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Como a Libbs construiu um ecossistema estruturado de cuidado à saúde mental

Da prevenção ao acompanhamento contínuo, farmacêutica combina atendimento multidisciplinar, dados e liderança humanizada para prevenir o adoecimento emocional

Caroline Marino
3 de setembro de 2025
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Nos últimos anos, a dinâmica corporativa passou por mudanças profundas e parece não haver mais espaço para ambientes baseados em controle, medo e busca por resultados a qualquer custo. O impacto negativo desse sistema está cada vez mais evidente: em 2024, o Brasil registrou mais de 470 mil licenças por transtornos mentais – o maior volume da última década e 68% acima do total de 2023, segundo o Ministério da Previdência Social. Afastamentos por ansiedade estão no topo da lista, com 141 mil, seguido de depressão, que registrou em torno de 113 mil. O burnout não está nesse ranking, mas a estimativa é que ultrapasse 4 mil casos, número que pode ser ainda maior devido à subnotificação e às dificuldades de diagnóstico.

Na contramão dessas estatísticas, a Libbs Farmacêutica vem, desde 2021, estruturando uma abordagem consistente dedicada à saúde mental. O modelo combina atendimento multidisciplinar, suporte emocional contínuo, atenção primária à saúde e desenvolvimento de lideranças mais empáticas. Entre as iniciativas está o Núcleo de Cuidado, voltado à saúde integral e com foco no bem-estar mental, que já ultrapassou 46 mil atendimentos desde a criação – só no ano passado, foram mais de 16 mil. Outro destaque é o Serviço de Apoio Social e Emocional, que conta com psiquiatra, psicólogo e assistente social próprios para atender casos de luto, traumas, ansiedade, depressão, apoio em hospitalizações e conflitos familiares, além de auxiliar no autoconhecimento.

“Esse ecossistema foi pensado para que cada programa cumpra um papel específico, mas se conecte aos demais para garantir bem-estar e saúde de ponta a ponta”, explica Henrique Padial Ferri Holzhausen, diretor de cultura e processos da Libbs. Em paralelo a isso, ele reforça a criação de processos claros e o treinamento dos líderes para garantir que o colaborador se sinta seguro para abordar qualquer questão. “Não adianta dizer ao funcionário que ele pode falar sobre um desconforto se não criamos condições reais para isso. Também precisamos cuidar do líder, que deve saber ouvir, lidar com erros de forma construtiva e desenvolver pessoas sem recorrer ao medo ou à pressão”, diz.

Na entrevista a seguir, o executivo detalha como a companhia construiu essa jornada.

Quando surgiu a decisão de estruturar uma política mais consistente de saúde mental e quais foram os primeiros passos?

Como uma indústria farmacêutica, sempre tivemos essa preocupação. Mas, entre 2020 e 2021, diante da velocidade das transformações sociais e tecnológicas, dos reflexos da pandemia e da sobreposição de papéis, decidimos rever a abordagem e criar uma estrutura mais robusta. O primeiro passo foi mapear os riscos psicossociais com base em dados concretos: afastamentos, atestados, indicadores de clima e pesquisas internas e externas. Assim, nossas ações passaram a ser guiadas por evidências, e não por percepções isoladas.

Definimos duas frentes de atuação: a reativa, para acolher e tratar quem já apresenta questões de saúde; e a preventiva, voltada à redução de riscos antes que se tornem enfermidades. Isso envolveu a criação de atendimentos especializados e mudanças estruturais nos processos e na forma de liderar, com foco na segurança psicológica. Com cerca de 4 mil colaboradores espalhados pelo Brasil, sabíamos que parte da transformação estava na aproximação de gestores e equipes, e no desenvolvimento de um espaço pautado pela confiança, no qual todos se sintam à vontade para expor dificuldades. Diferentemente de uma lesão física, os transtornos mentais muitas vezes não são reconhecidos nem pela própria pessoa e ainda há muito preconceito. Por isso, criamos campanhas como Falar Pode Mudar Tudo, que incentiva o diálogo e combate estigmas, e o Perguntar Não Ofende, um canal direto – e anônimo, se desejado – com o presidente da empresa.

Não adianta dizer ao funcionário que ele pode falar sobre um desconforto se não criamos condições reais para isso.

Você comentou sobre a importância de construir um ambiente pautado em segurança psicológica, o que pressupõe contar com líderes bem preparados. O que está por trás disso?

O comportamento é a base de tudo. Não adianta dizer ao funcionário que ele pode falar sobre um desconforto se não criamos condições reais para isso. O líder precisa saber ouvir, lidar com erros de forma construtiva e desenvolver pessoas sem recorrer ao medo ou à pressão. Mas, para que isso aconteça, também precisamos cuidar do gestor.

Nesse sentido, criamos o Juntos no Cuidar, um conjunto de encontros virtuais e sigilosos conduzidos por psicólogo e assistente social, com apoio do time de desenvolvimento de talentos. A iniciativa ajuda a identificar sinais de sobrecarga, estresse ou outras questões no time, além de orientar sobre como agir – inclusive em situações delicadas, como quando o colaborador não fala, mas demonstra estar com dificuldades. O próximo passo é o lançamento do Juntos no Cuidar 2.0, expandindo o foco para além dos gestores. A ideia é envolver, também, colegas e pares como pontos de apoio – pois, em muitos casos, é com eles que a pessoa conversa primeiro.

Sabíamos, no entanto, que não bastava treinar líderes ou oferecer atendimento psicológico. Era necessário rever processos internos, ajustar metas, melhorar a comunicação, fortalecer canais de escuta e acompanhar indicadores para medir a efetividade das ações. E esse é um trabalho contínuo.

Pode dar exemplos práticos?

Desenvolvemos algumas iniciativas ao longo do tempo. Uma delas é o Código de Elegância Corporativa, que surgiu durante a pandemia com o home office, para preservar o bem-estar e promover uma integração saudável. As diretrizes incluem: reuniões devem ser marcadas das 9h às 17h, evitando o horário do almoço; pausas de 10 minutos a cada hora de reunião; intervalos de cinco minutos após duas horas de trabalho; e uso de aplicativos de mensagem apenas para comunicação assíncrona.

Outra medida foi substituir metas individuais por metas compartilhadas para toda a empresa, reduzindo a competição excessiva e fortalecendo o clima organizacional. Também realizamos, a cada seis meses, a pesquisa MentEx, que mede a mentalidade de excelência das lideranças com base em três prioridades – segurança física e psicológica, qualidade e produtividade –, exatamente nessa ordem. As perguntas giram em torno de pontos como “me sinto seguro para falar sobre qualquer tema com meu gestor?”, e as respostas orientam treinamentos e ações específicas. Além disso, incentivamos conversas individuais mensais entre gestor e liderado.

O ecossistema de cuidado da Libbs inclui programas como o Núcleo de Cuidado, o Serviço de Apoio Social e Emocional e o Programa de Apoio Oncológico, que já somam milhares de atendimentos. Como essas iniciativas funcionam na prática e de que forma se complementam para atender diferentes necessidades dos colaboradores?

Essa abordagem foi pensada para que cada programa cumpra um papel específico, mas se conecte aos demais. O Núcleo de Cuidado atua na Atenção Primária à Saúde (APS) com foco na promoção e prevenção. O serviço reúne uma equipe multidisciplinar com médico do trabalho, clínicos gerais, psiquiatra, psicólogo, nutricionista, assistente social, ginecologista, e onze linhas de cuidado – entre elas diabetes, obesidade, ansiedade e depressão. Desde 2022, já ultrapassamos 46 mil atendimentos, sendo mais de 16 mil apenas em 2024. Esse trabalho gera indicadores importantes, que nos ajudam a identificar tendências e atuar de forma preventiva, como no aumento sazonal de doenças respiratórias, que direciona campanhas de vacinação.

Há também o Serviço de Apoio Social e Emocional, que conta com psiquiatra, psicóloga e assistente social próprias da empresa. Psicólogo e psiquiatra atuam juntos em casos de luto, traumas, depressão, ansiedade e repercussões emocionais de doenças físicas, enquanto o assistente social apoia em processos de afastamento, hospitalizações, trâmites funerários e relações conflituosas com familiares ou até no ambiente de trabalho, além do acompanhamento social de colaboradores e dependentes hospitalizados. Outra frente é o Programa de Apoio Oncológico, que garante acolhimento emocional e social a quem enfrenta o câncer, direta ou indiretamente.

O trabalho remoto também faz parte dessa estrutura, não é?

O home office começou como uma necessidade em 2020, por conta das restrições de isolamento da covid-19, e funcionou muito bem. Quando a situação se normalizou e as discussões sobre voltar ao presencial se intensificaram, com muitas organizações defendendo o regime, nos baseamos em duas perguntas simples: “por que retornar aos escritórios?” e “qual problema queremos resolver?”. Com base em pesquisas e diálogos, identificamos que o time estava satisfeito, performando bem e com mais equilíbrio e qualidade de vida, e seguimos com o trabalho 100% remoto para funções administrativas. Uma pesquisa recente mostra que 99% dos colaboradores aprovam o regime, e 97% dos gestores avaliam aumento na produtividade.

Pensando no bem-estar, também focamos na ergonomia, com orientações de especialistas sobre o melhor mobiliário de trabalho, como cadeiras e mesas, e até os equipamentos mais adequados, incluindo fones de ouvido. Contamos com fisioterapeuta e ergonomista. 

O RH é articulador e facilitador. Ele fornece dados, processos e suporte técnico para que os líderes possam agir. Mas é o gestor que sustenta a cultura no dia a dia.

Qual é o papel do RH nesse modelo?

O RH é articulador e facilitador. Ele fornece dados, processos e suporte técnico para que os líderes possam agir. Mas é o gestor que sustenta a cultura no dia a dia. Por aqui, o grande avanço foi separar claramente o que cabe ao RH e o que cabe à liderança, garantindo que as ações sejam sustentáveis. Trabalhamos para eliminar o viés e o achismo, baseando as decisões em fatos e indicadores.

Jornalista apaixonada por ouvir e contar histórias, é especializada em carreira, negócios e RH. Com passagens por Você S/A e Cosmopolitan Brasil, e colaborações para veículos como Época Negócios, Valor Econômico, Exame e Uol, é coautora do livro "O mundo (quase) secreto das startups" e apresentadora do podcast "Sem Crachá".