Diante dos últimos acontecimentos envolvendo grandes e prestigiadas universidades dos EUA, surge o questionamento: qual o impacto de políticas anti-imigração para as instituições de ensino e as grandes empresas do mundo todo?

Microaprendizado. Inteligência artificial. Engajamento. Trilhas de aprendizagem. Personalização, customização. Apoio das lideranças. Pressão para desenvolvimento rápido. Muitas são as dificuldades dos dias de hoje quanto ao treinamento e desenvolvimento de profissionais – um dos desafios mais presentes na vida do RH contemporâneo. Diante de tanto obstáculo e tanta tendência, para onde olhar? Na visão de Mariana Achutti, CEO da Newnew, empresa com foco em educação corporativa, o primeiro passo é escutar quem precisa ser desenvolvido.
“Nós nunca perguntamos para quem é capacitado o que eles querem aprender ou como querem aprender”, conta a executiva, cuja empresa lança nesta semana o relatório “O Olhar do Aprendiz”. Com entrevistas qualitativas e quantitativas, a pesquisa joga luz sobre as necessidades de colaboradores em diferentes tipos de empresas, traçando um retrato da educação corporativa atual: segundo o estudo, 57% dos profissionais dizem ter motivação para aprender, mas 60% das pessoas dizem que não conseguem aplicar na prática o que aprendem. “É por si só um fator desmotivante”, ressalta Mariana.
Outro fator que desmotiva muitos colaboradores, diz a especialista, é a falta de apoio das lideranças: apenas 15% dos entrevistados disseram que os gestores auxiliaram a construir um plano de carreira com o desenvolvimento. “Muita gente só recebe um email do gestor com o link de um curso. Isso não quer dizer nada, sabe?”, comenta a CEO da Newnew. No relatório, além de estatísticas, a empresa também traz arquétipos de aprendizes na educação corporativa – e mostra como o RH pode ir além de uma “pasteurização” existente no mercado.
Na entrevista a seguir, Mariana fala mais sobre o que levou a newnew a se debruçar sobre o tema, destrava assuntos como microlearning e segurança psicológica e discute o momento em que a inteligência artificial transforma a experiência de educação. Ela também faz um chamado para repensar a educação corporativa.
Não é sobre entrega, é sobre experiência. É sobre design, curadoria e qualidade. As pessoas não querem fazer muito investimento em tempo e grana. Elas querem um bom investimento em tempo e grana.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Eu trabalho com educação há mais de 15 anos. Em 2014, fundei a Sputnik, uma escola de educação corporativa que era parte da Perestroika. Fui sócia do grupo até o ano passado, trabalhando com as principais empresas do Brasil e levando essa nova forma de educar, pensar e levar habilidades contemporâneas para as empresas. Encerramos a sociedade por questões societárias, mas também porque eu sentia um incômodo com o que o mercado de educação tinha virado nos últimos dez anos. Há uma década, o mercado estava muito sedento por disrupção, por novas formas de aprendizado, por levar habilidades contemporâneas dentro de um ecossistema organizacional. Com o passar dos anos, especialmente após a pandemia, vi uma crescente em investimento, uma crescente na quantidade de fornecedores, mas também uma pasteurização da capacitação dos profissionais. O mercado passou a demandar uma capacitação no menor tempo possível, com o maior budget, de maneira muito rápida, mas com profundidade e uma experiência envolvente. Ou passou a pedir coisas discrepantes, como dar o melhor treinamento para a liderança, mas não investir muito para o resto da empresa. Ao mesmo tempo, nós também sempre lançamos muitos relatórios de tendências, com dados profundos, densos, maravilhosos. Mas todos bebiam da mesma fonte: especialistas de mercado, RHs, T&D, todos imaginando o futuro da educação. Nós nunca perguntamos para quem é capacitado o que eles querem aprender ou como querem aprender. Essa foi a grande motivação para o estudo: eu não quero saber o que o RH ou o especialista em andragogia acha. Eu quero saber o que está motivando ou não os profissionais que precisam ser capacitados.
As respostas são muito esclarecedoras em uma direção. Não é que as pessoas não têm vontade ou tesão de aprender, mas elas não veem valor na forma do aprendizado. A curadoria está tão pasteurizada, com baixa qualidade, que isso até causa um trauma no aluno. É algo que faz sentido com a era de infoxicação que a gente está vivendo: muita gente sente que não tem mais tempo para nada, não quer ver nada. E para mim, isso traz um novo jeito de pensar a educação corporativa hoje. Não é sobre entrega, é sobre experiência. É sobre design, curadoria e qualidade. As pessoas não querem fazer muito investimento em tempo e grana. Elas querem um bom investimento em tempo e grana.
Nós ouvimos profissionais de maneira qualitativa e quantitativa. Hoje, 57% dos profissionais dizem que têm motivação para aprender, mas 60% das pessoas dizem que não conseguem aplicar na prática o que aprendem. Isso por si só é um fator desmotivante. Não adianta ter motivação e fazer o curso se ele não tem nada a ver com o dia a dia. Outros dados interessantes: 59% dizem que preferem aprender aplicando problemas reais, e não apenas consumindo conteúdo de maneira massiva. Além disso, 72% preferem conteúdos curtos e diretos. Ou seja: não basta que o microlearning exista, mas ele precisa ser direto. Outra discussão importante passa pelo trabalho híbrido. Muitas pessoas ainda veem a importância da conexão com o aprendizado – e nesse contexto, o digital se torna uma barreira muito grande, porque as pessoas ficam com a atenção difusa nesse meio. Para fechar, outro dado que me chamou a atenção tem a ver com a liderança: apenas 15% dos entrevistados disseram que os gestores auxiliaram a construir um plano de carreira com o desenvolvimento. Muita gente só recebe um email do gestor com o link de um curso. Isso não quer dizer nada, sabe?
A partir do que a gente percebeu com os entrevistados, conseguimos clusterizar o perfil das pessoas que estão hoje nas organizações e como elas encaram a educação. São quatro arquétipos principais. O primeiro é o equilibrista digital, que é um cara que está infoxicado, hiperconectado, e talvez não consiga se engajar com nada. Outro é o investigador estratégico, que pode se engajar, mas só se ele ver um retorno sobre o investimento de se engajar com um aprendizado. Já o explorador intencional é um arquétipo que tem muita intenção de explorar novos mundos, mas é muito criterioso com o que vai aprender – e isso não necessariamente está ligado a algo corporativo, mas talvez num aspecto mais sociopolítico, cultural, comportamental. Ele vai questionar o porquê de aprender algo corporativo. E por fim, há o explorador entusiasta, que engaja em tudo. A partir disso, fomos buscar formas de ajudar os times de RH e T&D a criar as melhores estratégias para cada um, pensando tanto em formatos como abordagens de aprendizado, porque sabemos que ninguém aprende da mesma forma. Além disso, o estudo também fala da importância de trazer a liderança como patrocinadora do processo de aprendizagem e a relevância das soft skills dentro do mundo do trabalho. Na era da inteligência artificial, o foco está em fazer as perguntas certas – e para isso é preciso desenvolver pensamento crítico, analítico, mas também a inteligência emocional e a segurança psicológica.
Acredito que vivemos uma ressaca do microlearning – e isso nos faz viver entre dois paradoxos. Um é que as pessoas precisam ser cada vez mais generalistas, porque precisam aprender sobre muitas coisas num curto espaço de tempo para a profissão. Ao mesmo tempo, é possível escolher no que se pode aprofundar mais para virar especialista, mas é difícil ter tempo para isso. O generalismo é muito interessante, mas é muito perigoso, e eu conecto isso com o microlearning. Não dá para dizer que você viu três stories e dizer que já entende sobre um assunto. Quando se fala de educação, é preciso dar ferramentas e conteúdos para alguém conhecer de maneira profunda. O microlearning pode existir, mas ele precisa coexistir com um momento de estudo aprofundado, de slow learning. É outra tendência que apareceu no estudo: as pessoas não querem aprender sobre muitas coisas, mas sim querem aprender profundamente sobre coisas que vão ter sentido para elas. E é preciso ser cauteloso com o microlearning e com o generalismo.
É um exercício que as empresas precisam fazer: se elas querem tanto que os colaboradores sejam protagonistas, elas também precisam ouvir como criar esse protagonismo.
O primeiro passo é mostrar que o aprendizado faz sentido para o colaborador, para o profissional. Antes de mais nada, é preciso motivar o colaborador a enxergar que aquilo vai mudar a vida dele, vai ter uma aplicabilidade prática. O segundo é trazer a segurança psicológica, mostrando justamente que a tecnologia é uma aliada e não alguém que vai roubar seu emprego. É preciso fazer o colaborador entender que ele vai ser mais produtivo com o auxílio de IA, da mesma forma que ele será mais produtivo se adotar uma metodologia ágil ou tiver soft skills bem habilitadas. Por outro lado, é preciso também fazer a pessoa entender que ela pode não ter emprego se não souber lidar com a nova tecnologia. É preciso ser acolhedor, mas é também preciso mostrar que isso pode acontecer. Acredito que vamos viver um ponto de virada. Nos últimos anos, tivemos uma discussão forte sobre segurança psicológica, saúde mental, mas isso também levou muita gente ao extremo de acreditar que as empresas são culpadas de tudo. E não funciona assim: muitas relações são um equilíbrio entre o colaborador e a empresa, e o colaborador vai precisar sair do lugar de que tudo é um problema da organização para ser protagonista da sua própria carreira. A empresa precisa ajudar, a liderança precisa auxiliar, mas o colaborador tem de entender também que precisa se desenvolver e tomar as rédeas da situação. E é por isso que eu acredito no design como parte da metodologia educacional. O design dá certo porque ele coloca o usuário como protagonista, ouvindo as necessidades reais dele. E é um exercício que as empresas precisam fazer: se elas querem tanto que os colaboradores sejam protagonistas, elas também precisam ouvir como criar esse protagonismo.
Por mais que seja óbvio, o primeiro passo é escutar o colaborador. É óbvio, mas ninguém faz. O segundo conselho é pensar em menos. Pensar em como juntar todos os reais de budget em educação corporativa e focar em mais impacto, nos melhores palestrantes e professores, na melhor experiência de design para a galera não cair na mesmice de um curso online numa plataforma qualquer com conteúdo datado e velho. Não perca o seu tempo e nem perca o tempo do seu colaborador, então menos é mais. pense sempre no design, naquela experiência em que o colaborador não vai ficar com vontade de pegar o celular no meio da aula dele. E para fechar, tem que pensar em personalização de aplicabilidade. Não dá para criar uma trilha com 500 cursos personalizados, mas se é possível mapear minimamente o perfil do colaborador e cruzar com os desafios da empresa, é possível trazer valor na prática e a partir daí ter aplicabilidade.
Além do estudo, nós fizemos uma série de podcasts que acompanha o levantamento, alguns episódios já foram lançados. Em termos de especialistas, vale seguir o trabalho do Donald H. Taylor e da Sarah Youssef, que tem falado muito sobre educação e multitasking. Outra referência forte para mim é a Offbeat Works, uma empresa da Dinamarca que tem uma metodologia muito bacana. E para fechar, Bell Hooks, Ensinando a Transgredir. É um livro que é uma bíblia foda e que pode ajudar muita gente. Por mais que a educação corporativa pareça não ter o impacto que a educação básica tem, ela pode ter um impacto muito grande na transformação da nossa sociedade, porque ela pode democratizar o conhecimento para quem não teve acesso. Ouvir quem usa a educação corporativa é muito importante para dar sentido a ela.
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