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“A área de benefícios zela pelo equilíbrio entre o pessoal e o profissional”, diz Lucas Otaviano, da Midea Carrier

Coordenador de Remuneração e Benefícios da indústria teve passagem pelo marketing antes de se apaixonar pelo RH; para profissional, área de benefícios é maneira de ajudar a reduzir desigualdade social interna nas empresas

Bruno Capelas
4 de junho de 2025
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Vindo de uma família de publicitários, Lucas Otaviano não tinha imaginado trabalhar no RH quando entrou no curso de Administração. Seu plano era ficar no mundo do marketing. Mas o perfil analítico e estratégico combinado a um talento de lidar com pessoas acabaram levando o executivo até a área de remuneração e benefícios da Epson, onde passou boa parte da carreira. “Torci o nariz, mas acabou sendo uma grande sorte ter caído nessa área, onde me sinto bem habilitando para melhorar a experiência dos colaboradores”, diz. 

Após onze anos de Epson, ele acaba de assumir o desafio de coordenar remuneração e benefícios na Midea Carrier, indústria de eletrodomésticos e aparelhos de ar-condicionado que é uma joint-venture não só de duas empresas, mas de duas culturas: a americana e a chinesa. “Nosso grande foco agora é fazer o RH sair do departamento de pessoal para se transformar numa área mais estratégica, trazendo um serviço de qualidade para gestão e para os colaboradores”, conta ele, que também cuida da parte de mobilidade global. 

Para Otaviano, que não se vê mais fora da área de remuneração e benefícios, o setor traz grandes oportunidades. “Costumo brincar que a área de benefícios é uma grande vitrine. Ninguém senta no bar com os amigos e compara o salário, mas compara os benefícios”, diz ele, que vê na nova empresa o desafio de transformar a Midea em benchmark no mercado, além de equalizar demandas importantes dos nossos tempos. “A área de benefícios é quem zela pelo equilíbrio pessoal e profissional do colaborador”, diz. 

Na entrevista a seguir, o executivo conta mais sobre sua trajetória e também fala sobre como é a experiência em trabalhar em uma companhia de cultura global, marcada pela mistura entre brasileiros e chineses. Ele também discute a importância dos benefícios como ferramenta para reduzir a desigualdade social interna das organizações. 

Às vezes, o RH esquece que o resultado vem de baixo e que aquelas pessoas podem não ter privilégios ou abertura para pedir o que precisam.

Lucas, você é formado em Administração e teve uma primeira fase da sua carreira em marketing. Como é que você foi parar no RH? 

Sou de uma família de publicitários e profissionais de mídia, então meu plano A era trabalhar na área. Foi por aí que comecei meus estágios e minhas primeiras experiências, como a Epson – que foi a empresa onde fiquei basicamente toda a minha carreira antes de vir para a Midea. Fui sempre seguindo uma trajetória de carreira que aceitava bem as leituras de perfil que o RH fez. Entrei no marketing, depois fui para marketing institucional, e por conta do meu perfil analítico e estratégico, acabei indo para a área de crédito. Depois fui para planejamento financeiro e acabei sendo arrastado para a área de remuneração, numa época em que a empresa tinha muita dificuldade de fazer as áreas de negócio e de RH conversarem. Havia muitas dificuldades em planejamento de pessoal, workforce planning, esse tipo de questões. A cadeira surgiu e meu antigo diretor me ofereceu porque achava que eu tinha o perfil, que eu conseguia transitar bem em várias áreas. Eu torci o nariz e falei: “RH, cara, nada a ver!”. Ele insistiu, me contou um pouco da história da área e contou que era um lugar carente de profissionais com perfil mais analítico – até porque muitos profissionais de RH vem de Psicologia, de uma base de soft skills. Eu respondi que não sabia nada de RH, mas ele disse que ia me treinar. Fui muito na confiança e acabei nunca mais saindo de RH. Fiquei como remuneração na Epson Brasil, depois absorvi a área de benefícios, aí a coordenação da América Latina toda. 

Você saiu da Epson e foi para a Midea em 2024. Como foi essa mudança? E como foi escolher permanecer no RH? 

No final de 2023, eu senti que bati num teto na Epson. Como a área de remuneração se reporta para o exterior, me vi sem alternativa: ou ampliava meu leque ou pleiteava uma cadeira lá fora, na matriz. Ao longo de 2024, vivi esse incômodo e comecei minimamente a me relacionar com o mercado. Em setembro, a Midea me procurou. Vim para cá numa outra perspectiva de carreira, mas assumindo sem discussão o fato de que sou um profissional de remuneração. Foi um job rotation que não foi planejado, mas que fez muito sentido pra mim. Sou um cara mesmo analítico, que lida bem com números e a parte “fria”, mas também tenho um lado muito bem desenvolvido para pessoas, sempre buscando agregar valor para o colaborador. Foi um grande encontro, uma grande sorte ter caído nessa área, onde me sinto muito bem habilitado para melhorar a experiência dos colaboradores. Hoje, não me vejo em outra função, até porque os meus propósitos estão muito alinhados com essa função. Por outro lado, fez toda a diferença eu ter tido outras experiências, porque consigo desenhar bons organogramas, entender bem as interfaces e os tamanhos de equipes. 

Antes de falar de Midea, queria entender uma questão: quais eram os desafios quando você começou a trabalhar com remuneração na Epson? E quais eram os desafios na sua fase final? 

O principal desafio de remuneração na Epson era mais focado em planejamento de pessoal, estabelecendo um diálogo entre as áreas de planejamento do RH e de negócios. Como RH lida com muita informação confidencial, às vezes o time de negócios fica um pouco no escuro – seja para criticar ou validar o planejamento. Existia uma dificuldade grande de transformar as metodologias de remuneração de uma forma didática, a fim de que os business partners (BPs) tivessem um bom diálogo com a gestão, orientando com relação a níveis hierárquicos. Analisando hoje, sinto que meu gestor usou minha capacidade política para fazer essas duas coisas. Precisei chegar sem conhecer nada de metodologia, fazer vários cursos em 3-4 meses e debulhar o conhecimento em algo didático para os profissionais de RH conseguirem conversar com os gestores e entender as necessidades de recrutamento, de movimentação, dos perfis errado. As metodologias de remuneração ajudam muito em transformar um diálogo subjetivo em tópicos objetivos, analisando, por exemplo, um perfil pela capacidade de liderança da pessoa. Foi um desafio muito grande pra mim, até porque eu não sabia nada e não sabia como ia chegar colocando um monte de regras para o RH. O outro desafio, que era mais fácil, era trazer meu conhecimento de planejamento para o RH e mastigar essa parte de planejamento de pessoas para que FP&A conseguisse entender. Foi um bom balanço. 

E quando você chega na Midea, quais são os desafios de remuneração e benefícios? 

O desafio aqui é basicamente reconstruir todo o back office de RH. Foi o que me brilhou os olhos e me fez tomar a decisão de sair de uma empresa onde construí minha carreira. Hoje, a Midea não tem bem definida a arquitetura de cargos e organogramas. É o nosso grande foco nos dois primeiros anos: fazer o RH sair do departamento de pessoal para se transformar numa área mais estratégica, trazendo um serviço de qualidade para gestão e para os colaboradores. É algo que eu posso fazer com uma perspectiva de crescimento e de autonomia, o que me permite utilizar, profissionalmente, o conhecimento que eu agreguei ao longo de anos. Na Epson, como eu disse, sinto que eu tinha batido no teto e estava um pouco frustrado com o que eu poderia agregar ao time. A vinda para a Midea foi uma mudança de panorama para me colocar à prova como gestor de RH. Quero saber o quanto consigo pegar uma estrutura que está saindo do zero em relação a metodologias de remuneração e levar para um patamar em que enxergo a Epson, que já era uma empresa de processos definidos. A Midea, não: ela teve processos de mudança grandes, saíos de uma realidade de Carrier, uma empresa americana, para uma joint venture que segue muito mais as diretrizes da China. É quase um reset na empresa inteira, mudando as bases de procedimentos e políticas para ouvir a China, internalizar aqui e transmitir para os times. Além disso, o headcount aqui é quase três vezes maior do que o da Epson: são quase 4 mil funcionários agora, responsáveis por um faturamento de duas a três vezes maior que o da Epson. É um grande desafio profissional. 

A Midea tem um desafio de construção importante. Ao mesmo tempo, a área de remuneração e benefícios teve grandes transformações nos últimos cinco anos. Como é tentar fazer essa construção interna e, ao mesmo tempo, olhar para as tendências do mercado? 

Vou começar pela parte de benefícios. Costumo brincar que a área de benefícios é uma grande vitrine. Ninguém senta no bar com os amigos e compara o salário – porque o brasileiro não tem essa maturidade. Mas a gente vai comparar os benefícios, o vale refeição, o plano de saúde. E isso faz a gente validar o quanto uma empresa é competitiva na parte de remuneração e benefícios a partir dos benefícios. Ela é a prova e o posicionamento das duas áreas. 

É preciso ser muito próximo para falar de salário, não é? 

É.  Mas eu tenho públicos variados: o argentino, por exemplo, fala abertamente de salário, se compara e vai no RH reclamar se tiver salário diferente. Já o brasileiro não gosta de abrir esse tipo de coisa. Enfim: quando cheguei aqui na Midea, uma das coisas que senti no pulso da organização é que havia grandes demandas em relação a benefícios. As pessoas queriam benefícios de academia, telemedicina, psicoterapia. Na Epson, isso era uma realidade, porque a VP de RH é muito focada em tendências, sempre olhava para a frente. Aqui, não: a gente mais reagia ao mercado do que agia proativamente. Meu primeiro passo, durante os 30 dias iniciais, foi ouvir as pessoas. E a situação era tão urgente que eu comecei a trazer propostas de valor antes mesmo de contratar um especialista de benefícios. Nesses meses que estou na companhia, sinto que a área de benefícios já tem outra cara, respondendo a problemas históricos e colocando a Midea num panorama competitivo. Falta para a gente estar na vanguarda, mas é onde quero chegar: quero que sejamos benchmark para o mercado. Até porque a área de benefícios é quem zela pelo equilíbrio pessoal e profissional do colaborador. Para mim, ela é um sistema de manutenção do meu propósito. Falo para o time que precisamos ser a área favorita das pessoas, trazendo para elas a confiança de que vamos agir muito antes delas imaginarem. Se o time de benefícios recebe demandas, é porque ele está lento. Minha missão é que ninguém da Midea se compare no bar e sinta que precisa sair da empresa. 

Isso vem com um custo, claro. Como olhar para a sustentabilidade financeira da empresa? 

Quando se fala do equilíbrio financeiro de uma empresa, Pessoas sempre vai ser a maior linha. E tem de ser mesmo: os resultados vêm das pessoas. Eu não discuto as coisas nesses termos. Se surge uma diretriz ou demanda de redução, eu sempre respondo que não adianta sangrar as pessoas por um resultado. Não é um argumento para ter um orçamento megalomaníaco, mas para garantir o equilíbrio. O segredo da área de pessoas é sempre conseguir trazer o melhor possível de maneira transparente, alinhado à acurácia que as áreas de negócio precisam, trabalhando sempre com boas negociações e bons relacionamentos. Eu costumo negociar com a gestão que parte do meu orçamento de novos projetos vem de solicitações, mas parte também vem do sucesso das minhas negociações com parceiros. É como se mantém a balança equilibrada. Por exemplo: se eu planejo 30% de incremento anual de plano de saúde, mas consigo barganhar com o parceiro estendendo contrato ou fazendo alguma negociação, parte do que eu recebo volta para o P&L, mas parte também vai ser reinvestido em melhorias. 

No Brasil, muita gente tem a percepção de que remuneração é o que se ganha e benefícios são um direito. Como mudar essa percepção e comunicar o valor dos benefícios, até exibindo o custo que a empresa tem com eles? 

Tem dois pontos importantes na percepção do colaborador. O primeiro é transparência, entregando de fato para o funcionário o que ele recebe em valor. É importante que ele saiba o que recebe de benefícios indiretos, incluindo os benefícios sociais como FGTS, INSS, etc. Isso já mitiga alguns tipos de ruído. Outro ponto é o termo que muita gente usa hoje: salário emocional. É como as pessoas reagem a benefícios e ganhos indiretos, se engajando com eles. E hoje, é muito difícil atender um público completo com uma única oferta de benefícios. As pessoas são diferentes e querem que a empresa entenda isso. É por isso que começa a se falar em flexibilização: as pessoas demandam coisas como plano de saúde para pets ou benefício de férias baseadas na vida delas. E a empresa que não estiver aberta a ouvir as pessoas vai fracassar nesse atendimento emocional. Como eu disse, são dois pontos: um é mais burocrático, e outro passa pelo bom senso e abertura das organizações. O RH precisa entender que às vezes existe uma desigualdade social interna muito grande ao priorizar um nível muito alto. Às vezes, o RH esquece que o resultado vem de baixo e que aquelas pessoas podem não ter privilégios ou abertura para pedir o que precisam. Outra coisa: as novas gerações entenderam que não precisam sangrar pelo trabalho. Elas podem ser responsáveis e fazer entregas, mas sabem que não é preciso fazer isso a qualquer custo. E isso é algo que a empresa precisa entender, para valorizar justamente a maior linha do orçamento – que não é a maior linha à toa. 

É muito interessante o que você falou sobre desigualdade social, porque empresas como a Epson e a Midea Carrier lidam com diferentes perfis – fábricas, vendas, administrativo, time executivo. São demandas muito diferentes. Por outro lado, o quanto é possível ser flexível para lidar com elas? E como fazer isso em um país em que vários benefícios são determinados por lei? 

Vou ser muito sincero aqui. Acho que estamos muito longe de ter uma geração de gestores e tomadores de decisão capazes de entender que é preciso agir em cima dessa desigualdade social interna. Não vejo um caminho fácil para isso. Então o caminho que uso hoje é trazer benefícios – em especial, aqueles em que não há custo para a companhia, mas sim a geração de demanda para um parceiro. É o caso, por exemplo, dos benefícios de academia. É um caminho mais custoso, que custa a criatividade do meu time, mas que funciona. Infelizmente, para diminuição da desigualdade, ainda se depende muito de convenções sindicais. Os sindicatos e as legislações têm um papel muito importante aí – como é o caso da nova NR-1, que ajuda a provar para um tomador de decisão que é preciso fazer algo diferente. Seria mais fácil e menos doloroso se fosse de outra forma, se já bastasse só dizer que as pessoas precisam de um apoio psicológico porque elas dedicam a vida à companhia. Mas ser humanamente coerente nem sempre dá match com ser coerente com os negócios. O segredo para mudar isso é proporcionar uma coisa ou outra via parceiros. 

Quando a gente fala de equilíbrio, a gente fala de equidade – que depende de um tratamento diferencial para um tipo de público ou de outro. Não é fazendo tudo igual que a gente vai resolver a realidade. 

Muito bom. Lucas, na Midea, além de lidar com remuneração e benefícios, sua área também contempla Global Mobility, que cuida dos expatriados. Como é cuidar dessa área? E como tratar todos igualmente? 

É interessante porque ao mesmo tempo em que há uma parte burocrática muito grande, também é necessário ter um cuidado enorme. Os expatriados costumam ser um público muito carente, que fica anos longe da família. Costumo brincar que somos o RH completo desse público, porque fazemos recrutamento e admissão, documentação, contratação na folha e atendimento. Meu time funciona como os BPs dos expatriados. Quanto à isonomia, isso depende da geografia e do lugar de cada colaborador. Internamente, acho que não temos muita dificuldade porque a maior parte dos expatriados vêm baseado na CLT, que não faz distinção entre países. O desafio está mais no aspecto cultural: como fazer cada pessoa se sentir acolhida, respeitando os costumes dela? E isso é ainda mais sensível em uma companhia chinesa, porque eles têm uma característica mesmo de dar a cara a tapa, desbravar o mundo, e às vezes isso acontece em condições absurdas. Às vezes eles aparecem na minha mesa e dizem que querem ficar no Brasil, do nada, e durante muito tempo esse “vir de qualquer jeito” fez com que a empresa não desse respaldo para eles. Hoje não, nós corremos atrás de vistos, nós ajudamos com a adaptação, e eu busco muito fazer o papel de ouvidoria para explicar diferenças culturais. Os chineses têm o costume de tirar uma soneca depois do almoço – deitando a cabeça na mesa e acabou. E o brasileiro precisa de educação e treinamento para saber lidar com essas situações, sem causar estranheza. Hoje, contratamos uma empresa de cultura para tanto explicar aspectos da cultura brasileira para eles, quanto para treinar o RH. Depois vamos ampliar para alguns clientes internos. Além disso, temos um concierge focado em expatriados para dar suporte a eles 24/7, seja num pronto-socorro ou em alguma necessidade mais simples. Também estamos explorando isso com os parceiros de benefícios: hoje, um plano de saúde não tem aplicativo em outras línguas que não em português, são dificuldades estruturais. Mas é importante construir uma rede de apoio, com empatia. Às vezes pela correria ou pelo nível de exigência do mundo corporativo, a gente esquece que é preciso ter um mínimo de empatia e preocupação com todo mundo com quem a gente está lidando. Quando a gente fala de equilíbrio, a gente fala de equidade – que depende de um tratamento diferencial para um tipo de público ou de outro. Não é fazendo tudo igual que a gente vai resolver a realidade. 

Para fechar, Lucas, você tem alguma sugestão de leitura? 

Tenho uma super dica. Para mim, é um livro que todo mundo deveria ler, mas em especial no mundo corporativo. É o Ruído, de Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sunstein. É um livro que fala muito da forma como cada pessoa lida ou julga uma situação ou outra pessoa. O ruído está baseado nas experiências individuais – e o livro fala como você diminui ou mitiga esses ruídos no seu julgamento. Os líderes deveriam ler porque, após muitos anos, eles se acostumam a lidar só com um tipo de perfil profissional. Às vezes, o gestor não quer ter o trabalho de lidar com diferentes perfis. Ele pode julgar uma pessoa sensível como fraca. Ou alguém que faz um horário alternativo de trabalho com alguém desinteressado. E esse livro ajuda a gente a decifrar isso, explicando como a gente se relaciona interpessoalmente. É fantástico.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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