Busque por temas

Em alta

“Precisamos entender que sempre estaremos num ambiente de muita mudança”, diz Daniela Nishimoto, da L’Oréal

Com três décadas de experiência no RH, executiva encontrou no setor a capacidade de fazer a diferença; a Cajuína, ela fala sobre formação de jovens, inteligência artificial e como a área de Pessoas precisa estar pronta para responder a mudanças velozes

Bruno Capelas
4 de setembro de 2025
Leia emminutos
Voltar ao topo

Quando Daniela Nishimoto começou a trabalhar no RH, muitos dos termos que são corriqueiros na área hoje – como Business Partner ou diversidade – ainda estavam longe de ser adotados. O que mostra que a diretora de RH da L’Oréal no Brasil tem experiência de sobra na área, embora o brilho no olhar esteja longe de estar perdido. 

“O que me fez e faz ficar no RH é a possibilidade de fazer diferença. Quando encontrei um lugar em que posso fazer programas para fazer a diferença, isso me deixou muito feliz”, conta a executiva, que está na empresa francesa desde 2014, após uma longa jornada em companhias ligadas ao setor automotivo – da Ford à Cummins, passando pela Visteon e pela área de tintas automotivas da empresa química Dupont. “Vivi muitas transições, muitos processos de reestruturação, mas sempre com uma preocupação grande em apoio às pessoas”, recorda Daniela, em entrevista à Cajuína. 

Responsável por cuidar das áreas de operação da L’Oréal em todo o Brasil, a executiva não esconde sua menina dos olhos: o Programa Formare, criado em parceria com a Fundação Iochpe e voltado à formação de jovens para o mercado de trabalho. Estabelecido em 2015, o projeto trabalha tanto habilidades técnicas quanto socioemocionais, em um currículo atualizado anualmente. “Ao longo do curso, eles se transformam em outras pessoas, eles entendem que podem pertencer, é muito bacana de ver”, destaca a executiva. 

Na entrevista a seguir, Daniela conta um pouco da sua trajetória e de como foi a chegada à L’Oréal, uma empresa de cultura europeia e voltada para bens de consumo não duráveis. A executiva também fala sobre os desafios que percebe no RH hoje em dia, como o avanço da tecnologia e as transformações cada vez mais velozes que o universo do trabalho enfrenta. “O que é interessante é que precisamos entender que sempre estaremos num ambiente de muita mudança”.

Daniela, como você foi trabalhar no RH? 

Comecei a trabalhar muito cedo, com 15 anos. Na época, eu fazia o Ensino Médio e o curso de Secretariado, e fui trabalhar na Philips como secretária na área de seleção. Estamos falando do final dos anos 1980, de uma época em que o RH não existia como ele é hoje. O que sei é que a área de seleção era tocada por psicólogos e aquilo me encantou. Tive um gestor que me marcou muito, porque ele sempre falava sobre como as pessoas chegavam ali, quantos “não” elas tinham recebido, e começou a falar sobre a importância da humanização. Isso me despertou o desejo de fazer Psicologia, enquanto continuei a trabalhar como secretária, porque eu precisava ajudar em casa. Depois, abri mão do emprego efetivo para fazer estágio dentro das organizações. Tive a sorte de trabalhar em grandes empresas, a maior parte delas indústrias americanas ligadas ao segmento automotivo. 

Foram várias experiências em diferentes setores – incluindo companhias como a Cummins, a Ford e a Dupont. Como essa trajetória te rendeu aprendizados? 

Depois da Philips, eu trabalhei na Cummins, uma empresa americana de motores, que tinha um RH muito estruturado. Nos anos 1990, por exemplo, já falávamos de diversidade, numa época em que tínhamos acabado de ter a legislação sobre PCDs, por exemplo. Foi uma experiência que me acendeu a importância da diversidade para a organização. Depois disso, trabalhei na Ford, que foi um grande sonho que eu tive: era uma empresa grande, uma sede enorme em São Bernardo do Campo, com 5 mil pessoas. Era tão grande que havia uma linha de ônibus dentro da sede para você ir de um lugar a outro. Mas, ao mesmo tempo em que era uma empresa grande, os processos não eram tão avançados quanto os da Cummins, o que foi curioso pra mim na época. Depois fui para a Visteon, trabalhar como BP – numa época em que a função de BP ainda nem existia, eu era chamada de consultora de RH. Foi muito interessante ser o RH dentro do negócio. Depois, fui para a Dupont, também como consultora de RH, para implementar esse papel dentro do negócio de tintas para indústria automotiva. Ao longo da carreira, eu vivi também todos os altos e baixos da indústria automotiva, negociando com sindicatos, lidando com as oscilações de mercado. Vivi muitas transições, muitos processos de reestruturação, mas sempre com uma preocupação grande em apoio às pessoas. Na Dupont, um orgulho que eu tenho é ter saído como uma das melhores empresas para trabalhar, mesmo em meio à reestruturação, porque os colaboradores falaram que o processo foi feito com muito tato, cuidado e respeito. Minha carreira sempre foi muito pautada nesses princípios. 

Em 2014, você recebeu o convite para ir para a L’Oréal. É uma mudança grande: da cultura americana para a europeia, de bens de consumo duráveis e indústrias de base para bens de consumo não duráveis. Como foram essas mudanças? 

Lembro da primeira vez que eu entrei na fábrica da L’Oréal. Sempre trabalhei em indústrias, mas a da L’Oréal me deixou maluca, com shampoo, linha de máscara, batom. Era uma época em que a L’Oréal estava trazendo automatização para a indústria, que me chamou muito a atenção. Além disso, a L’Oréal tem uma questão forte da liderança feminina, depois de uma carreira que eu vivi indústrias muito masculinas. Quando cheguei, eu estava até num cargo menor, mas percebi uma diferença na autonomia, na possibilidade de fazer mais. E uma das coisas que eu fiz foi o Formare, que reflete o papel e a responsabilidade que a L’Oréal tem com a comunidade. 

Como o Formare começou? 

Em 2014, estávamos num momento de automatização na fábrica. Foi também um período em que olhamos muito nossa estratégia para o futuro. Quais eram as pessoas que queríamos ter em cinco anos? E aí percebemos que precisávamos trabalhar na formação das pessoas. O primeiro passo foi a Academia de Manufatura, que atuou para transformar os nossos operadores. Mas depois, veio o Formare, que buscava atender a questão da oportunidade de trabalho para os jovens. É um projeto da Fundação Iochpe que monta escolas dentro das empresas. E nós trouxemos jovens da comunidade próxima à fábrica para ter essa oportunidade de qualificação e desenvolvimento. Trouxemos a fundação, trouxemos professores da Universidade Tecnológica do Paraná e montamos um currículo adequado, todo baseado na nossa planta, considerando aspectos como tecnologia, segurança e qualidade. 

Como o programa funciona? 

Os jovens ficam de 8 a 10 meses conosco, dependendo do ano, tendo aulas e se preparando para essa formação. Eles começam com a gente aos 17 anos, para terminarem o curso com 18, com a chance de serem efetivados na formatura. Eles vêm de escolas públicas, temos um cuidado muito grande de divulgar o programa na região, fazendo o contato. Além da prova de seleção, nós também visitamos a casa dos jovens, para entender como eles são, como é a família, como vai ser o engajamento com o projeto, como é a vulnerabilidade social e financeira daquela realidade. Nos últimos 10 anos, temos histórias lindíssimas de transformação. Ao longo do curso, eles se transformam em outras pessoas, eles entendem que podem pertencer, é muito bacana de ver. E a transformação também vai para a família, para o círculo social deles, além dos nossos próprios colaboradores. Hoje, quem dá aula pros estudantes são os nossos colaboradores, que se unem pelo mesmo propósito. 

Na última década, as necessidades dentro do ambiente de trabalho mudaram. Como o programa evoluiu nesse período? 

Evoluiu muito. A primeira turma é completamente diferente da turma que está agora, porque os jovens também já têm outro tipo de acesso. O programa, claro, precisa se atualizar, tanto no aspecto operacional quanto no comportamental. Não dá para usar a mesma grande que desenhamos lá atrás, até porque os desafios de hoje são diferentes de 2014. Hoje, por exemplo, temos uma disciplina de um projeto integrador, que eles desenvolvem, e hoje os projetos são muito mais ligados à comunidade, como apoio a orfanatos ou asilos. A questão técnica continua mais parecida: seguimos tendo química, matemática, boas práticas de fabricação. Mas os soft skills vão mudando, porque o perfil do profissional também muda. 

O que me fez e faz ficar no RH é a possibilidade de fazer diferença.

Muitos profissionais não escolhem o RH. Mas é possível escolher permanecer nele. O que te faz trabalhar em RH hoje, Daniela? 

Eu amo o que faço. O que me fez e faz ficar no RH é a possibilidade de fazer diferença. Quando encontrei um lugar em que posso fazer programas para fazer a diferença, isso me deixou muito feliz. Poder trabalhar a transformação das pessoas, dar mentoria para ajudar outros a encontrar o caminho, isso me faz permanecer. Apesar de ser psicóloga, nunca pensei em seguir carreira clínica. Encontrei uma satisfação pessoal dentro das empresas, fazendo o que faço, conectando com as equipes. Ouvir um feedback que ajudei alguém a ser um profissional melhor é algo que enche a minha alma. E trabalhar numa empresa que se preocupa com as pessoas, que tem propósitos similares aos meus, me deixa segura e realizada. 

O RH tem que estar muito preparado para cuidar, para ser uma consciência da organização e trabalhar facilitando os desafios que vão surgir. 

De forma holística, quais são as suas preocupações com o RH para o futuro? 

Acho que estamos vivendo grandes mudanças, seja na discussão da inteligência artificial ou das gerações que estão chegando, entendendo quais as demandas e skills que vão aparecer daqui para a frente. É algo que tenho discutido muito em fóruns e encontros da área. O que é interessante é que precisamos entender que sempre estaremos num ambiente de muita mudança. Há muito mais acesso a informação hoje, então talvez por isso tenhamos a percepção de que as coisas estão indo muito rápido. E não vejo como as coisas vão se acalmar, então o RH tem que estar muito preparado para cuidar, para ser uma consciência da organização e trabalhar facilitando os desafios que vão surgir. 

Para encerrar, você tem alguma dica de livro? 

Tem dois livros bacanas que li recentemente e acho que valem como indicação. Um é o Longevidade, do Steve Johnson, que me pega também porque já estou no grupo dos 50+. É um livro interessante porque traz uma história de como e porque estamos vivendo mais, falando dos avanços dos últimos séculos. Outro é A Cilada da Meritocracia, que fala sobre esse mito fundamental da sociedade que ajuda a alimentar a desigualdade, destruir a classe média e consumir a elite. É um livro que ainda estou digerindo, mas que traz insights muito importantes.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.