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Por que a Roche quer ampliar a presença de cães no escritório

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Como o Mattos Filho ampliou a diversidade racial no ‘escritório de advocacia branco’

Em 2019, escritório de advocacia criou o Soma Talentos para aumentar o número de estagiários e advogados negros em suas unidades; após criação de programa pioneiro no universo jurídico, população negra da empresa gira em torno de 20%

Vanessa Fajardo
23 de outubro de 2024
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Um dos líderes do mercado de escritórios de advocacia, o Mattos Filho tinha uma presença majoritária de advogados brancos. Incomodada com essa situação, a empresa criou em 2019 o Soma Talentos, uma política afirmativa pioneira no universo jurídico, com a missão de aumentar o número de colaboradores negros e negras da empresa. 

Sócio-fundador do Mattos Filho, o advogado Roberto Quiroga diz que o escritório não queria apenas fazer o óbvio – contratar mais pessoas negras –, mas sim estruturar uma ação afirmativa com processo de recrutamento específico para esta população. “Só se via advogados brancos”, conta Quiroga. 

“Chegou a acontecer um episódio em que uma recepcionista pediu para uma advogada negra pegar um papel, achando que ela fosse do administrativo. Ela não imaginava que uma advogada negra poderia existir no escritório. Devem ter acontecido várias situações assim e comecei a achar que havia alguma coisa errada”, lembra o executivo. 

Em 2019, a primeira edição do Soma Talentos era exclusiva para estagiários do curso de Direito e ofereceu 10 vagas disputadas por 700 inscritos. Ao longo dos anos, o programa se consolidou, expandindo-se para a contratação de advogados formados. “Hoje, posso dizer com muito orgulho que a nossa população negra deve chegar perto de 20%. Crescemos muito por intermédio de uma ação afirmativa”, afirma Quiroga, que ocupou o cargo de sócio-diretor por dois mandatos no Mattos Filho, sendo o mais recente entre 2020 e março de 2024. O executivo também é professor da Universidade de São Paulo (USP). 

Em 2019, ele também criou a Aliança Jurídica pela Equidade Racial, formada por 12 escritórios comprometidos em promover ações coordenadas para combater o racismo estrutural e promover a equidade racial no mercado jurídico. O movimento fez crescer em 10 pontos percentuais o número de profissionais da área jurídica dessas companhias. Em 2018, eles representavam 1%; já no censo mais recente, de 2021, o índice havia aumentado para 11% do corpo de colaboradores. 

Hoje, o Mattos Filho possui cerca de 1,5 mil profissionais em seu time, com unidades espalhadas por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Campinas, Nova Iorque e Londres. Suas iniciativas de diversidade e governança o projetam nos principais rankings jurídicos internacionais.  Nesta entrevista para Cajuína, Roberto Quiroga, fala sobre os desafios de atrair, capacitar e reter advogados e advogadas negras, ressalta que o trabalho é de longo prazo e frisa que investir em diversidade é acima de tudo, lucrativo. A seguir, leia os principais trechos: 

Como surgiu o Soma Talentos?

Em 2018, não víamos pessoas negras no escritório ou elas eram basicamente da área administrativa. Lembro de ter ido em uma formatura e entre 300 pessoas, só tinha uma negra se formando. Todo mundo já tinha essa consciência e esse tema começou a ser discutido no escritório. Queríamos fazer algo arrojado, uma ação afirmativa, com um processo de recrutamento específico só para pretos e pardos. Falei com nosso sócio gestor e ele topou. Nessa época não se fazia isso, ainda mais na área do Direito que é super conservadora. 

Nós contratamos uma empresa que nos assessorou e começamos um recrutamento só para estagiários com dez vagas. Tivemos 700 inscritos. No primeiro filtro, avaliamos faculdade, habilidades técnicas etc. Na segunda fase, havia uma dinâmica de grupo, na qual formávamos grupos dos candidatos junto com os sócios, além do pessoal do RH. Foi a primeira edição. Hoje, estamos na quinta. Além disso, em 2022, passamos a fazer também o Soma para advogados já formados. 

Atualmente, o Soma é um programa de estagiários e advogados negros, e diria que a maioria dessas pessoas seguem no escritório e percorrem uma carreira, temos um turnover muito baixo. Posso dizer com muito orgulho ainda que a nossa população negra deve chegar perto de 20%. Crescemos muito por intermédio de uma ação afirmativa. 

Por que investir na promoção da equidade racial?

Não é por bondade ou marketing. Estamos muito convencidos de que é uma questão de estratégia. Diversidade gera mais lucro. Hoje temos diversidade de religião, de gênero, do grupo LGBTQIA+, de pessoas com deficiência. Já temos clientes mais progressistas, geralmente de multinacionais, que querem saber quem está na equipe que trabalha para eles. Ainda são minoria, mas eles buscam saber se há negros, mulheres ou representantes da comunidade LGBTQIA+. 

Acabou virando uma condição para trabalhar com o Mattos Filho. Quando o sócio vê que diversidade aumenta lucro, ele se convence e não precisa de mais nada, não precisa ser um filantropo ou grande defensor dos direitos humanos. 

Quando fizemos o nosso programa, há cinco anos, não tinha nenhuma entidade que dava prêmio por diversidade. Agora, há muitas avaliações e rankings internacionais que querem saber da diversidade dentro do escritório. Hoje, deixou de ser uma boa prática para ser uma obrigação. É quase obrigatório mostrar para os clientes que você tem um grupo de diversidade forte. Na questão de gênero na área jurídica, é mais fácil ter diversidade: hoje no escritório somos 60% de mulheres e 40% de homens. Na direção, temos quase 50% a 50%, mas na área racial é a diferença ainda é muito drástica.

Mas e entre os sócios, há negros?

Dos 143 sócios, temos dois que se autodeclaram negros. É claro que na cúpula ainda é muito pouco. Mas é um começo, a ação afirmativa deu certo e foi relevante para o escritório. Agora, o que a gente vai continuar fazendo é reiterar esse processo. 

Como vocês garantem, de fato, que essas pessoas se sintam pertencentes a este espaço em que elas são minoria?

Fizemos mentoria para todos e também demos algumas capacitações para alguns que necessitavam. Um dos requisitos para o escritório é falar fluentemente inglês. Muitos não tinham, mas aceitamos, capacitamos, demos cursos. Nós flexibilizamos algumas regras de entrada para que pudéssemos acolhê-los com capacitação interna. Além disso, temos um grupo de afinidade que também se chama Soma para garantir a integração de toda essa população negra no escritório. 

Depois de cinco edições do programa, qual o principal desafio hoje?

Já sabemos recrutar e trazer as pessoas para dentro do escritório. Agora, estamos na fase de aprender a reter essa população. A gente vê muita gente indo para a carreira pública, é nosso maior concorrente, sem dúvida. Às vezes, o negro fala: “não era nem para estar dentro do Mattos Filho, é um escritório branco.” Ele não se vê aqui dentro. O que nos ajudou foram as cotas nas universidades. Na USP, hoje entram 20% de pessoas pretas, pardas e indígenas, então há uma população maior na base. 

Se não fosse pela ação afirmativa, a população negra chegaria ao escritório? Acredita que ela será necessária até quando?

Acho que a ação ainda será necessária por muito tempo. Foram anos de escravidão e ainda existem muitos resquícios dela, infelizmente. Nós temos um país racista em todos os sentidos. Acredito que as políticas afirmativas ajudam nesse sentido, mas não solucionam o problema: são aceleradoras, que depois podem diminuir. Vamos demorar um pouquinho ainda para não precisar mais disso. Vamos lembrar que toda política afirmativa é temporária: nos EUA, elas começaram na década 50 e 60 e eles conseguiram um feito grande. O Brasil ainda está engatinhando. 

Indo um pouco além das questões raciais, o que um candidato precisa ter para ser contratado pelo Mattos Filho?

Buscamos trazer pessoas de excelência: às vezes, o candidato pode não ter uma competência técnica apurada, mas tem uma competência comportamental muito boa. Tem um ditado em RH que fala que as empresas contratam as pessoas pelas competências técnicas, mas mandam embora pelas competências comportamentais. 

Nas comportamentais, queremos empreendedorismo, criatividade, inovação, saber trabalhar em equipe, influenciar as pessoas. Mas não basta também só ter competências comportamentais: precisa ter um equilíbrio entre as técnicas, é isso que faz a diferença. Não adianta ser formado no ITA, por exemplo, e não saber lidar com pessoas.

Vanessa Fajardo é jornalista, com passagens pelas redações do portal G1 e Agora SP. Também faz contribuições para veículos como Estadão, BBC Brasil, UOL e Porvir.