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Como a Mantiqueira usou a cultura corporativa para se tornar a “love brand” dos ovos

Marca nacional decidiu reforçar sua cultura corporativa para ganhar espaço em um mercado tradicional; objetivo era disseminar valores e pilares de marca aos 3,4 mil funcionários

Maria Clara Dias
9 de julho de 2025
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Ter o nome lembrado de modo automático quando uma categoria de produtos é mencionada é o grande sonho de toda marca, e de seus respectivos profissionais de marketing. Tornar-se onipresente na mente dos consumidores, porém, é uma missão árdua — e que pode ser ainda mais complicada quando envolve itens que são commodities, como alimentos. Na Mantiqueira, marca nacional de ovos, a saga por um posicionamento sólido no mercado, intensificada nos últimos anos, comprova a máxima. Atual líder no segmento, a empresa mostra que a caçada pelo título de “love brand” é um esforço que extrapola as baías do marketing e atinge áreas estratégicas como RH, comunicação interna e até mesmo a produção, no dia a dia das granjas da empresa. 

Diante disso, tornou-se um pouco mais simples responder à clássica pergunta sobre quem veio antes: “o ovo ou a galinha?”. Na Mantiqueira, a cultura corporativa antecedeu a popularidade da marca. “Para a sua marca ser essencial para o consumidor, você precisa que as pessoas entendam a estratégia do negócio. Todos precisam acreditar no propósito”, defende André Carvalho, diretor de inovação e marketing da Mantiqueira, que hoje conta com um time de 3,4 mil pessoas.

A crença está baseada na afirmação de que não é possível criar marca forte e abundante nas despensas da população se os próprios colaboradores não reconhecerem os princípios e propósito do local onde trabalham. A empresa fez isso ao unificar esforços de employer branding – de um processo de contratação e onboarding voltado ao branding a um escritório temático e reuniões periódicas para comunicar mudanças envolvendo os pilares estratégicos do negócio.

Na entrevista a seguir, André fala sobre como os esforços para o posicionamento da marca nasceram das ações de cultura corporativa e employer branding, unificando áreas como marketing, inovação e comunicação interna. Ele também dá dicas para empresas que desejam construir marcas fortes com o auxílio de seu principal ativo: a força de trabalho. 

Tudo começa pela comunicação aberta e transparente entre todos os níveis hierárquicos, para que todo mundo entenda o seu papel dentro da organização e para onde estão indo.

Para começar, André, como tem sido transformar uma commodity em um item de desejo, e criar toda uma marca em torno de ovos?

Estamos atuando de maneira mais intensa nesse processo de criação da marca nos últimos dois anos, o que coincidiu com a minha entrada na empresa. Fui convidado para trabalhar na Mantiqueira já com esse objetivo de colocar “marca no ovo”. Essa era a missão. O primeiro passo para isso é acreditar que nossa marca tem que ser essencial para o consumidor. Queremos que ele chegue ao supermercado e, caso não encontre as nossas marcas, pense: “nossa, e agora?” Só que para chegar nesse nível, a ponto do consumidor se preocupar e não pegar uma marca concorrente, é uma construção de longo prazo. Internamente, esse trabalho deriva de um planejamento da empresa que começa o fortalecimento da marca corporativa, a marca Mantiqueira Brasil, onde concentramos todo o rebranding. Após isso, nós olhamos com mais cuidado para a marca Happy Eggs, que é a nossa marca de galinhas livres. Desde 2020, nós não construímos mais nenhuma unidade de gaiola. Isso foi um compromisso firmado pelo fundador, e estamos respeitando desde então. Por acreditar nessa nova forma de consumo preocupada com o bem-estar animal, e com todos esses temas relacionados à sustentabilidade e ESG. Quando falamos de Happy Eggs, houve um envolvimento da diretoria na definição dos planos de crescimento e investimentos, porque não é barato mudar o sistema de gaiola para galinha livre. Viemos executando isso ao longo dos últimos cinco anos, mas nos últimos dois anos foi quando efetivamente as galinhas começaram “a botar o ovo”, então sentimos a necessidade de olhar para a marca e construí-la de uma forma diferente e comunicando efetivamente para o consumidor o que é esse conceito de galinha livre. Tudo isso foi pautado numa crença muito forte de toda a nossa diretoria de que o que vai agregar valor no nosso produto é o fortalecimento das nossas marcas, além de um controle obsessivo em relação à qualidade dos nossos produtos.

Mais do que um esforço de “branding”, a reconstrução da Mantiqueira, como marca, também partiu de um trabalho de cultura corporativa. Conta um pouco sobre esse processo todo.

Essa definição de estratégia começa na marca corporativa, e se desdobra dentro da estratégia da Mantiqueira. Nós temos 12 pilares estratégicos que são constantemente observados pela diretoria. O primeiro deles é desenvolver marcas vencedoras. Com isso, fica declarado que, dentro das prioridades estratégicas para a sobrevivência do negócio, está a construção de marca. Isso é algo muito novo, já que o marketing em algumas empresas acaba sendo quase um subproduto.
Da perspectiva das pessoas, tivemos uma grande mudança nesse último ano: o nosso ambiente corporativo. Se você entrar no nosso escritório, não dirá que é de uma empresa que vende ovo. Muito provavelmente, vai achar que é um escritório de uma empresa de publicidade, uma agência de criação de internet… porque ambientamos todo o espaço com o que acreditamos ser a essência da nossa marca corporativa, com elementos que conversam com cada uma das marcas. Também levamos esse ambiente corporativo para as nossas fábricas, para que as pessoas também tivessem esse amor, esse cuidado, essa paixão pela construção das marcas, lá na ponta da produção. Sabemos que uma coisa é termos uma área de marketing construindo o posicionamento da marca, o branding. Outra coisa é o time comercial que está no front, efetivamente levando o propósito da marca para os clientes, e também aqueles que estão na produção e têm papel vital na logística, na garantia da qualidade, na entrega dos ovos aos nossos clientes. A ambientação do nosso escritório e das nossas unidades teve esse objetivo: convidar todo mundo a refletir sobre as marcas e se sentir parte única delas.

E como, dos bastidores, foi possível desenvolver essa mentalidade nos colaboradores? Afinal, uma marca forte e “amada” se faz não apenas nas gôndolas, mas também na mente do consumidor e daqueles que fazem a operação acontecer.

Além do ambiente corporativo, nós revisitamos todo o onboarding dos funcionários. Não é fácil recrutar para uma empresa de ovo. Parto da premissa de que não é todo mundo que sai da faculdade e fala “eu quero trabalhar numa empresa de ovos”. Pela notoriedade que temos em técnica e produção, contratar para essas áreas é um pouco mais fácil, mas não nas áreas administrativas. Então, fomos revisitando todo o nosso processo de seleção para as áreas mais carentes de novos talentos, incluindo logo no primeiro contato com o candidato o posicionamento da nossa marca corporativa e uma explicação do que somos, nosso propósito e o fundamento por trás da filosofia de extinção das unidades de gaiola. Mostramos que acreditamos que o futuro da nossa empresa está no bem-estar animal e nas galinhas livres. Isso começa na entrevista e vem sendo desdobrado ao longo de todo o processo de onboarding.

Também criamos um manifesto corporativo, que fala sobre o propósito da nossa marca. Havia muitas dissonâncias sobre o caráter da nossa marca, especialmente a Happy Eggs. Corrigimos isso ao longo do tempo para dar consistência interna ao posicionamento. Resumidamente, nesse processo de construção, o primeiro passo foi o fortalecimento da marca corporativa e a inclusão da construção da marca do desenvolvimento de marcas vencedoras como um pilar estratégico. Esse pilar estratégico tem todo o desdobramento de como a gente executa ele com os stakeholders, seja funcionário, cliente, transportadora, mídias externas ou digitais. Falando de pessoas, estamos promovendo um ambiente onde se discute e se visualiza mais das nossas marcas, como o exemplo do escritório corporativo.

Por falar em fortalecimento de cultura, a Mantiqueira foi recentemente adquirida parcialmente pela gigante JBS. Como isso implica, na prática, no dia a dia dessa transformação cultural interna? Ou seja, como unir as estratégias de marca que estão fazendo aos direcionamento que vêm da matriz?

Ainda é algo muito recente. Até o momento, não tivemos nenhuma mudança na nossa forma de trabalho nem na nossa cultura. Potencialmente isso pode vir a acontecer, mas não acredito que haverá uma mudança real na cultura. Na prática, o que vemos agora é uma parceria entre as duas empresas, que têm crenças e valores similares. O que está por trás dessa transação é o desejo da JBS de diversificar o segmento de proteína, enquanto a Mantiqueira quer ganhar acesso mais rápido a mercados e ser mais produtiva. As sinergias vão caminhar muito mais nesse sentido de redução de custo e de expansão de mercados. Do ponto de vista de cultura e gestão de pessoas, acho que vai ser mantido o “jeitão” da Mantiqueira, porque assim tem sido até então.

E em que momento esse esforço de marketing estratégico esbarrou (e ainda esbarra) em outras áreas do negócio? Há envolvimento, por exemplo, do RH, nesse processo todo?

Quando construímos o posicionamento da marca Happy Eggs, tivemos toda a diretoria participando do projeto ainda na fase de construção do posicionamento da marca, além de um grupo de gerentes experientes da empresa e funcionários de cada uma das unidades — justamente para trazer esse olhar da produção. Hoje, diria que falar das nossas marcas faz parte da rotina, e vai do marketing ao RH, operação e vendas. É algo intrínseco.

Para além do reconhecimento do mercado e dessa posição de “top of mind” da categoria, que tipo de impactos vocês enxergam, de um ponto de vista organizacional, a partir dessas diretrizes de cultura e branding adotadas?  É possível dizer que houve melhorias em indicadores-chave como retenção de talentos, melhoria no engajamento, entre outros?

Temos um marco, que foi a construção da nossa planta de Primavera do Leste, em 2009. De lá para cá, a empresa multiplicou seu tamanho por 12 vezes. Quando olho para o início do movimento de galinhas livres, entre 2020 a 2025, nós crescemos o nosso faturamento em oito vezes. Então nos últimos cinco anos, multiplicamos o tamanho da empresa por oito. Pouquíssimas empresas, talvez apenas startups, têm um crescimento tão acelerado. Junto a isso, estamos melhorando a nossa política de benefícios. Implementamos, há dois anos, o Wellhub para os funcionários, atendimento online de questões psicológicas e intensificamos os treinamentos para o nosso time. Fizemos todo um mapeamento da nossa política de remuneração e, ainda que não seja perfeita, estamos buscando enquadrar todos os nossos funcionários dentro de uma média adequada de mercado. Todo esse crescimento da empresa, principalmente nesses últimos cinco anos, também está sendo refletido nos colaboradores em forma de benefício, políticas de salário, reconhecimento e promoções. 

Nosso quadro administrativo é pequeno. Somos uma empresa muito intensa nas unidades de produção, mas com uma administração mais enxuta, até pela natureza do negócio. Mas no quadro administrativo, de 150 pessoas, tivemos uma taxa de promoções de 42% no ano passado. Tínhamos muitas dificuldades de recrutamento nas unidades mais distantes, o que não acontece mais. Toda essa fortaleza de marca e a comunicação que estamos fazendo (associada também à uma nova política de benefícios ao plano de saúde, por exemplo) está cooperando para que a gente consiga fechar vagas muito mais rápido. Vagas que demoravam até 40 dias para serem fechadas, hoje levam no máximo 15 dias nessas unidades. Junto ao turnover baixo que já temos, isso mostra como conseguimos crescer e ao mesmo tempo trazer a nossa população, o nosso pessoal, junto com a gente.

Tem uma frase que usamos muito que é “alimentar as pessoas é alimentar boas relações”. Então brincamos com a questão de alimentar as pessoas com os nossos ovos, mas ao mesmo tempo alimentar boas relações.

E o turnover? Sabemos que na indústria, a rotatividade costuma ser alta.

A média de tempo de casa é absurdamente alta, é muito comum a gente ver pessoas com 20 anos, 25 anos, 30 anos de casa. Muita gente participou de todo o crescimento da Mantiqueira e se orgulha muito disso. Para o fundador da empresa, a palavra gratidão é uma coisa muito forte. E ele traz isso ao pé da letra. Isso não está escrito em nenhum manual de RH, mas no dia a dia é o que sentimos. É uma empresa que também retém muitas pessoas porque mantém uma característica de simplicidade. É uma empresa que foi fundada em Itanhandu, em Minas Gerais, aos pés da Serra da Mantiqueira, uma cidade de dez mil habitantes, como um projeto muito ambicioso. E essa simplicidade de Minas Gerais, essa simplicidade de Itanhandu e um jeito fácil de conviver no dia a dia faz parte da cultura da empresa. Tem uma frase que usamos muito que é “alimentar as pessoas é alimentar boas relações”. Então brincamos com a questão de alimentar as pessoas com os nossos ovos, mas ao mesmo tempo alimentar boas relações. Então isso faz com que o ambiente corporativo seja muito leve. Óbvio que não é o mundo perfeito: como toda empresa, temos problemas. Mas essa leveza que inclusive permite discussões sobre marca de uma forma muito mais fácil, porque as pessoas têm extremo orgulho de tudo que está acontecendo na Mantiqueira. Quando você propõe o desenvolvimento de uma marca para a categoria de ovos, algo bem tradicional, não há resistência em relação a qualquer projeto ou ambição futura. 

Que boas práticas adotadas pela Mantiqueira excedem a área de marketing, e que podem ser colocadas em prática por empresas que também reconhecem a cultura corporativa como passo fundamental para criar marcas fortes?

Uma prática interessante vem do nosso comitê de comunicação, que pertence à área de comunicação interna em cada uma das unidades. Com ajuda do business partner, responsável por organizar esse evento, ficamos sabendo rapidamente quando teve alguma pergunta, dúvida. O fato de nossa comunicação interna estar dentro do marketing e, assim, prestar serviço para o RH é um diferencial, já que normalmente essa área está dentro do RH.  Isso acontece para que justamente a comunicação interna tenha um viés estratégico e de construção de marcas, do que estar no RH, onde as pessoas estão mais preocupadas com a comunicação do feriado, mudanças internas ou sobre a chegada de alguém na empresa. Não é algo comum isso nas estruturas das empresas. Para nós, a área de comunicação interna estar dentro do marketing deriva do desejo de ter uma visão mais completa de tudo que está acontecendo.

Falando de estratégia e cultura corporativa, é um desafio conciliar o que acontece no escritório, nas fábricas e nos pontos de distribuição. Como vocês monitoram as iniciativas para entender se a disseminação da cultura e o posicionamento da marca têm funcionado ao longo da empresa inteira? 

Um ótimo exemplo está no reconhecimento do branding como algo vital para a estratégia. Como o desenvolvimento de marca é um dos 12 pilares, procuramos repetí-los em todos os níveis da organização, ao longo dos 12 meses no ano. Nós promovemos uma discussão sobre cada um dos pilares uma vez por mês. Temos uma reunião interna que se chama PIU, que acontece normalmente às quartas-feiras, onde a gente produz um texto falando efetivamente de algum dos pilares da estratégia, como ela se desdobra, e todo o departamento se reúne para detalhar isso e dar recados importantes. Isso tudo não acontece só no ambiente corporativo, mas em toda Mantiqueira. Isso facilita demais quando falamos de construção de marca. O entendimento da estratégia está muito claro para todo mundo. Todos sabem para onde a empresa está indo. 

Todos os pilares estratégicos precisam de pessoas boas e conectadas. Quando conectamos as pessoas a essa estratégia, a execução é muito mais rápida e muito mais efetiva.

Que lições a Mantiqueira, sob a sua liderança, deixa a outras empresas, no sentido de integração entre áreas como marketing, RH, comunicação e inovação?

Acredito que o fato de que uma estratégia de marca, de branding, nasce no marketing, mas é executada no front pelo time de vendas, pelo time de qualidade, pela produção. E precisamos de pessoas. Então, todos os pilares estratégicos precisam de pessoas boas e conectadas. Quando conectamos as pessoas a essa estratégia, a execução é muito mais rápida e muito mais efetiva. Se pudesse resumir, diria: para a sua marca ser essencial para o consumidor, você precisa que as pessoas entendam a estratégia. Assim, a execução de qualquer projeto dentro da sua organização vai ser muito mais efetiva, muito mais eficiente e tudo isso vai entrar numa roda positiva de crescimento e produção de resultados. De tudo que fizemos até agora, essa conexão e discussão aberta da estratégia da empresa e da estratégia das marcas vinda do alto escalão até o nível operacional, é o que está motivando esse crescimento todo. Comunicar estratégia, atualizar o que está acontecendo, o que deu certo, o que deu errado, os resultados de cada unidade. Então é isso: uma comunicação aberta e transparente para que todo mundo entenda o seu papel dentro da organização.

Jornalista de negócios, empreendedorismo e tecnologia. Passou por publicações como Exame, Época Negócios e Autoesporte, além de colaborar com reportagens especiais para a Gazeta do Povo. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria Jornalismo de Revista pela ABF em 2022.