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“Precisamos ter coragem de nos posicionar”: um papo com Mauro Takeda de Sousa, diretor executivo da MSP Estúdios

Filho de Mauricio de Sousa estudou para ser ator, mas trocou os palcos pela liderança da empresa da família; para executivo, diversidade é um dos valores inegociáveis da companhia responsável pela Turma da Mônica e guinada conservadora é ‘retrocesso triste’

Bruno Capelas
22 de abril de 2025
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Desde criança, Mauro Takeda de Sousa é fã do cantor Elton John – fato que o levou a estudar música, virar ator e subir aos palcos em versões brasileiras de musicais da Broadway como Miss Saigon. Mas, ao mesmo tempo em que ocupava as luzes da ribalta, ele também se preparava para assumir um lugar na empresa da família, a MSP Estúdio (antiga Mauricio de Sousa Produções). “Querendo ou não, gostando ou não, a empresa é minha – e já que ela é, eu queria cuidar dela com muito carinho”, conta Sousa, que assumiu recentemente o posto de diretor-executivo da companhia, ao lado da irmã Marina, do sobrinho Marcos Saraiva e do executivo Fábio Junqueira. 

Entre os palcos e a cadeira de líder, porém, o executivo passou por uma jornada que envolveu muita preparação, mas também muitas discussões com o pai, o cartunista responsável por criar alguns dos personagens mais amados do Brasil. (Curiosidade: quando criança, ele próprio serviu de inspiração para o Nimbus, introduzido nas revistas da Turma da Mônica nos anos 1990). “Quando se é jovem, normalmente você quer criar autonomia dos seus pais. Ao mesmo tempo, eu precisei criar essa relação em que meu pai era meu chefe, numa hierarquia bem estabelecida”, conta. “Tivemos dias bons e ruins, mas hoje temos uma relação bem equilibrada, que passa por muita escuta e muito entendimento.” 

Abertamente gay, Sousa também se tornou ao longo dos anos um porta-voz e palestrante referência quando o tema é diversidade. É uma pauta da qual ele não abre mão à frente da MSP Estúdios, onde ingressou cuidando de espetáculos ao vivo e hoje lidera 250 pessoas. “Nosso público é muito diverso – e queremos criar essa identificação e esse carinho com todos, mas para isso precisamos saber falar sobre o tema”, diz o executivo, que toma para a liderança o papel de puxar essas discussões. “ Se quem manda não entende que diversidade é prioridade, isso não vai dar certo nem se refletir no negócio ou nas pessoas.” 

Na entrevista a seguir, Sousa conta mais sobre sua carreira, explica como transformou a relação com o pai e discute questões de cultura sobre empresas familiares. Ele também fala mais sobre os esforços de diversidade da MSP Estúdio e debate o momento atual, em que muitas empresas reduzem investimentos na área.

 É um retrocesso, mas aqui estamos blindados. Sabemos bem o que precisamos fazer, no que acreditamos, nos nossos valores e que não importam os movimentos lá fora.

Sua carreira não começa com uma jornada executiva. Você estudou para ser ator. Como foi esse processo, dentro de uma família que já tinha uma empresa consolidada? 

Para responder a essa pergunta, eu preciso começar do começo – e o começo é o Elton John. Ele é o meu ídolo desde pequenininho. Quando eu tinha uns 4, 5 anos, eu tive meu primeiro contato com a música e a figura dele, um cantor que se vestia daquele jeito e falava que era gay. No fundo, eu já admirava ele por tudo isso. Meu primeiro contato com arte foi pela música e eu me apaixonei de cara. Meus pais sempre incentivaram e desde cedo eu fiz aula de instrumentos musicais – primeiro de flauta, depois de piano, e por fim de canto. Junto com a aula de canto, eu comecei a fazer aulas de teatro e ingressei nas artes cênicas. Ao juntar teatro com música, acabei indo parar nos musicais, e aos 19-20 anos eu fiz muitas audições. Meu primeiro musical foi Miss Saigon, um clássico da Broadway que veio para o Brasil. Depois do Miss Saigon, fiz vários outros musicais, mas em paralelo eu também estava me inteirando das questões da MSP e das oportunidades que eu via aqui dentro. Afinal de contas, eu querendo ou não, gostando ou não, a MSP é minha – e já que ela é minha, eu queria cuidar dela com muito carinho. Em muitas conversas e, vamos dizer, entrevistas profissionais com o meu pai, enxerguei a oportunidade de explorar dentro da MSP o universo dos grandes musicais. Foi quando nós começamos a fazer grandes shows, com estrutura, como o Turma da Mônica no Mundo de Romeu e Julieta. Durante um tempo, continuei produzindo os musicais, criando uma equipe, criando uma estrutura de experiências ao vivo. No fim, abracei tudo que diz respeito a essa parte, que permite não só ver, mas até abraçar os personagens. Esse era o meu foco até a grande reformulação que a gente fez este ano. 

E como foi perceber essa guinada na carreira – que envolve, entre outras coisas, sair dos palcos e ir para os bastidores, além de trabalhar diretamente com o seu pai? 

Foi um movimento complexo. Uma das coisas que me ajudou bastante foi terapia, até para entender como seria minha relação com o meu pai. É uma relação que é pessoal, mas que também se tornaria profissional, com uma hierarquia definida. É engraçado que isso aconteceu em um período muito específico: com 18 anos, normalmente você quer se distanciar dos seus pais, criar autonomia. Em paralelo, e muito paradoxalmente, foi quando eu criei essa relação em que meu pai era meu chefe, num universo de muita obediência. Entender essas relações foi um trabalho de formiguinha – até porque existiam várias questões envolvidas. A primeira era de competência: ele queria saber como eu ia entrar na empresa, se eu tinha competência, se eu poderia contribuir. Fomos alinhando isso ao longo do tempo, entre dias bons e dias ruins. Hoje, percebo que os dias são muito bons, temos uma relação profissional e pessoal bem equilibrada, que passa por muita escuta e muito entendimento. 

Sempre tivemos um RH forte aqui dentro, que me deu um suporte técnico para entender os recursos que eu poderia usar e oferecer para os funcionários.

Além de se entender com seu pai, você também precisava de um novo conjunto de habilidades, uma vez que ia liderar um grupo de pessoas. Como foi isso? 

Nesses anos em que eu tenho liderado equipes e tocado projetos, diria que a parte mais difícil para mim como líder é a gestão de pessoas. As pessoas aqui na MSP são o nosso maior bem. Precisamos da produtividade delas, prezamos por seu bem-estar, para que eles produzam o melhor que podem produzir. Isso é muito complexo, porque cada um tem sua vontade, seus dias difíceis, suas capacidades, e é preciso estar ali perto, entendendo e ouvindo. Algo que me ajudou muito foi o fato de que meus chefes – Maurício e Alice, meu pai e minha mãe – conheciam muito sobre a empresa, sobre o negócio e sobre os funcionários. Tive um suporte muito importante nesse sentido. Meu pai, principalmente, tem uma característica de humildade e carisma muito forte, que me inspira muito e que agrega as pessoas. É algo que auxilia muito no turnover baixo que temos aqui: hoje, temos funcionários que estão conosco há 50 ou 60 anos, em um resultado direto disso. Costumamos falar que somos uma grande família aqui dentro – e prezamos muito por isso. Além disso, claro, sempre tivemos um RH forte aqui dentro, que me deu um suporte técnico para entender os recursos que eu poderia usar e oferecer para os funcionários. 

É interessante você falar em bem-estar, porque é algo essencial para a criatividade, uma habilidade necessária para muitas das funções da MSP. Como equilibrar esse anseio com o fato de que, no final do dia, a MSP também é uma empresa, responsável por produzir de maneira constante ao longo de décadas? 

É um desafio diário. Para mim, começa pelo espaço em que a gente trabalha. Modéstia à parte, eu gosto muito do nosso espaço, com toda a tematização que criamos aqui dentro, como se fosse um mini-parque de diversões. Nós não só abrimos para os visitantes, mas os funcionários podem utilizar a hora que quiserem. É algo que também faz as pessoas ficarem muito emocionadas. Além disso, claro, tem todas as iniciativas que temos aqui dentro, provindas do RH, e as iniciativas de desenvolvimento dos funcionários, para que eles possam ter oportunidades e crescer aqui dentro. Quando você vai somando, é o que entendemos que faz o funcionário ficar mais feliz, mais produtivo e querer permanecer aqui, trabalhando com a arte dele e se sentindo seguro com isso. 

A MSP acabou de anunciar uma reformulação importante. No que consiste essa novidade? 

Tivemos uma transição de gestão: agora, temos uma nova diretoria executiva, composta por mim e pela Marina [Takeda], filhos do Maurício, pelo Marcos [Saraiva], que é neto do Maurício, e pelo Fábio Junqueira, que até então era nosso diretor financeiro. O Maurício continua como presidente, vindo aqui todos os dias e acompanhando o que estamos fazendo. Acredito que nosso principal papel é manter todo esse carinho, essa qualidade e essa essência que a Turma da Mônica sempre teve e cultivou com seu público. Estamos há gerações e gerações falando com todo mundo e queremos manter esse carinho. A relação que as pessoas têm com o universo Mauricio de Sousa é muito afetiva – e o nosso desafio é manter isso daqui a sessenta, setenta anos. Para isso, precisamos arregaçar as mangas, mas também estarmos muito abertos à modernidade, às atualizações, com muita coragem e muita ousadia. Para mim, esse sucesso de seis décadas vem justamente da capacidade do Mauricio de se renovar. A Mônica de 1960 não é a mesma Mônica de hoje, porque ele sempre esteve muito aberto e antenado, sempre ouvindo o que as crianças estão falando. Não podemos ter medo e precisamos ter coragem de nos posicionar. 

A MSP é uma empresa familiar. Como vocês fazem para desviar dos vícios e preconceitos que existem com empresas desse tipo – evitando, por exemplo, que um colaborador fique desestimulado para progredir porque não tem o sobrenome certo? 

É importante deixar claro que esse processo de transição executiva não aconteceu agora, mas sim vem acontecendo há alguns anos. Uma das grandes tarefas do processo é justamente não deixar com que os funcionários caiam nesse lugar de preconceito ou de insegurança com relação ao presente e ao futuro. E para isso, a comunicação tem que ser muito clara. Temos centenas de funcionários e, a cada passo que damos, precisamos explicar o que está acontecendo. Para onde vamos? Onde estamos? O que vamos fazer? É uma das coisas que mais temos priorizado aqui, mostrando como estamos pensando neles e como as mudanças vão se refletir no trabalho que eles fazem. Sinto que isso tem sido muito positivo. Uma das ações que fizemos esse ano foi, pela primeira vez, fazer um Café da Manhã com a Liderança, em que mostramos tudo o que ia acontecer no ano, abrimos informações financeiras e mostramos os projetos de todas as áreas. Acredite ou não: antes, a empresa tinha muitos departamentos, mas cada um deles era segmentado . Temos buscado unificar a companhia. E ao fazer esse encontro, percebemos como isso foi importante para os funcionários. Comunicação e transparência são chave nesse sentido.

Leia também: Cultura, influencia e gestão em empresas familiares: um papo com Verônica Coelho, diretora executiva de RH da Cimed 

Vamos falar sobre diversidade. Você já falou publicamente várias vezes sobre como foi o seu processo de aceitação de orientação sexual. É uma história muito bonita. Como foi trazer isso para os negócios? 

Diversidade, equidade e inclusão sempre estiveram presentes no universo Mauricio de Souza. Não é algo de agora. Não é à toa que o Mauricio tem mais de 400 personagens com características diversas, idades, etnias, cada um do seu jeitinho. A diferença é que muito recentemente esse assunto começou a ser estruturado aqui dentro, a ponto de entendermos que é um pilar indiscutível. É um assunto que precisa estar muito bem alinhado com todos os funcionários e também com os fãs, que conhecem a marca e gostam dela. Agora, preciso dizer também que houve um grande boom quando souberam que o filho do Mauricio de Sousa é casado com um homem ou que o Mauricio de Sousa tinha um genro. Isso abriu uma discussão muito grande sobre como o tema LGBTQIA+ ia entrar nas histórias, se ia entrar ou não. Foi quando vimos que precisávamos estruturar não só essa, mas também quaisquer outras pautas de minorias e diversidade. Foi um processo bastante turbulento, mas conseguimos ter muitas conquistas. Uma delas é ter um comitê de DEI que é muito importante em todos os nossos projetos: tudo que nós criamos passa pelo crivo desse comitê. Hoje, sabemos que além de manter, ele tem de continuar. Independentemente do que aconteça ou do que falem, porque esse tema sempre suscita questões polêmicas, é muito certo de que a gente precisa saber se posicionar e entender a importância desse tema dentro das nossas histórias e da nossa contribuição para a sociedade como um todo. 

A MSP pode não ser uma empresa gigante em termos de números de funcionários ou de faturamento. Mas ela tem um peso simbólico enorme no Brasil. Há alguma pressão em lidar com o tema da diversidade, diante desse papel? 

Não fizemos nenhum movimento por pressão, mas sim porque acreditamos na diversidade. É claro que recebemos pressão de muitas coisas sobre muitos temas, mas não é por isso que nos estruturamos. Nós precisávamos nos estruturar porque o nosso público é muito diverso. Queremos criar essa identificação e esse carinho com todos. Não é com um ou com outro. Precisamos entender que temos uma voz muito forte, um nome muito grande e muita responsabilidade, de maneira que precisamos ter conhecimento e um time preparado. Queremos falar e continuar falando com todos, mas para isso precisamos saber falar.  

Se quem manda não entende que diversidade é prioridade, isso não vai dar certo nem se refletir no negócio ou nas pessoas.

Que tipo de esforços de diversidade têm a participação do RH? E como é trabalhar o tema com a liderança? 

É algo que discutimos o tempo todo. O RH tem uma participação muito importante nisso tudo. Mas, acima de tudo, eu entendi que esse esforço de diversidade tem que partir de quem manda. Da pessoa que é gestora, que entende o que é uma prioridade. Se quem manda não entende que diversidade é prioridade, isso não vai dar certo nem se refletir no negócio ou nas pessoas. É algo que eu busco trazer na gestão, que está presente no quarteto da diretoria executiva, e que eu busco que esteja sempre quente nas nossas reuniões. Tendo esse objetivo claro, as coisas vão fluindo muito naturalmente. 

Vivemos um momento em que muitas empresas tem reduzido esforços de diversidade. Como liderança e como parte da sociedade, como você sente esse momento? 

Particularmente, acho triste e vejo um retrocesso, especialmente porque eu sentia que estávamos criando uma narrativa muito bacana a respeito do tema – ao menos na minha bolha. É sempre muito triste quando surge um discurso de retrocesso. Mas, dentro da MSP, acredito que estamos blindados. Sabemos bem o que precisamos fazer, no que acreditamos, nos nossos valores e não importam os movimentos lá fora. É um movimento que vai continuar, um processo evolutivo que não tem volta. É daqui para mais. 

Para fechar, Mauro: alguma dica de livro ou podcast? 

Que difícil. Tem dois autores que nunca saem da minha cabeceira: Clarice Lispector e Nelson Rodrigues. São os dois que mais tenho lido nos últimos anos, então indico qualquer livro dos dois. E a última série que vi foi “Adolescência”, que foi muito interessante. Achei a abordagem muito forte, até por conta do uso do plano sequência, mas também pela maneira como retrata os adolescentes – que é um público com o qual falamos aqui na MSP também. Além disso, gosto muito também do “Desculpa Qualquer Coisa”, podcast da Tati Bernardi. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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