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‘Não é bem-estar ou alta performance: é preciso juntar os dois’, diz Flavia Nardon, da Gerdau

Para diretora global de Pessoas e Responsabilidade Social da siderúrgica, pandemia acabou com barreiras entre vida pessoal e profissional – e o RH precisa entender novo paradigma

Bruno Capelas
22 de janeiro de 2025
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Com 123 anos de história, a siderúrgica Gerdau pode ter a imagem de uma empresa austera, seja pela idade ou pelo setor em que ocupa. Mas ao longo do tempo, a companhia vem buscando desmistificar essa imagem, trazendo a visão de uma organização que se preocupa com a felicidade dos colaboradores, com uma visão integral dos indivíduos. “Ouvimos cada vez menos falar em vida pessoal e profissional. A vida hoje é única”, diz Flavia Nardon, diretora global de Pessoas e Responsabilidade Social da Gerdau

Formada em Publicidade e Propaganda, ela trabalha há duas décadas na siderúrgica e há dois anos lidera a área de recursos humanos da organização, que também compreende a discussão de impacto social. Não é apenas um título bonito: “Quando escolhemos alguém para trabalhar conosco, impactamos uma família inteira. Quando se fala do impacto de uma empresa numa comunidade, vem uma série de responsabilidades. É importante não se deixar levar pelo automático e pela velocidade e ter consciência disso”, afirma a executiva. Na entrevista a seguir, Flávia fala sobre esse equilíbrio e também disserta sobre temas como uso de tecnologia no RH, aceleração das mudanças e ESG. 

[…] Ao trazer tecnologia para os processos transacionais, o RH passa a ter mais tempo para as pessoas, olhando para cada indivíduo, o desenvolvimento e a qualidade de vida no ambiente de trabalho.

Qual a principal mudança no RH nos últimos cinco anos?

É legal pensar que estamos no meio de uma década – e que começou na pandemia, que torna as mudanças ainda mais intensas. Vou falar de algumas delas. Antes de 2020, já vínhamos com um olhar de entender as pessoas de forma integral, e isso se acelerou cada vez mais na pandemia. Hoje, as pessoas vêm trabalhar na Gerdau, mas trazem histórias e momentos de vida familiar.Ouvimos falar cada vez menos em vida pessoal e profissional. A vida hoje é única. Isso foi muito ampliado na pandemia, em que o ambiente pessoal e profissional se misturava, todos entramos na casa das pessoas, e olhamos mais pro ser humano de forma integral, discutindo temas como saúde mental, saúde física, performance e ambiente de trabalho. É um olhar diferenciado que ganhou velocidade nos últimos cinco anos. Em paralelo a isso, também surgiu uma necessidade de flexibilidade, seja no trabalho remoto/flexível ou nos benefícios que oferecemos. E há um terceiro ponto que evoluiu: toda a digitalização dos processos de pessoas, com a intensificação das discussões de IA, especialmente entre 2023 e 2024. Se por um lado discutimos que o digital pode nos afastar das pessoas, vejo de outra forma: ao trazer tecnologia para os processos transacionais, o RH passa a ter mais tempo para as pessoas, olhando para cada indivíduo, o desenvolvimento e a qualidade de vida no ambiente de trabalho. 

A Gerdau é uma empresa centenária, de um setor bastante tradicional como a siderurgia. Como essa imagem austera se combina com o entendimento das pessoas de forma integral? 

Apesar dessa imagem, a Gerdau sempre teve um foco muito grande nas pessoas, desde a fundação. O próprio doutor Jorge, que foi nosso CEO por muitos anos, sempre fala sobre o fato de que existimos pelas e para as pessoas. É um ponto forte da nossa cultura. Mas você tem um ponto – e ele é uma virada que aconteceu a partir de 2014, quando começamos a fazer uma transformação cultural de longo prazo. Era um momento que o mundo mudava, a indústria do aço e o comportamento também, e entendemos que precisávamos trazer autonomia para as equipes, as operações, para o ambiente de trabalho. Começamos a trabalhar conceitos de que todos somos líderes e todos temos espaço para aprender e ensinar. De 2014 para cá, essa grande transformação da Gerdau permitiu trazer elementos para sermos uma empresa humanizada – um valor que vem da fundação, mas com o adicional de agilidade, abertura e autonomia. Hoje, nosso CEO Gustavo Werneck da Cunha é um líder que olha muito para o tema da felicidade, mas em 1901 a Gerdau já tinha um valor de pessoas felizes e engajadas. 

Uma das mudanças que você destacou no começo da entrevista é a digitalização. Como a tecnologia está presente no RH da Gerdau hoje? 

Quando pensamos em digitalização, a palavra que trazemos sempre é eficiência, buscando trazer mais eficiência para os nossos processos – na gestão de informações, no onboarding dos colaboradores, nas tarefas de atendimento. Estamos sempre buscando eficiência, porque ela é positiva para quem atende e para quem é atendido. Temos feito uma série de ações, e algumas estão mais robustas, porque há um tempo entre testar uma solução e adotar uma solução de fato. Um exemplo que hoje está robusto: hoje, todas as nossas discussões sobre carreira e sucessão, os planos de desenvolvimento, estão em um sistema centralizado. Lá, os colaboradores escrevem seus perfis, suas aspirações, suas experiências, e toda a discussão de carreira é feita ali, em uma base centralizada de dados, o que nos traz muita segurança. Outra inovação que temos é o Gê, um bot que responde às perguntas dos colaboradores. Acabamos de testar também um piloto com inteligência artificial para análise de remuneração, onde a IA sugere ações de reajuste para os nossos líderes. Há ainda uma série de ações em teste para dar exemplos, como um onboarding com novas tecnologias para otimizar o tempo dos colaboradores. E temos ainda um trabalho muito grande de trazer mais dados para as decisões a serem tomadas nas áreas de pessoas. Trabalhamos em várias análises no nosso data lake, buscando decisões assertivas. O trabalho de remuneração e reajustes é um exemplo: ele só funciona porque há um data lake importante por trás. E queremos trazer mais exemplos desses para o RH. 

E como você vê o futuro do RH nos próximos cinco anos? 

Não consigo olhar para o futuro sem olhar para a transformação digital acelerada de duas formas: trazendo tecnologia e digitalização para os processos de pessoas e, ao mesmo tempo, preparando a organização para o futuro. A maneira como paramos hoje seguirá se transformando. A transformação está tanto na área de pessoas quanto no apoio para a organização ter os skills necessários no futuro. Outra discussão importante para adiante é o impacto que temos dentro e fora da Gerdau: as organizações têm um papel fundamental no impacto na sociedade, seja nos colaboradores ou nas comunidades em que a gente atua. Precisamos preparar a organização para ter líderes conscientes do impacto que conseguem causar com olhar positivo. Um exemplo recente esteve nas enchentes do Rio Grande do Sul: apoiamos colaboradores e comunidades onde estamos inseridos. Existe uma possibilidade de que fatos como esse aconteçam com mais frequência e precisamos olhar para o nosso impacto e o nosso entorno, melhorando a vida das comunidades onde estamos. 

Você lidera não só a área de Pessoas, mas também de Responsabilidade Social. Como o RH pode atuar dentro da discussão do ESG e apoiar a organização nessa jornada. 

Há um esforço importante em desdobrar o impacto. Internamente, falamos muito sobre sustentabilidade – acabamos de certificar nossas operações na América do Norte e no Peru como Empresas B, o que mostra nosso compromisso com esse tema. É um desafio, porque para ser empresa B, é preciso olhar para dentro da organização e para fora dos muros. É preciso repensar a natureza do negócio: hoje, por exemplo, trabalhamos com reciclagem do aço, que é um tema muito importante. Além disso, temos o Instituto Gerdau, nosso braço de impacto social, que propicia muitas atividades de voluntariado aos colaboradores. Também entendemos que nosso impacto acontece nas famílias dos colaboradores – e aí conectando com o tema de saúde mental, de apoio, temos o exemplo do Mais Cuidado, que é uma linha direta que as famílias têm para pedir apoio. Já atendemos milhares de famílias, e isso impacta muito as pessoas em temas financeiros e em questões como depressão, ansiedade, até mesmo na discussão das bets o Mais Cuidado já atuou. É uma maneira de impactar as nossas famílias.

Às vezes pensamos a felicidade como “sentir-se bem”, mas por trás dessa dimensão há outras: é estar numa empresa com responsabilidade social, num país que cuida do meio ambiente e que investe seu tempo com temas relevantes para a sociedade. 

Que conselho você tem para outros RHs para inspirar o futuro? 

Eu começaria por um olhar consciente. O RH é responsável por muitas atividades, e meu convite é parar um pouco, dar dois passos para trás e pensar nas vidas que influenciamos com as decisões que tomamos. Quando escolhemos alguém para trabalhar conosco, impactamos uma família inteira. Quando se fala do impacto de uma empresa numa comunidade, vem uma série de responsabilidades. É importante não se deixar levar pelo automático e pela velocidade, e por isso trazer a consciência dessas questões é importante. Gosto de pensar na teoria da felicidade. Às vezes pensamos a felicidade como “sentir-se bem”, mas por trás dessa dimensão há outras: é estar numa empresa com responsabilidade social, num país que cuida do meio ambiente e que investe seu tempo com temas relevantes para a sociedade. Precisamos expandir o trabalho para felicidade além do ambiente de trabalho. 

E você tem alguma sugestão de leitura? 

Estou lendo um livro bem interessante agora que fala sobre como chegar em um estado ótimo de produtividade: Optimal, do Daniel Goleman, um autor bem conhecido da comunidade de RH. Ele fala muito de inteligência emocional ao longo da carreira, e nesse livro ele não só revisita conceitos como também explica que a gente só performa bem quando se sente bem de maneira integral, fazendo uma combinação grande entre alta performance e bem-estar que é o nosso grande desafio hoje. Repito: precisamos ver as coisas de formas integradas. Não é sobre bem-estar ou alta performance: é sobre juntar os dois. É um grande desafio para o RH ver as coisas menos em caixas separadas e esse livro desmistifica os silos que a gente cria. Uma coisa depende da outra. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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