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Por que a Tenda empregou 300 refugiados para atuar em obras de sete estados

Construtora focada em moradias populares criou programa específico para contratar migrantes e promover diversidade e inclusão no setor; executivo vê ‘ganha-ganha’ para colaboradores e empresa, além de ‘desmonte de vieses’ entre o time

Vanessa Fajardo
13 de março de 2025
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O fluxo migratório de refugiados venezuelanos para o Brasil em 2021 impulsionou a Construtora Tenda a criar o programa Refugiados em Obras, que nasceu para suprir a escassez de mão de obra na construção civil e, ao mesmo tempo, promover inclusão e diversidade no setor.  

A iniciativa começou com a contratação de três venezuelanos em Goiânia em 2021. Hoje são 300 refugiados, de diferentes origens, sendo a maioria vinda de Angola, além da Venezuela. Os profissionais atuam nos canteiros de obras da Tenda em sete estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Bahia, Pernambuco e Ceará

A companhia, responsável pela entrega das chaves de mais 180 mil apartamentos populares com cerca de 40 metros quadrados, possui um quadro de 4,8 mil funcionários. Os refugiados chegam para trazer riqueza cultural, diversidade religiosa, energia positiva, recebem, em troca, acolhimento dos colegas e oportunidade de desenvolvimento, segundo Lucas Moura, gerente de Comunicação e Responsabilidade Corporativa da Tenda.

“Alguns trabalhadores refugiados trabalham cantando, dançando, têm uma energia super positiva e gostam de contar suas histórias de vida. Há também a mistura de muitas religiões que são novidade e promovem uma troca que permite que se desmonte alguns vieses. Essa bagagem cultural tem um valor muito, muito caro e todo mundo acaba percebendo. O ânimo da equipe, a energia muda, o ambiente fica mais alegre”, diz. 

No papo com Cajuína, Moura falou sobre o “ganha-ganha” do programa, a aproximação com o Fórum Global sobre Refugiados, os motivos que facilitam a inserção desse público na construção civil trabalho e os benefícios para a empresa de integrá-los às equipes.

Para quem é gestor dessas equipes, conviver com pessoas que têm outras personalidades ou pensamentos também enriquece a forma de gestão.

Como nasceu o programa Refugiados em Obras?

Durante a pandemia, em 2021, tivemos muito contato com o fluxo migratório de venezuelanos na fronteira em Roraima, víamos muitas reportagens mostrando e aquilo nos chamou a atenção. Ao mesmo tempo, estávamos com dificuldades de contratar mão de obra também por causa da pandemia e em particular, na região de Goiânia, onde concorremos com a safra agrícola em alguns momentos do ano. 

Imaginando que esses refugiados pudessem ter interesse em trabalhar nas nossas obras, nos aproximamos da AVSI (Associação Voluntários para o Serviço Internacional) Brasil, um parceiro que atua com muitos projetos sociais e tem uma frente de empregabilidade de refugiados. Fizemos um teste com três pessoas em Goiânia e deu certo. 

E como foram os passos seguintes da iniciativa?

O programa foi muito bem sucedido, a gente trouxe mais uma turma, depois expandiu para São Paulo. Quando percebemos já não era mais um piloto, era algo consolidado. Começamos a robustecer, trazer mais governança e nos aproximamos do Fórum Empresas com Refugiados, do Acnur, para aprender e conhecer boas práticas. Este fórum nos estimulou a fazer a submissão no Fórum Global sobre Refugiados e criamos a meta de ter 10% da força de trabalho nos canteiros de obra da Tenda composta por refugiados. Só que ela foi cumprida um ano antes do previsto e nossa empresa virou case em vários outros fóruns. 

Hoje, temos 300 refugiados nos canteiros de obras – o que é equivalente a 12,8% da nossa força nesta área, que tem cerca de 2,3 mil funcionários. Cerca de 90% dessa mão de obra é de angolanos e venezuelanos. Eles atuam em sete estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, Bahia, Pernambuco e Ceará.

Apesar da causa ser nobre ao dar oportunidade aos refugiados refazerem suas vidas no Brasil, eles resolveram um problema da empresa que estava com dificuldades de preencher seus quadros de funcionários. Porém, muitas vezes esse tipo de iniciativa é considerada assistencialista. Como vocês veem isso?

Esta é a diferença entre a filantropia e a responsabilidade social corporativa. A filantropia tem um lado só e a responsabilidade social corporativa tem de atuar nos dois. Ela precisa gerar valor compartilhado em todas as frentes para atingir seu objetivo. 

O Refugiado em Obras atende a necessidade dos trabalhadores que têm carteira assinada. Todos nossos profissionais da obra são CLT, possuem todos os direitos de convenção trabalhista e benefícios de uma empresa grande como a Tenda – além de descontos para comprar um apartamento, que também é uma coisa que para eles interessa muito. Nós temos mão de obra, interesse, engajamento, troca cultural. É um ganha-ganha!

Leia também: Em meio a conflitos globais, contratação de refugiados entra na pauta de grandes empresas

O processo de seleção é diferenciado? Como os refugiados são contratados?

A pessoa chega por meio da divulgação de vagas feita por ONGs parceiras ou via indicação. Cada vez mais, o processo da indicação tem se estabelecido porque os refugiados indicam pessoas que vêm dos seus países, acabaram de chegar ao Brasil e precisam trabalhar. 

Mas sempre passa pela divulgação “mais raiz”, via ONG, divulgação das vagas nos grupos, aí eles passam pelo processo seletivo, explicamos o que que é a empresa, qual é a oportunidade e contratamos. Nos primeiros momentos há um acompanhamento mais de perto até a pessoa realmente se integrar. Depois, naturalmente, ele vai convidando outros conhecidos que chegam ao país. Tem sido assim desde o começo, com todas as nacionalidades. 

Os refugiados trabalham especificamente nos canteiros de obras. Há alguma preocupação com o desenvolvimento da carreira dessa população dentro da empresa?

Temos um modelo de operação na obra muito acelerado, todo mundo começa, seja brasileiro ou não, como ajudante, até para não haver uma dificuldade de integração. A cada seis meses há revisões nas obras. Hoje temos migrantes que já galgaram três ou quatro posições acima, como pintor ou especialista em cerâmica. 

A obra tem esse ritmo dinâmico: a pessoa sai de uma e vai para outra em uma posição diferente.  A empresa estimula a performance. Quando eles atendem os pré-requisitos e batem as metas vão sendo convidados a se movimentar. 

O que você considera que tenha facilitado a inclusão deles no trabalho?

Uma das grandes vantagens da construção civil para a inclusão de imigrantes é que há uma baixa barreira de entrada. Não existe a necessidade de conhecimento em informática ou de falar vários idiomas e nem ter um português pleno para entender o ritmo da obra. Por isso, acredito que a carreira na construção civil favorece muito essa turma, porque eles conseguem se inserir no Brasil com dignidade, garantias trabalhistas e vão aprender a língua no trabalho. O trabalhador precisa cumprir a carga horária e fazer a repetição do trabalho bem feita, ser um bom executor. É por isso que a gente consegue ter uma permeabilidade grande para este público.

Depois de um tempo, se a pessoa tem uma outra vocação ou quer sair para fazer alguma outra atividade, entendo que a gente já cumpriu o nosso papel de fazer essa porta de acesso para ele. Sempre contrato entre duas ou três pessoas de uma vez e os funcionários elegem um padrinho da obra para ajudá-los na inserção. Esta pessoa fica responsável por dar dicas variadas, como o local do ponto de ônibus e o mercadinho mais barato, por exemplo. 

O turnover desse público é 67% menor em relação aos demais. Você atribui esse indicador à falta de outras oportunidades?

Não necessariamente. O migrante teve de fazer uma saída forçada de seu país porque corria algum risco que fere os direitos humanos. Em muitos casos, o Brasil não é o primeiro país que ele está tentando se restabelecer, mas eles chegam com uma expectativa de dar certo aonde forem. 

Então eles valorizam demais as oportunidades. Primeiro, porque não são tão amplas assim, não é simples conseguirem qualquer tipo de emprego. Muitos são formados e não conseguem revalidar o diploma, porque custa caro. Onde a porta se abre, eles entram com força. Quando performam bem e são reconhecidos, tendem a não sair. 

Além da questão óbvia de ter funcionários trabalhando bem, performando e dando resultados, quais os demais ganhos do programa para a empresa? 

Além do turnover baixo, que nos ajuda a não ter de ficar repondo os funcionários, o que custa dinheiro, energia e tempo, outro resultado não tão óbvio é a integração cultural. Ela traz uma riqueza que não é simples de mensurar. Alguns trabalhadores refugiados trabalham cantando ou dançando, têm uma energia super positiva e gostam de contar suas histórias de vida. Isso que faz muitos pensarem: “eu achava que tinha uma vida complicada, mas o cara chegou aqui e contou um negócio que eu não acredito.”

Há também a mistura de muitas religiões que são novidade e promovem uma troca que permite com que se desmontem alguns vieses. Para quem é gestor dessas equipes, conviver com pessoas que têm outras personalidades ou pensamentos também enriquece a forma de gestão. E essa bagagem cultural tem um valor muito, muito alto e todo mundo acaba percebendo. O ânimo da equipe, a energia muda, o ambiente fica mais alegre, tudo isso acaba entrando nesta conta dos benefícios indiretos.

Quais qualificações um profissional precisa ter para ser contratado pela Tenda, independentemente de sua origem?

Quando a gente fala de construção civil, estamos mexendo com sonhos de muitas pessoas, ainda mais no nosso mercado que é o de habitação popular. São pessoas que depositaram uma vida inteira de trabalho naquela compra – e por isso existe uma expectativa muito grande por aquela entrega. É fundamental que nossos funcionários respeitem horários, usem os equipamentos de segurança de maneira adequada para não impactar os colegas, a obra se faz coletivamente. Então, esse senso de pertencimento é fundamental porque as metas do pessoal de obra também são coletivas. Essa união é um fator muito importante para fazer o ritmo de uma obra andar, para lá na frente o cliente receber o que espera. Uma pessoa que tem predisposição para trabalhar e quer se desenvolver na construção civil vai ter oportunidades para crescer na carreira na Tenda. 

Vanessa Fajardo é jornalista, com passagens pelas redações do portal G1 e Agora SP. Também faz contribuições para veículos como Estadão, BBC Brasil, UOL e Porvir.