Especialista em felicidade corporativa discute a importância das empresas pensarem no bem-estar dos colaboradores, valorizando relações de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional

[Esta entrevista faz parte do especial Goles de inspiração para o RH em 2025, nosso report com os insights e tendências para guiar os profissionais de RH nos próximos 5 anos. Baixe agora!]
Há quem goste de pensar no RH como uma área que controla as pessoas. Para Deborah Gouveia Abi-Saber, porém, esse pensamento deve fazer parte do passado: “Me assusta quando vejo empresas pensando que todos têm de seguir políticas e pensando em punições. Acredito numa área de Pessoas que monitora movimentos, entende tendências e, a partir delas, desenha boas políticas e bons guias”, diz a vice-presidente de Pessoas do QuintoAndar.
Na empresa desde agosto, a executiva tem um histórico de mais de duas décadas em diferentes indústrias – do universo financeiro (Nubank, BTG Pactual) à indústria automotiva (Fiat) e de bens de consumo (Red Bull). Para ela, o futuro do RH e das organizações está na troca de pronomes: além de pensar no quê, as empresas precisam pensar no quem. Na entrevista a seguir, Deborah explica o que isso significa e como as organizações podem, baseadas em dados, criar parcerias com os colaboradores, tratando-os como adultos.
Vejo duas grandes mudanças – uma mais tática e outra mais estratégica. A mais tática fala sobre People Analytics, uma área para a qual quem ainda não se atentou precisa se atentar. Ela traz outras habilidades para a área de gente, como BI ou cientistas de dados. Para ela, a pandemia foi um marco: ali, nos vimos de uma vez por todas precisando confiar em dados. Sempre me assustou ver conversas com altas lideranças serem baseadas em achismos: há um conhecimento técnico que é essencial. Dados são conhecimento técnico inicial, em busca de conversas mais propositivas, que evitem vieses e saiam do senso comum, saiam de decisões populistas que não vão adicionar nada às pessoas e ao negócio. A mudança mais estratégica é a conversa sobre modelos de trabalho, que praticamente não existia antes de 2020 – talvez em tecnologia, mas não no universo corporativo. Eu vim do mercado financeiro e lembro do pessoal aplaudir se você levantava da mesa antes das 18h. Outra cultura, outro momento, mas hoje parece algo absurdo. É uma discussão que tem empresas indo e vindo – há a carta recente da Amazon, pedindo a volta ao presencial. É preciso refletir ainda que estamos na bolha da bolha, em São Paulo e no mercado de tecnologia, mas se há algo que eu gostaria que estourasse a bolha é uma visão da área de Pessoas não controlar as pessoas. Acredito numa área de Pessoas que monitora movimentos, entende tendências e, a partir delas, desenha boas políticas e bons guias. Me assusta quando vejo empresas pensando que todos têm de seguir políticas e pensando em punições. Você pune clientes externos? Não, então porque puniria quem está dentro? Quando você traz a mentalidade de produto e cliente para dentro de Pessoas, o principal não é um framework: é trabalhar com respeito, entendendo que o ser humano sempre vai buscar “game the system”. Melhor evitar esse duelo. Não precisa existir essa dicotomia entre empregado e empregador – é para ser uma parceria.
Para não ser uma dicotomia, a balança precisa estar em equilíbrio. Para mim, a Amazon está desequilibrando a balança, assim como o Google desequilibrou lá atrás ao pedir a presença das pessoas em três dias por semana. Como buscar esse equilíbrio? Tendo pesquisas e respeitando o que está escrito nelas, dentro do que faz sentido. Exemplo: nas nossas pesquisas internas, sempre há demanda para aumento de tíquete. Não é isso que vai nos fazer alterar, até porque fazer tudo que o empregado pede também vai desequilibrar a balança, mas é um ponto importante que precisamos entender para estarmos competitivos com o mercado. No QuintoAndar, buscamos ter um modelo o mais flexível possível. Internamente, olhamos para dados de colaboradores, produtividade e resultado; externamente, também refletimos sobre o que os talentos que queremos buscam. As áreas de tecnologia são full remote, as áreas de suporte são remote-first e as áreas de operação têm frequência no escritório que faz sentido para os times. Tratar as pessoas como adultas é ter respeito por elas. Ninguém faz barulho porque está a fim de fazer barulho, mas sim porque algo incomoda. Às vezes, temos como fazer algo sobre, e às vezes, temos que explicar que vai incomodar mesmo, mas é uma decisão baseada em dados. Quando algo não faz sentido, as pessoas buscam se sobrepor ao sistema. Mas quando você dá os porquês, mostra razoabilidade, isso melhora.
Essa é a resposta de um milhão de dólares. Eu literalmente trabalhei na época dos blocos de papel, anotando no caderno que as pessoas recebiam um comunicado. Antigamente, os dados serviam para demografia: quantas pessoas temos, quantas estão saindo, e por que. Hoje, conseguimos ter inteligência: olhamos os dados, entendemos tendências e vemos insight. Por exemplo, é uma tendência que as pessoas que têm potencial menor também têm um engajamento menor com a empresa. Mas o que fazer com isso? É preciso pensar em soluções. Hoje, o uso equivocado de dados é quando você não traz insights a partir das análises. Em outras empresas, lembro de discussões intermináveis por não conseguir separar completamente as variáveis e demonstrar causalidade. A gente tem que saber quando parar e quando precisa começar a criar hipóteses, que devem ser testadas com os dados. Algo que estamos implementando no QuintoAndar hoje é entender os vieses dentro da avaliação de desempenho – e sobretudo, vieses de diversidade e inclusão. Trabalhamos num sistema que foi criado por homens hétero, cis e brancos. Antes de fechar a avaliação, hoje as nossas lideranças recebem algum alerta que pode acontecer viés, com base nos desvios-padrão, e elas podem voltar nos diferentes recortes e entender se a avaliação está bem feita. Não são os dados que definem a performance, mas eles nos orientam para fugir de um padrão discriminatório.
Uma vez me perguntaram sobre o que o RH tem de mais inovador? Para mim, é o RH que se preocupa com o negócio. Fico preocupada com RHs que se fecham em si próprios e criam soluções só para si. Aqui, fico feliz de estar em reuniões de definição do negócio e de estratégia, porque posso corroborar com as melhores entregas. Há uma frase que me guia: “há duas formas de trabalhar: fazer as entregas com as pessoas ou apesar das pessoas”. Tão importante quanto o quê fazer, é com quem – e me preocupo com as empresas que se distanciam disso. Outra preocupação com o futuro, que pode parecer mais tática, é a comunicação com as pessoas. Muitas empresas fazem um bom trabalho, mas esquecem da troca com as pessoas. É um tema que é super importante – e vejo muitas empresas querendo silenciar as pessoas, não acho que seja por aí.
Ainda estamos aprendendo – e nisso falo tanto da área de gente quanto dos funcionários. Tem pessoas que fazem uso das redes de forma desproporcional, usando situações específicas para generalizar por completo. É nossa responsabilidade não expor um funcionário, o RH não pode entrar num post e dizer que a realidade não é essa, porque isso é nossa ética, mas os dois lados têm muito o que aprender. As empresas precisam de espaço para criar diálogos. Hoje, as empresas ainda informam muito, mas nem todas sabem como criar diálogos de forma saudável – ainda mais porque as redes sociais têm algoritmos que promovem o ódio. Do outro lado, os colaboradores também têm o lugar de aprender, de saber como expor casos sem generalizar e desrespeitar os trabalhos de todas as pessoas. Acho que é um processo.
Desenvolvimento de pessoas é uma área em que somos muito tradicionais e há muita oportunidade para criarmos. No QuintoAndar, estamos começando pilotos de comunidades de aprendizagem, buscando nos afastar de uma ideia que as áreas são detentoras do saber e as pessoas não. Adultos buscam resolver problemas em comunidades. É uma forma de aprendizado para a qual as empresas ainda não acordaram. No fim do ano, vamos fazer um workshop de desenvolvimento de liderança para 200 pessoas – e vamos levar um problema que não sabemos resolver, mas mostrar as ferramentas que temos para ajudar as pessoas. É uma forma de trazer mais inteligência pro processo, mais autonomia. É um formato novo. As empresas ainda pensam que uma liderança não sabe comunicar e dão um treinamento de comunicação. É um modelo muito antigo.
Tenho três. Uma é um curso da Escola Panamericana que eu fiz em 2018, chamado Cool Hunting. Ele mudou minha perspectiva e me ajudou a entender tendências, olhar para o futuro e entender o que os números estão falando – e que, ao invés de silenciá-los a gente queira ouvi-los para captar um tema. Em termos de livros, indico o Who: The A Method for Hiring, de Geoff Smart e Randy Street, uma leitura recente que traz uma perspectiva sobre o quanto a liderança deveria focar no “quem”, e não só no “quê”. E para ir um pouco fora da caixa, tem um podcast que eu tenho escutado muito, o The Business of Life, do Nilton Bonder, que basicamente traz pessoas contando sobre decisões que elas tomaram na vida que as fizeram chegar onde chegaram. É uma inspiração.
As mais lidas
Sorry, no posts matched your criteria.