Formada em Letras, executiva teve carreira de duas décadas em marketing e segmentação de clientes até descobrir que queria trabalhar com RH; para Izabel, futuro da área é se tornar imprescindível em qualquer discussão de negócios

Pensar no bem-estar das equipes é uma das maiores preocupações dos profissionais de RH para o futuro – como mostra uma pesquisa recente feita por Cajuína, Pipo Saúde e Comp. Mais presente na pauta das organizações desde a pandemia e o período de isolamento social, que provocou um turbilhão na forma de se trabalhar e de se pensar sobre o trabalho, o tema está diretamente ligado à felicidade corporativa, assunto que tem ganhado atenção ao longo dos últimos anos.
“As empresas começam a entender que as pessoas estarem infelizes no trabalho impacta nos resultados. Infelicidade reduz produtividade, reduz engajamento, reduz as entregas, aumenta o turnover e o absenteísmo. São dores que provocam um custo alto e que as empresas precisam reverter”, diz Renata Rivetti, fundadora da consultoria ReConnect Happiness at Work, especializada no assunto, citando ainda tópicos como o aumento de casos de afastamento de trabalho gerados por questões de saúde mental.
Para marcar o Dia Internacional da Felicidade, criado em 2012 pela Organização das Nações Unidas e comemorado no dia 20 de março, Renata discute na entrevista a seguir o que de fato significa felicidade corporativa – e como as empresas podem trabalhar para criar ambientes mais saudáveis e dignos para seus colaboradores. “As empresas não farão as pessoas felizes. Por outro lado, é importante que as empresas não sejam um ofensor da saúde mental das pessoas”, ressalta a especialista.
Ela também explica qual papel o RH pode exercer nessa construção e ressalta a importância das lideranças estarem compradas na promoção de um ambiente de trabalho melhor, chamando a atenção para a responsabilidade social das organizações. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Trabalhar o tema da felicidade corporativa é uma forma de garantir que as pessoas permaneçam nas empresas motivadas, engajadas e entregando resultados.
Pensar a felicidade no trabalho tem a ver com a forma como uma pessoa se sente com relação a três pontos. O primeiro são as relações no trabalho – isto é, se existe um ambiente em que a pessoa se sente valorizada, reconhecida, incluída e pertencente, no qual existam relações de confiança e segurança psicológica. O segundo aspecto tem a ver com o próprio trabalho, considerando o quanto essa pessoa se sente desafiada, realizada e capaz de encontrar sentido no que faz. Por fim, o terceiro aspecto é o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Por muito tempo, as empresas se colocaram num lugar de poder e as pessoas ficavam nelas porque não tinham muita opção nem se questionavam muito sobre isso. Durante muito tempo, o trabalho foi mais associado ao sofrimento do que à realização ou ao sentido. O mundo mudou, os valores das novas gerações mudaram e o olhar para o trabalho mudou. Hoje, passamos grande parte da nossa vida trabalhando e o trabalho faz cada vez mais parte da nossa vida – especialmente com o mundo digital e o mundo híbrido. Isso fez as pessoas questionarem o que é o trabalho em suas vidas. Em um primeiro momento, as empresas acharam que bastava dar benefícios ou ter um ambiente bonito, com salas de descompressão, para resolver esse problema. São pontos interessantes, mas não fazem a pessoa acordar motivada e engajada. Daí, as empresas começam a entender que as pessoas estarem infelizes no trabalho impacta os resultados. Infelicidade reduz produtividade, reduz engajamento, reduz as entregas, aumenta o turnover e o absenteísmo. São dores que provocam um custo alto e que as empresas precisam reverter. Trabalhar o tema da felicidade corporativa é uma forma de garantir que as pessoas permaneçam nas empresas motivadas, engajadas e entregando resultados.
O tema do dinheiro e felicidade é super importante de ser compreendido. Para quem não tem as necessidades básicas atendidas, há uma maior probabilidade de ser infeliz. Quem não tem moradia, por exemplo, vive mais ansioso ou mais preocupado. Falta de dinheiro aumenta a chance de infelicidade. O que não garante que ter dinheiro traga felicidade. No trabalho, funciona da mesma forma. Quem tem um bom salário e bons benefícios considera esses fatores como básicos e busca outros temas – como autorrealização, novos desafios ou senso de pertencimento. Se formos pensar na pirâmide de Maslow, salário e benefícios entram como necessidades básicas, mas é preciso que as empresas vão além desses pontos para garantir a motivação, o engajamento e a felicidade.
As empresas precisam entender o que mais faz sentido para uma determinada pessoa. Quando a gente coloca as pessoas certas nas atividades certas, elas são mais felizes no trabalho, se engajam e produzem mais.
As empresas não farão as pessoas felizes. Por outro lado, é importante que as empresas não sejam um ofensor da saúde mental das pessoas. Ter um ambiente seguro psicologicamente é muito importante, bem como ter boas relações e uma liderança que reconheça as pessoas. Reduzir a sobrecarga de trabalho também é relevante – e acredito que usar mais a tecnologia para ter mais equilíbrio entre vida pessoal e profissional é um caminho. Além disso, as empresas precisam entender o que mais faz sentido para uma determinada pessoa. Quando a gente coloca as pessoas certas nas atividades certas, elas são mais felizes no trabalho, se engajam e produzem mais.
O RH é quem vai trazer de forma estratégica o tema da felicidade corporativa para a organização, mas ele não vai conseguir fazer as pessoas felizes. O papel do RH tem muito mais a ver com uma construção estratégica de uma cultura de bem-estar, mas a liderança precisa se engajar nos rituais. No final do dia, é o líder que tem de valorizar e reconhecer o time, é o líder que tem de desenvolver as pessoas, encontrando habilidades e dons de cada um e é o líder quem consegue ajudar o time a reduzir a sobrecarga.
A solução está na construção de uma cultura de segurança psicológica, de confiança, de bem-estar, que é aliada dos negócios.
Se a alta liderança não entender que o tema é importante, de fato vai ser difícil construir uma cultura de bem-estar. Temos tentado sensibilizar a alta liderança sobre as dores que as empresas possuem – turnover, absenteísmo, falta de produtividade – e que a resolução desses problemas não passa por modelos antigos, como comando-e-controle ou microgerenciamento. Pelo contrário: a solução está na construção de uma cultura de segurança psicológica, de confiança, de bem-estar, que é aliada dos negócios. A sustentabilidade humana é essencial para a sustentabilidade dos negócios.
O RH tem um papel de construir um ambiente mais harmônico entre as pessoas, incentivando as lideranças a criarem mais espaço para situações de 1:1 e para rodas de conversa. É papel do líder criar um ambiente em que as pessoas possam se expressar sem medo de serem punidas ou julgadas, mas o RH tem o papel de acompanhar o que está acontecendo.
Não existe felicidade sem humanidade. Respeito, inclusão e equidade deveriam ser o básico de todo ambiente que quer construir uma cultura de felicidade corporativa. Já está claro o quanto o campo de diversidade, equidade e inclusão trazem resultados para a inovação e a criatividade dos times, mas antes disso, é preciso dizer que não existe felicidade num ambiente de abuso, assédio ou humilhação. A diversidade, a equidade e a inclusão são a base de tudo isso.
Para quem quer começar a pensar na felicidade corporativa, é importante primeiro entender o cenário da empresa. Isso significa entender como as pessoas se sentem, fazendo um diagnóstico por meio de pesquisas qualitativas ou quantitativas. O outro ponto é de fato co-criar um plano de ação. Não dá para chegar com uma fórmula mágica do nada. É preciso trazer os líderes para perto, buscando entender o que funciona em cada área e o que pode ser feito para que as pessoas possam de fato criar novas práticas, novos rituais e novas formas de se relacionarem entre si e com o trabalho.
Espero que a gente consiga construir um mercado corporativo mais humano, mais justo e mais empático. É importante lembrar que tudo isso é importante para a sustentabilidade dos negócios. Num mundo que já é tão desafiador, a empresa não deveria ser mais um ofensor da saúde mental das pessoas. As empresas têm uma responsabilidade social nesse sentido. Espero que tenhamos lideranças que sejam mais empáticas para entender as que ações que elas praticam no dia a dia impactam a saúde mental das pessoas. Além disso, em um país cheio de instabilidades, é importante ter nas organizações um lugar que seja de apoio para a saúde mental.
O livro do Domenico de Masi, O Trabalho no Século XXI, traz um pouco esse olhar de como nos relacionávamos com o trabalho e como podemos construir um novo olhar para o trabalho daqui para frente. Seguimos modelos pós-Revolução Industrial há 100 anos e está na hora de construirmos um novo olhar para o mundo do trabalho. Além disso, deixo também a sugestão do meu TEDx sobre felicidade, no qual falo um pouco dos pilares mais importantes para construir uma vida mais feliz nos dias de hoje.
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