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‘Não precisa existir dicotomia entre empresa e empregado’, diz Deborah Abi-Saber, VP do QuintoAndar

Visão de RH que pensa em políticas uniformes e punições está ultrapassada, aposta vice-presidente de Pessoas do QuintoAndar

Bruno Capelas
6 de fevereiro de 2025
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Há quem goste de pensar no RH como uma área que controla as pessoas. Para Deborah Gouveia Abi-Saber, porém, esse pensamento deve fazer parte do passado: “Me assusta quando vejo empresas pensando que todos têm de seguir políticas e pensando em punições. Acredito numa área de Pessoas que monitora movimentos, entende tendências e, a partir delas, desenha boas políticas e bons guias”, diz a vice-presidente de Pessoas do QuintoAndar. 

Na empresa desde agosto, a executiva tem um histórico de mais de duas décadas em diferentes indústrias – do universo financeiro (Nubank, BTG Pactual) à indústria automotiva (Fiat) e de bens de consumo (Red Bull). Para ela, o futuro do RH e das organizações está na troca de pronomes: além de pensar no quê, as empresas precisam pensar no quem. Na entrevista a seguir, Deborah explica o que isso significa e como as organizações podem, baseadas em dados, criar parcerias com os colaboradores, tratando-os como adultos. 

Para você, qual a mudança mais intensa no RH nos últimos cinco anos? 

Vejo duas grandes mudanças – uma mais tática e outra mais estratégica. A mais tática fala sobre People Analytics, uma área para a qual quem ainda não se atentou precisa se atentar. Ela traz outras habilidades para a área de gente, como BI ou cientistas de dados. Para ela, a pandemia foi um marco: ali, nos vimos de uma vez por todas precisando confiar em dados. Sempre me assustou ver conversas com altas lideranças serem baseadas em achismos: há um conhecimento técnico que é essencial. Dados são conhecimento técnico inicial, em busca de conversas mais propositivas, que evitem vieses e saiam do senso comum, saiam de decisões populistas que não vão adicionar nada às pessoas e ao negócio. A mudança mais estratégica é a conversa sobre modelos de trabalho, que praticamente não existia antes de 2020 – talvez em tecnologia, mas não no universo corporativo. Eu vim do mercado financeiro e lembro do pessoal aplaudir se você levantava da mesa antes das 18h. Outra cultura, outro momento, mas hoje parece algo absurdo. É uma discussão que tem empresas indo e vindo – há a carta recente da Amazon, pedindo a volta ao presencial. É preciso refletir ainda que estamos na bolha da bolha, em São Paulo e no mercado de tecnologia, mas se há algo que eu gostaria que estourasse a bolha é uma visão da área de Pessoas não controlar as pessoas. Acredito numa área de Pessoas que monitora movimentos, entende tendências e, a partir delas, desenha boas políticas e bons guias. Me assusta quando vejo empresas pensando que todos têm de seguir políticas e pensando em punições. Você pune clientes externos? Não, então porque puniria quem está dentro? Quando você traz a mentalidade de produto e cliente para dentro de Pessoas, o principal não é um framework: é trabalhar com respeito, entendendo que o ser humano sempre vai buscar “game the system”. Melhor evitar esse duelo. Não precisa existir essa dicotomia entre empregado e empregador – é para ser uma parceria. 

Essa discussão lembra muito outra carta recente, não da Amazon, mas do Spotify, que disse que seguirá no sistema remoto por acreditar que “nossos funcionários não são crianças”. Como evitar essa dicotomia e tratar as pessoas como adultas? 

Para não ser uma dicotomia, a balança precisa estar em equilíbrio. Para mim, a Amazon está desequilibrando a balança, assim como o Google desequilibrou lá atrás ao pedir a presença das pessoas em três dias por semana. Como buscar esse equilíbrio? Tendo pesquisas e respeitando o que está escrito nelas, dentro do que faz sentido. Exemplo: nas nossas pesquisas internas, sempre há demanda para aumento de tíquete. Não é isso que vai nos fazer alterar, até porque fazer tudo que o empregado pede também vai desequilibrar a balança, mas é um ponto importante que precisamos entender para estarmos competitivos com o mercado. No QuintoAndar, buscamos ter um modelo o mais flexível possível. Internamente, olhamos para dados de colaboradores, produtividade e resultado; externamente, também refletimos sobre o que os talentos que queremos buscam. As áreas de tecnologia são full remote, as áreas de suporte são remote-first e as áreas de operação têm frequência no escritório que faz sentido para os times. Tratar as pessoas como adultas é ter respeito por elas. Ninguém faz barulho porque está a fim de fazer barulho, mas sim porque algo incomoda. Às vezes, temos como fazer algo sobre, e às vezes, temos que explicar que vai incomodar mesmo, mas é uma decisão baseada em dados. Quando algo não faz sentido, as pessoas buscam se sobrepor ao sistema. Mas quando você dá os porquês, mostra razoabilidade, isso melhora. 

Você ressaltou a importância do uso de dados. Mas o RH sempre foi responsável por dados. Como fazer esse tema avançar? 

Essa é a resposta de um milhão de dólares. Eu literalmente trabalhei na época dos blocos de papel, anotando no caderno que as pessoas recebiam um comunicado. Antigamente, os dados serviam para demografia: quantas pessoas temos, quantas estão saindo, e por que. Hoje, conseguimos ter inteligência: olhamos os dados, entendemos tendências e vemos insight. Por exemplo, é uma tendência que as pessoas que têm potencial menor também têm um engajamento menor com a empresa. Mas o que fazer com isso? É preciso pensar em soluções. Hoje, o uso equivocado de dados é quando você não traz insights a partir das análises. Em outras empresas, lembro de discussões intermináveis por não conseguir separar completamente as variáveis e demonstrar causalidade. A gente tem que saber quando parar e quando precisa começar a criar hipóteses, que devem ser testadas com os dados. Algo que estamos implementando no QuintoAndar hoje é entender os vieses dentro da avaliação de desempenho – e sobretudo, vieses de diversidade e inclusão. Trabalhamos num sistema que foi criado por homens hétero, cis e brancos. Antes de fechar a avaliação, hoje as nossas lideranças recebem algum alerta que pode acontecer viés, com base nos desvios-padrão, e elas podem voltar nos diferentes recortes e entender se a avaliação está bem feita. Não são os dados que definem a performance, mas eles nos orientam para fugir de um padrão discriminatório. 

O que te preocupa sobre o futuro? 

Uma vez me perguntaram sobre o que o RH tem de mais inovador? Para mim, é o RH que se preocupa com o negócio. Fico preocupada com RHs que se fecham em si próprios e criam soluções só para si. Aqui, fico feliz de estar em reuniões de definição do negócio e de estratégia, porque posso corroborar com as melhores entregas. Há uma frase que me guia: “há duas formas de trabalhar: fazer as entregas com as pessoas ou apesar das pessoas”. Tão importante quanto o quê fazer, é com quem – e me preocupo com as empresas que se distanciam disso. Outra preocupação com o futuro, que pode parecer mais tática, é a comunicação com as pessoas. Muitas empresas fazem um bom trabalho, mas esquecem da troca com as pessoas. É um tema que é super importante – e vejo muitas empresas querendo silenciar as pessoas, não acho que seja por aí. 

Outra mudança importante dos últimos anos é o fato de que a discussão sobre o trabalho se tornou mais pública – até com a ascensão do LinkedIn como rede social. Como você vê o tema? 

Ainda estamos aprendendo – e nisso falo tanto da área de gente quanto dos funcionários. Tem pessoas que fazem uso das redes de forma desproporcional, usando situações específicas para generalizar por completo. É nossa responsabilidade não expor um funcionário, o RH não pode entrar num post e dizer que a realidade não é essa, porque isso é nossa ética, mas os dois lados têm muito o que aprender. As empresas precisam de espaço para criar diálogos. Hoje, as empresas ainda informam muito, mas nem todas sabem como criar diálogos de forma saudável – ainda mais porque as redes sociais têm algoritmos que promovem o ódio. Do outro lado, os colaboradores também têm o lugar de aprender, de saber como expor casos sem generalizar e desrespeitar os trabalhos de todas as pessoas. Acho que é um processo. 

Você passou por empresas de diferentes setores, como BTG, Zamp e QuintoAndar. Em cada uma delas, o futuro é muito diferente. Como você vê o desenvolvimento de pessoas mirando as profissões do futuro? 

Desenvolvimento de pessoas é uma área em que somos muito tradicionais e há muita oportunidade para criarmos. No QuintoAndar, estamos começando pilotos de comunidades de aprendizagem, buscando nos afastar de uma ideia que as áreas são detentoras do saber e as pessoas não. Adultos buscam resolver problemas em comunidades. É uma forma de aprendizado para a qual as empresas ainda não acordaram. No fim do ano, vamos fazer um workshop de desenvolvimento de liderança para 200 pessoas – e vamos levar um problema que não sabemos resolver, mas mostrar as ferramentas que temos para ajudar as pessoas. É uma forma de trazer mais inteligência pro processo, mais autonomia. É um formato novo. As empresas ainda pensam que uma liderança não sabe comunicar e dão um treinamento de comunicação. É um modelo muito antigo. 

Para fechar, você tem alguma indicação para inspirar os RHs para o futuro? 

Tenho três. Uma é um curso da Escola Panamericana que eu fiz em 2018, chamado Cool Hunting. Ele mudou minha perspectiva e me ajudou a entender tendências, olhar para o futuro e entender o que os números estão falando – e que, ao invés de silenciá-los a gente queira ouvi-los para captar um tema. Em termos de livros, indico o Who: The A Method for Hiring, de Geoff Smart e Randy Street,  uma leitura recente que traz uma perspectiva sobre o quanto a liderança deveria focar no “quem”, e não só no “quê”. E para ir um pouco fora da caixa, tem um podcast que eu tenho escutado muito, o The Business of Life, do Nilton Bonder, que basicamente traz pessoas contando sobre decisões que elas tomaram na vida que as fizeram chegar onde chegaram. É uma inspiração. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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