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Como fazer o RH e o financeiro falarem a mesma língua

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Em evento, diretora de RH da Nokia no Brasil e CFO da Caju mostraram como a construção de parcerias pode auxiliar tanto o caixa quanto o impacto humano nas empresas; colaboração, métricas e criação de relações de confiança são chave, dizem executivos

“Cada colaborador merece uma jornada única”, diz Ana Carolina Costa, da Mondelez

Para diretora de RH da fabricante de alimentos, papel da área é avaliar criteriosamente as competências e desejos de cada colaborador, criando jornadas personalizadas de evolução; na visão da executiva, metas sempre se transformam, mas o apoio deve permanecer igual

Maria Clara Dias
9 de outubro de 2025
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Em pressão constante por adaptações, o RH tem sido colocado à prova quando o assunto é a preparação de profissionais para o futuro do trabalho. Se, de um lado, vemos a demanda pelo desenvolvimento de competências que há pouco sequer existiam, de outro há influência das novas tecnologias na execução dessa árdua missão. O resultado, em muitos casos, são processos engessados e pouco humanizados,que olham para o aprendizado de forma generalista. Mas, no que depender de Ana Carolina Costa, diretora de RH da Mondelez, o conflito acima deve impedir o olhar atento às necessidades individuais de aprendizado de cada colaborador.

Para a executiva, que já assumiu diferentes posições em recursos humanos ao longo de mais de uma década na companhia, é obrigação do RH olhar para cada profissional de forma individual. “Não queremos programas de desenvolvimento ‘de prateleira’, mas sim programas pessoais e efetivos para alavancar de forma muito rápida o desenvolvimento dos nossos colaboradores”, defende a executiva. “Só assim seremos capazes de manter os melhores talentos do mercado”.

A inclinação pelo assunto tem origem pessoal. Há 14 anos na Mondelez, Ana Carolina encarou em sua trajetória uma sequência de mudanças de cargo e de responsabilidades . Para ela, alcançar o sucesso profissional é um trabalho feito a quatro mãos: depende da visão pessoal de cada colaborador sobre seus próprios objetivos, mas também do apoio incondicional da liderança e da empresa como um todo. “Nossas metas pessoais estão sempre em transformação. A necessidade de apoio, não”, defende a executiva, para quem o desenvolvimento de cada colaborador se assemelha à criação de um “mínimo produto viável” que precisa ser testado e validado.

Hoje responsável pelas definições relacionadas à diversidade, à cultura (e é claro, ao desenvolvimento de talentos) para um time de 8 mil pessoas, ela afirma que o segredo para atender aos anseios de todos está na flexibilidade. “Trata-se de adequar não só a minha comunicação, mas os programas que eu tenho, a forma de desenvolvimento e assim entregar efetivamente soluções que vão mover o ponteiro — e não as que estão na moda no mercado”, diz. 

Na entrevista a seguir, ela também fala sobre a influência da tecnologia e da inteligência artificial no dia a dia do RH, da eliminação de tarefas à demanda por novas competências profissionais, e detalha programas internos da Mondelez para viabilizar essa jornada de capacitação de talentos.

Ana, para começar: você é formada em Psicologia e logo se especializou em gestão de pessoas. Sempre foi seu desejo trabalhar no RH?

Quando cursei Psicologia, a única coisa que acreditava existir era a área clínica. Descobri a área organizacional já dentro do curso. No segundo ano da faculdade,comecei a fazer estágio dentro de uma consultoria, trabalhando com recrutamento e seleção. Dali em diante, nunca mais saí de Recursos Humanos, onde estou desde então. Eu me apaixonei pela área, me identifiquei com ela e me sinto muito realizada em estar fazendo tudo que faço. Sinto que o impacto é muito mais perceptível e palpável no ambiente corporativo.

Nessa jornada de mais de uma década na Mondelez, você já passou por diversas funções do RH –de BP voltada à área financeira à gestão de RH para posições corporativas, além de apoiar funcionários com papéis globais. Como foi a sua experiência durante essas diferentes fases, no que diz respeito ao seu papel como RH?

Na Mondelez, temos três grandes áreas em RH, que por aqui chamamos de “torres”. Na torre de People Lead, ou Business Partner, há o consultor que vai estar junto ao negócio para entender como o RH pode ajudar a alavancá-lo. A segunda é a torre de serviços. Aqui incluímos os processos de recursos humanos — que muitas vezes são a primeira coisa que vem à cabeça ao falar de RH —, como admissão, promoção, férias e desligamento. E temos outra torre, a de COE (centros de expertise), que são as áreas que vão definir como as coisas vão funcionar.

Cada expert tem profundidade e conhecimento em determinados temas. Na Mondelez, comecei dentro da área de People Lead, passei para serviços, voltei para business partner e hoje eu estou dentro dessa torre de COE, definindo a forma como vamos atuar. Minha frente hoje define tudo relacionado a talento, engajamento, cultura, diversidade, equidade e inclusão.

Hoje você tem uma posição estratégica como diretora de talento e cultura. O que isso representa na prática, e como esse cargo se difere das demais posições de RH que você vinha ocupando até então? E como foi essa transição, vindo dessa área mais “processual” que você descreveu?

Ao longo da minha carreira, quis ter a chance de passar pelas três torres e, olhando para isso, faltava a oportunidade de atuar como especialista. Quando ela surgiu, fui convidada a assumir essa posição, e tenho me apaixonado cada vez mais por ela. Falo que a minha área é o filé mignon do recursos humanos, porque tratamos de assuntos gostosos e que falam de crescimento, de desenvolvimento, de diversidade, de cultura. Minha paixão surge justamente por poder definir como vamos trabalhar dentro da nossa organização, como vamos alocar o tema da cultura, como vamos criar um ambiente de crescimento e valorização de talentos, e assim orientar os BPs para que eles possam fazer tudo acontecer dentro do negócio.

Prato bom é prato compartilhado? Como sua gestão faz para que essas premissas de cultura e valorização de talentos sejam aplicadas de uma forma holística? Como fazer do filé mignon parte do cardápio de todos, na prática?

Falando em talentos, temos o grande objetivo de fazer com que nossa organização seja muito engajada, diversa, de alto desempenho, com uma cultura inclusiva e de alta responsabilidade, além de ter os melhores talentos do mercado. Hoje, 100% da liderança da Mondelez tem a meta de performance de desenvolver a sua equipe – ou seja, essa é uma responsabilidade de todo líder. Para isso, temos também um processo de performance muito bem estruturado, em que olhamos não só a entrega dessa performance, mas a forma como você a entrega. Existe um outro processo que chamamos de revisão estratégica de talentos, para olhar em profundidade cada uma das nossas pessoas, entendendo seu potencial e onde elas devem estar dentro de um processo de sucessão, considerando seus desejos e os planos de desenvolvimento. Por fim, definimos quais são as experiências diversificadas que vamos oferecer para que elas cheguem lá.

Não queremos ter programas de “desenvolvimento de prateleira”, mas sim programas pessoais e efetivos para alavancar de forma muito rápida o desenvolvimento dos nossos talentos.

E que programas e processos vêm para apoiar essa mentalidade?

Um deles é o Conecta, um programa que dá visibilidade dos nossos talentos para a liderança executiva da nossa área, para que eles possam ter acesso às nossas pessoas. Assim, quando chegarmos na etapa de calibração de performance, eles saberão de quem estamos falando. Ao mesmo tempo, o programa abre uma oportunidade desses talentos discutirem seus planos de desenvolvimento com a nossa liderança executiva. A outra experiência é o Matching Grow, que abre oportunidades no mundo inteiro, permitindo que os colaboradores possam atuar em uma atividade, área ou numa função completamente diferente. 

Aqui, damos a oportunidade de viverem experiências e desenvolverem habilidades distintas, conhecendo outras áreas — e de uma forma global. No geral, fazemos as seguintes perguntas: “o que é possível fazer?” “O que é possível prover?” “Que experiências diversas vamos ter?” O foco sempre é olhar essas experiências de uma forma personalizada: afinal, o que é importante pra mim pode não ser importante para outra pessoa. Não queremos ter programas de “desenvolvimento de prateleira”, mas sim programas pessoais e efetivos para alavancar de forma muito rápida o desenvolvimento dos nossos talentos. Trata-se de entender as peculiaridades de cada uma dessas pessoas e adequar não só a comunicação, mas os programas, a forma de desenvolvimento e assim entregar efetivamente soluções que vão mover o ponteiro — e não as que estão na moda no mercado.

Você é uma figura bem vocal em relação ao tema diversidade, que é também uma forte bandeira da Mondelez.  Como é de fato trabalhar a questão da diversidade, ainda sob esse viés da cultura corporativa na Mondelez?

Não falamos de talento ou de diversidade, mas sim de um “talento diverso”. A diversidade tem que ser parte de tudo que aplicamos, a cada processo de recursos humanos. Então, para mim, não é algo distinto. Falando em talentos diversos, não quero apenas atrair, mas mantê-lo por ali por meio da inclusão e sensação de pertencimento. Então, é fundamental que as pessoas se sintam pertencentes, valorizadas, e que suas ideias estejam sendo consideradas pelos gestores. Tudo isso colabora para que as pessoas sejam, cada vez mais, elas mesmas dentro da nossa organização e atinjam seu pleno potencial.

Neste ritmo de mudanças constantes que encaramos no mundo do trabalho, é comum vermos jornadas profissionais cada vez mais curtas. Você contraria essa lógica, já que só na Mondelez você já tem 14 anos no currículo. Que lições você pode dar para profissionais que ainda buscam por jornadas longevas assim? Como saber até onde ainda dá para ir, e onde ainda há algo a extrair de uma experiência profissional?

Para mim, é muito importante saber que estou me desenvolvendo, aprendendo e que gerando algum tipo de impacto. Na Mondelez, nunca fiquei dois anos e meio na mesma posição. Vivi muitas experiências distintas, que me requisitavam habilidades e competências distintas. Acho que a primeira coisa que cada um deve se perguntar é: estou aprendendo e vivendo coisas distintas? Com a resposta, é possível entender se a pessoa está em uma zona de conforto ou em uma zona de aprendizagem. 

A inteligência artificial traz muitos benefícios, e precisamos dela. Mas precisamos saber em que momento ela deve ser usada. 

Depois de tantos anos na área, quais são as principais mudanças que você percebe no RH, especialmente após a pandemia?

O RH vive mudanças distintas e obviamente tanto a área quanto os profissionais precisam se adequar ao que está acontecendo. Antes, a gente tinha uma área de recrutamento e seleção que fazia 100 % do processo. Hoje, temos inteligência artificial que faz parte deste processo, como a primeira fase de seleção. Vemos pessoas se desenvolvendo para serem bons líderes e, para isso, era preciso o apoio de alguém.

Hoje, a IA pode assumir essa conversa e fazer simulações de situações específicas. Como profissionais de recursos humanos, precisamos tirar vantagem de tudo isso. A inteligência artificial traz muitos benefícios, e precisamos dela. Mas precisamos saber em que momento ela deve ser usada. Dentro dos processos de RH, por exemplo, estamos incluindo cada vez mais etapas que podem ser feitas por agentes digitais. Além disso, surgem outras habilidades ou outras posições com a entrada da inteligência artificial. Então, ao falar de mudanças, diria que a principal transformação está nessa necessidade de adotar a tecnologia, entender como tirar vantagem dela e ter a sensibilidade para entender em que momento é preciso a interferência de um humano para dar um “check” em tudo.

Nos próximos cinco anos, a IA vai mudar a nossa forma de interagir, a nossa forma de trabalhar, e como vamos entregar as coisas dentro de uma organização. 

Por falar em mudanças, como você enxerga o futuro do RH nos próximos cinco anos? A IA vai continuar sendo pauta dessas transformações?

Sim. Nossa estratégia e principal meta para 2030 é dobrar de tamanho. E um dos grandes alavancadores para isso será o digital. Nos próximos cinco anos, a IA vai mudar a nossa forma de interagir, a nossa forma de trabalhar, e como vamos entregar as coisas dentro de uma organização. É um processo de transformação, como foi no passado, quando eliminamos movimentos repetitivos e colocamos uma máquina no lugar. Hoje, temos processos cognitivos que podem ser executados por uma máquina. É uma evolução e continuará sendo assim daqui pra frente, usando cada vez mais a máquina a nosso favor. 

Para fechar: você tem alguma indicação de leitura ou podcast? 

Um livro que usamos muito aqui dentro da Mondelez é o Os Primeiros 90 Dias, do Michael Watkins. Ele fala muito sobre como se habituar a um novo cenário, a uma nova posição, a uma nova forma de trabalhar, deixando claras as transformações vividas nos primeiros 30, 60 e 90 dias. Para mim, é um livro de cabeceira que me ajudou em diversos momentos, considerando todas as mudanças que eu vivi, sem me esquecer de que é cada vez mais certo de que outras mudanças vão existir.

Jornalista de negócios, empreendedorismo e tecnologia. Passou por publicações como Exame, Época Negócios e Autoesporte, além de colaborar com reportagens especiais para a Gazeta do Povo. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria Jornalismo de Revista pela ABF em 2022.

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