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Como a Pin People transformou necessidades do RH em negócio

Criada para ajudar as organizações a resolverem problemas da área de pessoas com tecnologia e dados, startup aposta em pesquisas regulares para auxiliar grupos como Gerdau, Globo e Itaú e vê momento complexo no universo de gente e gestão

Bruno Capelas
31 de janeiro de 2023
“O maior inimigo do RH é achar que sabe o que as pessoas querem com base em crenças”, diz Frederico Lacerda, da Pin People
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Não é segredo para ninguém que trabalha com recursos humanos que o momento é cheio de desafios. Mas para Frederico Lacerda, CEO da Pin People, algumas questões são ainda mais complexas para o mundo de pessoas do que outras. De um lado, a necessidade do RH se transformar, apostando menos no feeling e mais no poder da tecnologia e dos dados. Do outro, uma pressão econômica forte e uma tendência a permanecer na inércia, olhando mais para os processos e menos para como fazê-los serem mais inteligentes. 

No meio disso tudo, estão as organizações e os talentos, numa balança cujo poder está mudando de um lado para o outro. “Acreditamos que a relação entre pessoas e organizações têm que trazer ganhos para os dois lados. Não era assim, mas essa brincadeira começou a mudar agora: tem guerra de talentos, tem gente que não quer engolir sapo para ficar num emprego ou almeja carreira de longo prazo, e isso é um desafio”, diz Fred, que acumulou experiências em projetos de RH dentro de consultorias e também esteve à frente da pioneira aceleradora 21212 antes de fundar a Pin People, em 2015. 

Na entrevista a seguir, o executivo conta um pouco mais sobre a história de sua empresa e os desafios que ela ajuda organizações a superar. Também faz um diagnóstico da maturidade tecnológica dos RHs no Brasil e aponta alguns desafios e tendências para o setor em 2023. 

“Em algumas empresas, haverá diversidade multigeracional, de gente que veio antes dos baby boomers até a geração Z, olhando para o trabalho com necessidades, desejos e expectativas diferentes. O maior inimigo do RH agora é achar que sabe o que as pessoas precisam com base em crenças que estão desatualizadas”, diz. 

Fred, a Pin People é uma empresa que busca ajudar o RH a se transformar, com ajuda de tecnologia e dados. De onde veio essa inspiração?

A história da Pin People se mistura com as experiências anteriores dos fundadores: eu, a Isabella Botelho e o Caio Torres. A Isabella trabalhou no RH da Whirlpool, depois teve contato com empreendedorismo na Endeavor. Ali, ela entendeu que existe muita oportunidade para melhorar a forma como as pessoas são geridas nas organizações. Eu trabalhei em consultoria e sempre fiz projetos de transformação para o RH, o que me fez conhecer os desafios de gestão de pessoas. Em 2011, fui convidado para operar a 21212, uma das primeiras aceleradoras de startups do Brasil, numa época em que começava a surgir capital para empresas brasileiras de tecnologia, mas quase não existiam startups para alocar o dinheiro.

Além de ter visto o ecossistema de startups por cinco anos e investido em 42 empresas, também vi ali se abrir um mundo de possibilidades para resolver problemas grandes de forma moderna e escalável. A Pin People começou a tomar forma quando eu conheci a Isabella e nós combinamos nossa experiência, ao ter vivido desafios na área de pessoas. Pessoas são intangíveis e complexas. Não tem como tomar uma decisão 100% correta sobre pessoas apenas usando o feeling. É o que fazemos, mas erramos muito, seja ao contratar, como contratar, como motivar e como reter pessoas. Achamos que existia um caminho para resolver esses problemas com dados e tecnologia. E aí surgiram o Caio e o Cristiano, os outros dois sócios, que chegaram um pouco depois e complementam a Pin People em tecnologia e ciência de dados, respectivamente. 

Nós começamos a empresa em 2015, usando IA para fazer recrutamento e seleção e em 2019 pivotamos o produto para employee experience, ajudando as organizações a entender a experiência dos colaboradores por meio de pesquisas e people analytics. O nosso propósito não mudou: acreditamos que as pessoas precisam ser felizes no trabalho para serem bem sucedidas e assim beneficiarem as organizações. Também acreditamos que a relação entre pessoas e organizações têm que trazer ganhos para os dois lados. Não era assim, mas essa brincadeira começou a mudar agora: tem guerra de talentos, tem gente que não quer engolir sapo para ficar num emprego ou almeja carreira de longo prazo. 

O que exatamente a Pin People faz? 

Nosso trabalho é ajudar empresas a entender as pessoas de ponta a ponta: do dia que elas aplicam para uma vaga até quando deixam a empresa. Nossas pesquisas coletam dados sobre as pessoas, e conforme esses dados são coletados, as empresas tomam decisões sobre como aumentar o engajamento do time, como reter talentos de um certo tipo ou aumentar o número de mulheres na liderança. Podemos ir da pesquisa tradicional de clima e engajamento até questões mais avançadas.

O primeiro aspecto da nossa solução é tentar fazer a pesquisa sem fricção, aumentando a adesão e a qualidade dos dados. E claro que isso depende da maturidade da empresa: tem organizações que nunca fizeram pesquisa, enquanto outras já têm grau de maturidade mais alto. Essa jornada começa já na seleção de candidato: se mil pessoas aplicam para uma vaga, 999 candidatos não vão passar, mas ainda assim vão ter uma experiência boa ou ruim com sua empresa e formarão uma impressão da sua empresa.

Ao monitorar a experiência das pessoas no processo seletivo, eu consigo não só ajudar o RH, mas também ser uma ferramenta de marca empregadora. E ao mesmo tempo, esse processo pode ser feito no onboarding, para ajudar a integrar as pessoas, garantindo que elas ganhem velocidade rápido e não vão embora cedo. 

Isso tem muito a ver com o conceito de experiência do cliente, não tem? 

Sim. O conceito de CX foi construído porque as organizações entenderam que não competem mais por clientes só oferecendo produtos ou serviços, mas sim experiências. É assim que você consegue atrair, engajar e reter clientes. E a gente ajuda as organizações a fazerem o mesmo com os colaboradores, lidando com a lógica da guerra de talentos, buscando melhorar a experiência deles e aumentando a chance das pessoas serem bem sucedidas.

Além disso, também temos vários outros tipos de pesquisa, incluindo segurança psicológica, saúde emocional e mental, bem como diversidade, inclusão e equidade. É claro que qualquer empresa pode fazer pesquisas, até mesmo via Google Forms, mas quanto mais complexa for a empresa em termos de estrutura, mais conseguimos ajudar. E já ajudamos empresas como Globo ou Itaú, que tem dezenas de milhares de colaboradores e precisam de uma solução robusta para capturar e analisar os dados. É aí que entra a nossa inteligência artificial, que analisa os comentários das pessoas nas pesquisas.

Como está o nível de maturidade dos RHs de empresas brasileiras no que diz respeito ao uso de tecnologia e dados? 

Quando penso em maturidade, sempre penso na escala de maturidade de data analytics, que também dá para aplicar ao RH. Nessa escala, tem quatro níveis. 

No primeiro, a empresa consegue fazer uma análise descritiva, como acontece na pesquisa tradicional de clima e engajamento. É uma pesquisa que mostra performance de 12 meses, com dados do passado sobre turnover e absenteísmo. Eu diria que 80% das empresas do Brasil hoje estão nesse nível: elas coletam dados do passado e analisam, mas não passam disso, ou ainda tentam melhorar a forma como coletam esses dados. 

O segundo nível é o de diagnóstico, onde eu vejo que estão os outros 20% das empresas do Brasil. As empresas têm dados do passado, organizados e higienizados, e começam a cruzar esses dados com outros para tentar tirar conclusões, descobrindo, por exemplo, se existe um padrão nas pessoas que pediram demissão.

No terceiro nível, que tem poucas empresas e ainda nenhuma aplicação de uso real ou frequente, está a predição. É para quem consegue fazer boas análises de diagnósticos há 12 meses e consegue perceber padrões. Um exemplo: 90% das pessoas pedem demissão após ter experiência ruim com liderança direta nos seis meses anteriores. Se isso é um padrão após um-dois anos cruzando dados, dá para construir modelos preditivos – como uma pesquisa que pode ajudar a prever chances de turnover nas equipes. E tem o último nível, que é o prescritivo, no qual a empresa atua para fazer com que um futuro específico aconteça, construindo eventos e práticas que estimulam um comportamento. 

É o que o Waze faz, por exemplo, distribuindo por ruas diferentes os carros que vão para uma mesma rota, evitando congestionamento. Acredito que ainda não tem análise preditiva em tempo real, ninguém está fazendo isso no mundo. Além disso, a realidade é que os RHs ainda estão muito concentrados no problema clássico, que é tocar processos. É uma área baseada em gerir processos, e essa maturidade tem a ver com a inteligência em torno do processo. A própria história da Pin People é isso: nós pivotamos em 2019 porque não dava para vender a inteligência: antes de ter inteligência, os RHs precisavam fechar a vaga. Além disso, o RH sofre muito em crise, com pressão econômica, porque costuma ter pouco budget em geral, poucas pessoas.

Como você vê o desafio dos RHs em se modernizarem? 

Existe uma pressão para o RH se modernizar, porque a balança do poder está mudando das organizações para os talentos. É um fenômeno que já acontece no mercado consumidor e está se replicando no mercado de trabalho. A pandemia foi um grande acelerador, quebrando barreiras de competição por talento, especialmente com trabalho remoto e/ou híbrido.

A única forma das empresas atraírem, engajarem e reterem talentos é usando tecnologia para potencializar o trabalho do RH. É uma evolução que vai além de 2022 ou 2023, é um trabalho que vem desde 2017, com as organizações tentando digitalizar processos de gestão, indo dos maiores aos menores problemas. Começa na automatização de processos manuais, construindo base de dados para que você possa trabalhar com inteligência. 

Leia também: Atração, retenção e tecnologia: 3 profissionais compartilham seus desafios

Em 2023, o cenário econômico promete desafiar as empresas. Como isso vai impactar esse desafio de transformação do RH? 

O cenário econômico não vai frear essa transformação, porque as empresas vão seguir precisando de pessoas – e na crise, as pessoas talvez queiram arriscar menos. Mas na nova economia, ainda haverá guerra por talentos. Ainda haverá desafio de contratar pessoas boas, e com a pressão de não poder fazer isso pelo caminho da remuneração. A felicidade das pessoas costuma ser sustentada por dinheiro, mas já que vai ser preciso reduzir custos, é preciso construir oferta de valor. E aí entra parte de como ajudamos as organizações: às vezes, é possível ser mais efetivo fazendo boas ações de engajamento e liderança do que com salário. Além disso, em crise a tendência é todo mundo querer ficar no básico e reduzir a velocidade do RH na transformação, mas essa postura joga contra os desafios que as organizações seguirão tendo no contexto de guerra por talentos e na balança de poder entre pessoas e empresas. 

Que argumentos é possível usar em favor da implementação de tecnologia no RH?

É algo que exige muita coragem. Hoje, vemos profissionais e organizações tentando puxar a transformação e são profissionais corajosos, que sofrem riscos. O ser humano não gosta de sair da zona de conforto, ainda mais no RH, que costuma fazer o feijão com arroz. A inércia é um grande desafio: depois que você sai dela, é mais fácil seguir se movimentando. Uma forma de pensar é usando o impacto econômico.

Um cliente nosso, a Gerdau, faz análise de riscos de turnover, com um argumento econômico: a cada ponto percentual que eles reduzem o turnover, eles economizam milhões de dólares. É o que justifica um projeto de people analytics para coletar esses dados. Ninguém faz people analytics da noite para o dia: primeiro vem a coleta, depois a organização, depois a análise, e dela você faz insights. 

A primeira dica é essa: construir um case de um projeto que te ajude a economizar algo ou faturar mais. Outra dica é olhar para fora: se há pares de indústria ou empresas-referência fazendo algo, é possível se basear nessas boas práticas para convencer a sua organização. 

E a terceira dica tem a ver com patrocinadores internos: toda empresa tem uma área que sofre com problemas de gente ou lideranças que acreditam muito nos espaços de melhoria de processos de pessoas. Bons RHs conseguem mapear essas oportunidades de patrocínio, construindo cases e aí expandindo para o restante da organização. Isso ajuda, inclusive, a reduzir o risco da mudança: só uma área muda, com um MVP ou uma POC, e depois a empresa pode mudar. Transformação deve simplificar, não criar complexidade!

Além da pressão econômica e dos desafios de guerra de talentos, que outras tendências você vê para o RH em 2023? 

Acredito que as organizações vão se tornar cada vez mais plurais, em termos de diversidade. E existe um desafio enorme que é a diversidade multigeracional: em algumas empresas, veremos cinco gerações diferentes trabalhando: dos tradicionalistas, que vêm antes dos baby boomers, até a geração Z. São pessoas que olham para o trabalho com necessidades, desejos e expectativas diferentes. É complexo gerir uma empresa assim – e as pessoas tendem a achar que sabem o que todos querem. O maior inimigo do RH nesse momento é achar que sabe, pelo feeling, o que as pessoas precisam, com base em crenças que estão desatualizadas. 

A única forma de entender essas problemáticas e resolvê-las é analisando dados: não há experiência na liderança ou no RH que consiga mapear ou entender o que acontece, a gente vive uma era que a gente talvez nunca tenha vivido antes. São mudanças complexas na forma que as pessoas se relacionam entre si ou com o trabalho, ainda não dá pra saber a herança da pandemia nas pessoas… e ter dados talvez seja a única forma de lidar com essa complexidade.

Esta reportagem faz parte do especial Goles de inspiração para o RH em 2023, material com as 5 grandes tendências que estarão na pauta de quem trabalha com gente e gestão ao longo do ano. Baixe agora!

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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