Na coluna da FDC, Vitor Del Rey mostra como a desigualdade educacional sustenta exclusões raciais no Brasil; Para o RH, é um chamado a repensar diversidade e inclusão de forma sistêmica.

Com mais de 15 anos de carreira no RH, Marina Hóss já viveu de tudo um pouco: liderou desenvolvimento de pessoas em companhia aérea, foi BP em multinacional de bens de consumo e em grandes varejistas brasileiras e chegou a ser diretora de diversidade e cultura na Rappi. Desde o início de 2025, porém, ela tem uma tarefa ainda maior: como diretora de RH da Decathlon no Brasil, sua missão é cuidar de uma equipe de 2 mil funcionários espalhados em 50 lojas pelo país.
Além de zelar pelos colaboradores da empresa francesa por aqui, a executiva destaca diversos outros desafios. Entre eles, um dos principais é a preocupação com o percurso profissional dos colaboradores que fazem parte da Geração Z. Segundo ela, muitos deles chegam à empresa para seu primeiro emprego, mas, contrariando estereótipos geracionais, querem crescer e se tornarem líderes. “A GenZ que trabalha na Decathlon quer realmente mudar a sua vida e faz o seu corre”, destaca a executiva.
Ao longo da entrevista para Cajuína, a diretora de RH da Decathlon repassa sua trajetória profissional e também olha para o futuro: um dos principais temas é a forma como a organização tem implementado inteligência artificial para automatizar processos.
Outro tema relevante é o de incentivar a prática de esportes entre os colaboradores, alinhando a cultura da Decathlon à prática. “É um tema tão importante que uma das perguntas da nossa pesquisa de engajamento é ‘você tem feito esporte regularmente com o seu time?’ – e esse indicador faz parte dos meus resultados e impacta o meu bônus no final do ano”, comenta.
Se a gente não trabalhar o engajamento e desenvolvimento, não tem resultado nenhum na organização.
Estudei Relações Públicas na ECA-USP. Lá, falávamos muito sobre comunicação organizacional, cultura organizacional, mas de um viés bastante corporativo. Por acaso, entrei no RH por meio de um programa de estágio da Unilever e me apaixonei. Muito nova, já entendi o papel estratégico, a visão do todo e acreditava muito fortemente como as pessoas são de fato as grandes responsáveis pela entrega dos resultados. Se a gente não trabalhar o engajamento e desenvolvimento, não tem resultado nenhum na organização. Foram oito anos atuando em grandes multinacionais – primeiro na Unilever, depois na Monsanto.
Fui trabalhar em empresas brasileiras que estavam passando por algum momento de turnaround, como a Avianca Brasil e a Marisa. Tive o papel de ajudar a mudar a cara do RH, a construir estruturas do zero. Acabei me apaixonando por essa ideia, mas depois tive vontade de ir para a área de tecnologia e trabalhar em startups. Foi onde me conectei muito com a cultura de tecnologia, do RH ágil e de novas formas de fazer RH, sempre focando na experiência do colaborador. Fui uma das primeiras pessoas a construir a estrutura da Loft no Brasil. Depois, fui para a Rappi, onde fiquei quatro anos em diferentes estruturas, trabalhei em áreas globais em todos os países da América Latina. Um pouco antes de sair, fiz uma migração e fui trabalhar em Corporate Affairs, cuidando do relacionamento com entregadores e governo, ajudando a fazer essa triangulação. Foi uma experiência bem legal.
Vim para Decathlon porque buscava uma organização que estivesse muito alinhada com os meus valores, que colocasse as pessoas no centro. Foi muito bom trabalhar em startup, mas também foi bastante intenso. Ao aceitar o convite, queria focar mais em projetos de desenvolvimento das pessoas e, ao mesmo tempo, ter possibilidades de continuar inovando e olhando para as tendências de transformação social para dentro da organização, pensando em como cuidar das pessoas.
A Decathlon é uma empresa gigante, com desafios globais e locais. Entrei em janeiro desse ano com dois grandes desafios. De um lado, temos uma operação muito complexa e precisamos manter a base bem robusta, para garantir o engajamento das pessoas e um turnover saudável. Do outro, precisamos pensar nas grandes transformações que estão acontecendo. Como manter o mercado, o varejo e a Decathlon atrativa para Geração Z, que chega ao mercado de trabalho com demandas muito diferentes do que os millennials tinham? Como ser atrativa para esses públicos, mas ao mesmo tempo, preservar a diversidade e falar dos desafios intergeracionais dentro da organização? Além disso, tenho também o desafio de construir uma área de RH que seja alinhada com a estratégia da companhia, impulsionando o resultado do negócio.
Assim que cheguei, montei alguns squads dentro do RH para falar sobre temas que não necessariamente estavam na nossa entrega, mas que não poderiam deixar de receber atenção, uma vez teriam alto impacto no curto, médio e longo prazo. A IA foi um desses tópicos. Hoje, tenho um squad multifuncional dentro do meu time de RH, composto por colaboradores de diferentes áreas para discutir o tema inteligência artificial dentro do RH.
Temos três prioridades. A primeira é saber como otimizar os processos de RH para que tenhamos mais tempo para pensar nas estratégias e sermos parceiros das áreas de negócio. A segunda é usar IA para melhorar a experiência do colaborador. A terceira é pensar no futuro do trabalho e nas mudanças que vão existir na Decathlon pela chegada da inteligência artificial. Neste terceiro ponto, ainda estamos engatinhando.
Já usamos IA no processo seletivo. É algo que ajuda muito, porque nosso processo é descentralizado e os líderes costumam ser os responsáveis. Meu time desenha o processo, atua como consultor e entra ativamente nas vagas de liderança. Onde há um grande volume, principalmente no público de loja, os líderes têm autonomia. O que nós fazemos é oferecer as ferramentas para ajudar nesse processo de seleção, de maneira que ele consegue ranquear todos os candidatos segundo as competências do job description. Com IA, conseguimos um filtro muito assertivo de quem ele vai levar para o processo seletivo. Além disso, mesmo que as pessoas não estejam inscritas ativamente numa vaga, a IA ajuda a identificar no banco de talentos quem tem características que poderiam ser interessantes. É possível fazer esse match para fazer uma abordagem com este candidato.
Também temos usado IA para ajudar na construção das metas e das missões dos colaboradores na construção de seus planos de desenvolvimento. Elaboramos prompts eficientes para usar nossa ferramenta de IA e fazemos os workshops com todos os colaboradores, ensinando como que eles podem usá-la para construir o seu o seu plano de desenvolvimento e as suas missões.
Acabamos de fechar um projeto com um fornecedor da área de TI para utilizar IA no acompanhamento de toda a nossa jornada de avaliação de desempenho. Não é papel da IA fazer a avaliação, mas sim simplificar o processo. Com ajuda dela, não teremos mais várias planilhas e informações desconectadas, ao mesmo tempo em que o processo vai liberar o líder de preencher planilhas em vários lugares diferentes – podendo focar na avaliação e no feedback em si.
A inclusão é um dos nossos fundamentos humanos. A Decathlon tem uma cultura bem forte, focada no desenvolvimento das pessoas, com o colaborador no centro. Cuidado é um dos nossos fundamentos humanos também, assim como o percurso profissional. Quando falamos dos colaboradores de loja, a Decathlon é o primeiro emprego para muitas pessoas. Se elas tiverem afinidade, se conectarem com a cultura e participarem do nosso sistema de gestão, existe possibilidade real de desenvolvimento.
Hoje, a média de permanência do colaborador é de 2,6 anos – o que é um bom número para o varejo. Nas posições de liderança, o turnover já chega de 5 a 7 anos. Digo tudo isso porque o fato de valorizarmos a inclusão e, ao mesmo tempo, garantirmos o percurso profissional, faz com que esse mix de gerações aconteça naturalmente. Além do squad de IA, outro que montamos foi o de gerações, justamente para garantir que continuemos sendo atrativos para a Geração Z. Temos notícias de que os jovens já nem tiram mais carteira de trabalho, mas o que temos melhor para oferecer é algo que eles possam construir uma carreira, mudar suas vidas.
Esse squad identificou, por exemplo, que os nossos colaboradores de Geração Z, querem crescer, se desenvolver, eles não são os estereótipos que a gente vê do mercado. É muito importante considerar um recorte de classe, de região geográfica, mas o jovem que vem para Decathlon quer crescer, quer ser líder e felizmente nós conseguimos oferecer isso.
Temos feito várias rodas de conversa com toda liderança para falar sobre gerações e tirar qualquer tipo de viés que ainda possa existir. A ideia é ajudar os líderes a entenderem como fazer a gestão de gerações diferentes e trazer mais a GenZ para a primeira liderança, valorizando mais essa intergeracionalidade. A nossa liderança ainda é mais millennial e geração X e a base da Geração Z.
Mas a Geração Z da Decathlon não vem de uma classe A que está saindo da melhor universidade do país e pode dizer que não quer este trabalho porque “não concorda em ser presencial e prefere o 100% remoto”. A GenZ que trabalha na Decathlon quer realmente mudar a sua vida e faz o seu corre. Já ouvi histórias de colaboradores que têm que sustentar a família toda, com pai, mãe e filho.
Hoje, nossa equipe tem uma proporção semelhante, acima dos 40%, de geração Z e de millennials, especialmente nas lojas. O restante é da geração X e dos baby boomers, que vão estar mais no escritório, em posições mais estratégicas. Em termos de local de trabalho, mais da metade dos funcionários está em lojas – com um quarto nos centros de distribuição e outro quarto nas áreas corporativas.
Temos uma meta de chegar a 45% das posições ocupadas por mulheres até o final do ano. Quando cheguei estávamos em 41%, agora já subimos para 44%. Parece fácil, mas foi difícil. Conseguimos por meio de promoções internas, com treinamentos, roda de conversa com os líderes e com as próprias mulheres. É um trabalho de formiguinha. Neste ano, tenho a meta de conseguir contemplar 300 mulheres com pelo menos uma ação de desenvolvimento, que as ajudem a se prepararem para uma promoção.
Tenho um programa de bem-estar pautado em quatro pilares: bem-estar físico, mental, social e financeiro. Acabamos de lançar um programa de educação financeira para todos os colaboradores, com acesso individualizado a um consultor financeiro especializado. Pensando especificamente no esporte, temos desconto para os colaboradores comprarem os produtos da loja. Além disso, incentivamos o esporte e convidamos os colaboradores a fazerem esporte com a gente frequentemente.
Um exemplo disso vem do nosso sistema de gestão. Tenho rituais organizacionais que acontecem quatro vezes ao ano – e em todos esses momentos, depois que fazemos o cascateamento da informação para as áreas, partindo do CEO, praticamos esportes juntos. Organizamos, convidamos e pagamos, ouvimos os colaboradores. Já fizemos os mais variados esportes, de escalada e golfe a yoga numa cachoeira, beach tennis e ciclismo.
É um tema tão importante que uma das perguntas da nossa pesquisa de engajamento é “você tem feito esporte regularmente com o seu time?”. E o indicador da pesquisa de engajamento faz parte do meu resultado, impacta meu bônus e até o bônus do presidente. É um KPI no nível País, um dos nossos indicadores mais importantes. Também oferecemos o Wellhub e Total Pass para todos os colaboradores, com a primeira faixa paga pela Decathlon. Isso faz com que 85% dos nossos colaboradores usem esse benefício. A média de check-ins é de pelo menos 6 vezes ao mês – ou seja, mais de uma vez por semana.
Poderia pensar em livros de gestão ou RH, mas sempre digo que o segredo no desenvolvimento de pessoas está em ampliar nosso repertório. É muito importante saber de business, de estratégia, ter esse conhecimento técnico, mas é muito rico conseguir olhar para outros lugares. Quem é de RH precisa entender de pessoas e sair do óbvio. Por isso, indico o livro Ideias para adiar o fim do mundo, do Ailton Krenak.
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