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Colaboração, pertencimento e cultura: um papo com Érika Magalhães, CHRO da Camil Alimentos

À frente de um time de 6 mil colaboradores, diretora de gente e gestão compartilha desafios e aprendizados ao conjugar engajamento, performance e apelo emocional; para executiva, “arroz e feijão” da Camil está no casamento entre os temas de pessoas e de estratégia

Maria Clara Dias
26 de agosto de 2025
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Há quem diga que a cultura é a espinha dorsal de qualquer empresa. O discreto firmamento capaz de sustentar o bom desempenho de um negócio, mesmo quando o entorno ainda passa por mudanças constantes. Mas para chegar lá, é preciso fazer com que discussões sobre cultura, colaboração e outros temas que são praxe do RH cheguem também à mesa dos tomadores de decisão. Pelo menos essa é a visão de Erika Magalhães, diretora executiva de gente e gestão da Camil Alimentos, que defende que o senso de pertencimento e a importância dada às demandas que vêm do RH nas discussões estratégicas do alto escalão são o verdadeiro “arroz e feijão” da operação. 

Para ela, não é possível desconectar os temas de negócio das pautas ligadas à gente e gestão. “É impossível alcançar o resultado esperado sem que haja o entendimento de que tudo que envolve os colaboradores também são demandas de negócio”, defende a executiva, que já viveu de perto o desafio de conjugar a gestão de pessoas ao desempenho de empresas que demandam por produtividade, especialmente na indústria.

Com formação em Psicologia e passagem por empresas como Allied e Ambev, Erika chegou na Camil há seis anos com o desafio de fazer com que um time de 6 mil colaboradores (muitos deles vindos de aquisições de outras empresas) reconheça o propósito da empresa, disseminando de dentro para fora o clássico “orgulho em pertencer”. A seu favor está o valor já agregado ao arroz e feijão, principais produtos da Camil — e base do cardápio de milhares de brasileiros. “Somos uma empresa de pessoas. Temos arroz e temos feijão, que são produtos palpáveis e que, devido à sua relevância, nos relembram constantemente do valor do que fazemos. Mas ainda dependemos das pessoas, dos talentos e da colaboração”, conta ela. 

Na entrevista a seguir, Erika relembra sua trajetória no RH, que conjuga a gestão de pessoas e a busca por formações complementares em administração de negócios. A executiva também fala sobre propósito e a importância da cultura colaborativa e da educação corporativa para a construção de empresas capazes de unir interesses estratégicos aos interesses de seu próprio time, principalmente em meio à chegada constante de novos talentos derivados de fusões e aquisições. 

O desafio sempre é entender como impulsionar as pessoas frente ao que se espera daquele negócio, usando o potencial humano para atingir os objetivos corporativos. 


Erika, para começar, como foi seu início de carreira em RH?

Estudei Psicologia e, durante a faculdade, já trabalhava na área administrativa de outras empresas. Em 1997, entrei para a Cervejaria Brahma para trabalhar na área financeira.  Logo depois, fui surpreendida com a gravidez do meu primeiro filho. Quando voltei da licença, fui absorvida pela área de Gente e Gestão. Construí uma carreira de dez anos na área de Recursos Humanos da Ambev, passando pela fusão da Brahma com a Antarctica e pelo processo de internacionalização da Ambev, quando ela virou a AB Inbev. Nesse período, assumi muitos cargos e também morei em diferentes regiões. Comecei como analista e fui até a gerência regional, passando pelas cidades de João Pessoa, Natal, Rio de Janeiro e também estive na Bahia. Foram muitas posições e transferências. Após dez anos na Ambev, fui trabalhar no setor sucroalcooleiro, tocando usina de açúcar e álcool, também na área de gente. Depois eu fui para atividade portuária, trabalhando no grupo Libra, também na área de RH. Passei pelo setor de tecnologia, na Allied, onde precisei montar uma operação de RH do zero. Fui para ser diretora de recursos humanos e comecei a ter na Allied o meu primeiro contato com comitês executivos, C-Levels e projetos multidisciplinares. Algum tempo depois, a Advent me convidou para assumir uma posição de vice-presidência de recursos humanos, quando finalmente veio o convite para atuar como diretora executiva de RH na Camil, em 2019. Estou na Camil há seis anos à frente da área de gente e de gestão no Brasil e América Latina. E, falando em estudos, fiz Psicologia, Administração com ênfase na área comercial, uma pós-graduação em Finanças, uma pós-graduação em Psicologia Positiva e também outras certificações em Conselhos pelo IBGC e pela Fundação Dom Cabral. De tempos em tempos tento sempre me atualizar. Gosto muito de estudar.

Você já trabalhou em segmentos diversos, da educação à venda de commodities, como no setor sucroalcooleiro. Como você foi parar na indústria de alimentos? E como essa mudança de áreas impacta no dia a dia da gestão de pessoas?

Mais do que os setores, o que achei mais diferente foram as mudanças de localidade. Trabalhar no Nordeste, por exemplo, exige toda uma adaptação em relação à cultura. Por isso, acho que senti mais os desafios culturais mudando de Estados, trabalhando em Brasis diferentes, do que em segmentos diferentes. A parte boa é que no RH as práticas de gestão de pessoas orbitam de forma parecida, e a grande mudança está no desafio do negócio de cada uma das empresas. Você precisa trabalhar com as pessoas para atender as demandas do negócio, que sempre se alteram. Costumo dizer que gente é gente, em qualquer lugar do país, em qualquer segmento. Mas trabalhar o fator “gente”, no varejo ou na tecnologia, é diferente de trabalhar no setor sucroalcooleiro, por exemplo, em que produtividade é um fator-chave. Para mim, o desafio sempre foi entender como impulsionar as pessoas frente ao que se espera naquele negócio, usando o potencial humano para atingir os objetivos daquele segmento. 

A Camil é uma empresa aberta, com milhares de funcionários e uma estratégia voltada à aquisição de outras empresas. Antes disso, você também já esteve em outras empresas envolvidas nesses processos de fusão e aquisição. Como isso impacta o dia a dia do RH e da cultura, do ponto de vista de gestão de pessoas?

É um grande aprendizado, sem dúvida. Qualquer RH que toca uma fusão ou uma aquisição aprende muito. Acho que quando uma organização decide fazer uma fusão ou uma aquisição, o foco principal do RH está muito atrelado à governança, especialmente nos primeiros 100 dias. Então, há toda uma preparação. Quando você vai ser vendido, há preparação para mostrar o que você é para quem está comprando. E quando você adquire, é preciso entender o que está de fato comprando. Assim, você tem uma preocupação muito grande do ponto de vista de práticas e processos de RH – como a integração da folha, a admissão e o onboarding de cada uma das pessoas, principalmente do ponto de vista de cultura. Na Camil, adquirimos muitas empresas nos últimos cinco anos, e essa preocupação com a fusão cultural sempre foi gritante. Empresas com culturas muito fortes transcendem os cuidados normalmente limitados aos primeiros 90 dias de fusão. Quando você faz uma aquisição, é preciso construir um manual de gestão de cultura, e às vezes até mesmo de gestão de crise. Afinal, estamos trazendo pessoas de culturas muito diferentes da cultura que criamos. A Camil é uma empresa de 60 anos que de repente se viu diante de cinco aquisições. Isso nos levou a iniciar uma jornada focada em cultura colaborativa, com grupos focais e um programa de desenvolvimento da liderança que destaca os aspectos culturais, competências e comportamentos pelos quais as pessoas são avaliadas na empresa. Não é um trabalho trivial, é uma construção a cada dia.

O que “cultura colaborativa” significa, na prática?

Começamos essa jornada em 2023, e hoje trabalhamos com projetos e grupos específicos dentro do RH, falando em aquisições. Esses projetos deslocam pessoas para trabalhar em sinergia com a empresa adquirida. Atualmente, separo dentro do meu próprio time pessoas que vão cuidar desse processo nos primeiros dias pós-compra. Hoje, a cada empresa que a Camil compra, seguimos um “checklist” de coisas que não podemos deixar passar. Para isso, trabalhamos sob o ponto de vista de gestão de projetos, com entregas, sprints e pequenas entregas. Outra coisa que temos em mente quando há uma aquisição é o cuidado para não perder pontos fortes e positivos que essas empresas compradas têm, seja nos processos ou até mesmo nas pessoas. Ou seja, já mudamos processos na Camil em função de processos mais estruturados que vieram de uma empresa adquirida. Quando falamos de cultura colaborativa na prática, estamos falando sobre ouvir as pessoas para poder construir algo conjunto. Temos grupos focais onde promovemos trocas e aproveitamos para reafirmar nossos valores e construir as nossas competências e comportamentos sob a ótica da cultura colaborativa. Esses grupos focais são multifuncionais, com gente de todo tipo e de todas as áreas, falando sobre cultura para fomentar essa aventura. Em 2025, incluímos também as discussões sobre competências, com os comportamentos esperados para colocar de pé essa realidade colaborativa que considera não só a interação entre áreas, mas entre todos os públicos que temos: sejam eles ligados à diversidade de gênero, de raça ou geracional.

Trabalhar com bens de consumo significa estar sempre conectado aos desejos dos consumidores, especialmente quando falamos de marcas que já fazem parte do cotidiano das pessoas. Como, na Camil, isso se traduz também na gestão de pessoas?

A resposta está em trabalhar dentro de casa os pilares de engajamento, orgulho e respeito. Temos uma jornada muito grande de falar do nosso propósito, que é “alimentar relações que trazem mais sabor para o dia a dia”. Sabemos que é preciso estar muito conectado com as nossas marcas, com as nossas categorias. Temos a nosso favor o fato de trabalhar com a comida, afinal, o alimento está na mesa de todos os brasileiros. O que produzimos é muito nobre. É arroz, é feijão, é açúcar, é pescado. Lidamos com marcas que têm um apelo emocional para o nosso consumidor final, e precisamos traduzir essa emoção e esse apelo também para os nossos colaboradores. Então engajamento é uma veia muito relevante. Na prática, temos uma jornada dividida por categorias. Temos a “escola do feijão”, a “escola do arroz”, entre outras, nas quais capacitamos cada colaborador a entender como é trabalhar naquela categoria e que atributos é preciso destacar sobre cada marca pertencente a ela. É algo ainda mais forte entre a nossa força de vendas, como nossos promotores. As escolas também se unem à nossa academia, olhando para o desenvolvimento da nossa liderança para que a nossa liderança cada vez mais aterrisse nesse ato de pertencer. 

Ao mesmo tempo, muitos dos produtos da Camil são básicos no dia a dia dos brasileiros — e tendem a ser tratados até como commodities, ou, com o perdão do trocadilho, “arroz com feijão”. Como essa discussão comercial se conecta à cultura? Seria na questão das escolas, como você comentou?

Sim, ela se traduz nas escolas e no engajamento. Fomentamos nosso propósito, que é alimentar relações, com um material cheio de números que vai para o mercado e que está em nossas Relações Institucionais, mas o alto giro e alto valor está dentro de casa. Criamos um ativo, e tudo gira em torno de as pessoas conhecerem os produtos, a categoria, e como as competências organizacionais e comportamentos esperados têm foco no nosso consumidor e no nosso cliente.

Além de VP de RH na Camil, você também atua em alguns conselhos e se especializou bastante em liderança executiva. Quais habilidades que vêm dessa frente de governança corporativa hoje você consegue implementar, do ponto de vista do RH, na Camil?

Sempre acreditei que não é possível fazer um trabalho de gestão de pessoas sem estar por dentro do negócio. Desde que entrei na Camil, transformando a área de DHO para uma área de gente e gestão, passamos a olhar de forma mais estruturada para metas, planejamento estratégico e direcionamento estratégico. Não dá para desconectar os temas de gente do tema de gestão. Pra mim eles estão muito interligados, porque as nossas práticas de gente gestão precisam fazer frente ao que se espera do negócio. Então tentamos alinhar os objetivos estratégicos de uma organização, que só serão atingidos se  trabalharmos bem as pessoas. Isso está muito claro aqui dentro da Camil, onde as pautas de gente assumem um papel muito grande, seja nos seus comitês, seja como parte das pautas do próprio Conselho. Além disso, fui atrás de estudar sobre o assunto, buscar informação e conquistar as minhas certificações para poder botar tudo isso de pé. Preciso fazer com que as pautas de gente façam sentido frente ao negócio. Somos uma empresa de pessoas. Temos arroz, temos feijão, temos um produto palpável, mas dependemos das pessoas. Então, precisamos deixar todo mundo conectado.

Além do olhar para os estudantes e recém-formados, a Camil também conta com programas internos para capacitação de lideranças. Conta um pouco como tudo isso funciona, e o que é ensinado, na prática, a esses líderes?

Temos definida uma grande pauta por ano, com base em gaps comportamentais do último ciclo, percebidos na avaliação comportamental. Desta vez, o tema é comunicação, que com certeza será algo a ser trabalhado na Escola de Liderança, além de temas como inteligência artificial e inovação. Então precisamos situar a liderança sobre esses aspectos. A cada ano, a pauta da escola de academia de liderança se relaciona com o que se espera para aquele negócio, seja do ponto de vista de resultados, seja do ponto de vista comportamental.

Como você enxerga o RH nos próximos cinco anos? Algo nesse futuro te preocupa e pode impactar a maneira como você atua na área?

Não vejo como preocupação, mas temos um desafio geracional muito grande. Precisamos trabalhar isso, porque o mundo digital, da inovação e das novas tecnologias precisa ser implementado, seja dentro da organização, seja com a liderança. Vemos que essa jornada já começou, mas ainda há muito a se fazer na frente de conhecimento, e sobretudo na aplicação prática desses conhecimentos. Ainda falando desse desafio geracional, esbarramos no desenvolvimento. Temos de ter cada vez mais alternativas de desenvolver as pessoas justamente nessa frente tecnológica de um modo que abrace a questão geracional. Para mim, a capacitação de adultos é uma pauta importante e que me desafia a cada dia, porque constantemente exige mudança no modo de olhar para o futuro buscando a melhor forma possível de capacitá-lo diante de tantas coisas que estão à nossa disposição no mercado.

Jornalista de negócios, empreendedorismo e tecnologia. Passou por publicações como Exame, Época Negócios e Autoesporte, além de colaborar com reportagens especiais para a Gazeta do Povo. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria Jornalismo de Revista pela ABF em 2022.

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