pessoa. Precisamos olhar pela potência que há na diferença, e esse é o passo número um.

Em segundo lugar, está o reconhecimento da importância da equidade. Quando a empresa percebe que essa variedade de contextos faz com que profissionais venham de lugares e oportunidades diferentes, a equidade, ou seja, o esforço em equalizar oportunidades internas, é vital. Fala-se muito de diversidade e pouco de equidade, pois equidade depende de decisões difíceis. Costumo dizer que, quando chegamos no 50/50, por exemplo, é quando o desafio realmente começa.

Flávia, o trabalho voluntário tem feito parte de sua vida há alguns anos, especialmente na questão da empregabilidade para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Como isso impacta o seu papel como profissional de RH, e como você conecta a Flávia social à Flávia corporativa?

Não as vejo separadas. Acho sensacional gerar inclusão produtiva e levar recursos onde eles não existem. Quando olho para a periferia, por exemplo, sempre enxergo a ótica da potência – de pessoas que poderiam estar consumindo e gerando valor para o país, mas não estão. As pessoas precisam de oportunidade. Como líder de recursos humanos, toda vez que enxergo um talento escondido, fico muito feliz. Achar talento repetido é fácil. Difícil é achar um talento raro, muitas vezes escondido, nesses locais. Sempre atuei silenciosamente, como voluntária, mas hoje faço parte do conselho de uma grande ONG e esses dois papéis se complementam.


E essa complementaridade é válida para profissionais de todas as áreas, para além do RH?

No mundo corporativo, não existe “nós” e “eles”. Não existe “a sociedade” e “a empresa”. A empresa faz parte da sociedade, e não há muros nos separando. Para mim, o trabalho no terceiro setor permite que uma empresa, a curto, médio ou longo prazo se beneficie. Seja porque amanhã aquela pessoa será um novo consumidor, seja porque ela é um talento potencial e produtivo para o futuro. Então, é algo que complementa nosso perfil profissional, a visão completa sobre a realidade e potencialidades.


Por último, você tem dicas de livros, filmes ou séries para outros líderes de recursos humanos?

Tenho uma mente muito borbulhante, e aprendo de muitas maneiras. O que eu diria, então, é para as pessoas olharem além do tradicional. Para mim, toda manifestação cultural é uma forma de aprender sobre algo. Minha dica é tentar trazer ao mundo corporativo uma nova ótica sobre algum produto qualquer, como um filme, e tentar aprender algo dali. Lembro que um dos maiores aprendizados de desenvolvimento humano mais relevantes que já tive foi assistindo a comédia Uma Noite no Museu (risos).

Jornalista de negócios, empreendedorismo e tecnologia. Passou por publicações como Exame, Época Negócios e Autoesporte, além de colaborar com reportagens especiais para a Gazeta do Povo. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria Jornalismo de Revista pela ABF em 2022.