Com 35 anos de carreira, sendo 25 deles na área de Recursos Humanos, Ricardo Mota já viu de perto muitas transformações: das primeiras experiências com treinamentos gamificados, lá nos anos 2000, até o uso de inteligência artificial no RH. Hoje, à frente da diretoria de RH da Rede Américas, rede hospitalar criada a partir da união entre Dasa e Amil, o executivo é responsável por cuidar de um time de mais de 34 mil pessoas espalhadas pelo país. Mais do que processos, números ou estruturas, ele acredita que o principal produto do RH são as emoções humanas.
Quando você está no papel do RH, o produto que você trabalha são as pessoas e suas emoções.
A frase resume bem a forma como Ricardo enxerga sua missão: de origem humilde e com passagem por setores tão diversos quanto tecnologia, concessionárias e telecomunicações, ele traz para o mundo corporativo uma visão que combina empatia e pragmatismo.
Foi com esse olhar que ele ajudou a conduzir a integração entre duas das maiores redes hospitalares do país, transformando a fusão entre Dasa e Amil em um projeto de construção cultural: nasceu daí a Rede Américas, cujo propósito – “paixão por cuidar” – une o legado das duas empresas e reflete uma visão mais ampla sobre o papel do trabalho. “Cuidar das pessoas é uma necessidade, um desejo, e é algo que trago de muito genuíno”, diz.
Nesta conversa com Cajuína, Ricardo fala sobre sua trajetória, os aprendizados de quem já viu o RH mudar de papel várias vezes e o que acredita ser essencial para o futuro: menos siglas e modismos, mais escuta, curiosidade e genuíno interesse por gente.
Ricardo, você tem mais de três décadas de carreira, mas seus primeiros dez anos não foram no RH. Como você foi trabalhar na área?
Estou completando 25 anos em RH em 2025. Comecei a carreira como operador de centrais de atendimento, trabalhei na Tecban e no Itaú Unibanco. Em 1999, fui convidado pela Globo Cabo para fazer o lançamento do Virtua, a primeira internet banda larga do Brasil. Os testes piloto eram em Sorocaba, montei a central, os scripts e fazia os treinamentos. De lá, fui convidado para trabalhar na DGX, uma empresa que tentava vender slots na nuvem para outras organizações – o que não deu certo, mas abriu muitas portas.
Conheci várias empresas, prestei muitos serviços e certo dia, o presidente de uma companhia de telecomunicações, a Atrium, me chamou para conversar. Ele precisava de um diretor de RH e queria que eu fosse trabalhar com ele. Eu achei que ele estava maluco, eu não sabia nada de RH. E ele respondeu: “você é engenheiro? É técnico em informática? Então como trabalha em tecnologia?”. E aí eu entendi que meu negócio era cuidar de gente.
Foi aí que eu trabalhei em uma série de empresas como executivo de RH: na Atrium, na Telefônica, na UAB Motors, que era uma rede de concessionárias, onde fui uma das primeiras pessoas a usar games para fazer treinamentos. Depois, montei uma consultoria e também fui superintendente da ABRH, que é a associação responsável pelo Congresso Nacional de Recursos Humanos (ConaRH). Levei diversidade, levei cultura, levei a Anitta para palestrar. No meio da pandemia, acabei assumindo a área de diversidade da Hapvida, com o desafio de implantar diversidade numa empresa do Nordeste, num regime 100% presencial. Topei o desafio de voltar para o mercado, e aí fui convidado para ir para a Dasa. Agora, quando unimos os hospitais da Dasa e da Amil na Rede Américas, fiquei na Rede Américas. De forma resumida, é isso.
Foi incrível. Acho que não tem um MBA no mundo que pague a experiência e a troca de viver algo que é coletivo de verdade, como foi na ABRH. Para criar um congresso, é preciso reunir mentes pensantes: professores, conselheiros, presidentes, RHs, todos juntos pensando para onde estamos indo, os desafios dos próximos anos. Isso abre muitas oportunidades e amplia a forma com que se analisam as coisas. Muitas vezes, na rotina, achamos que temos respostas para tudo. E não é assim: na ABRH, aprendi e expandi meu cérebro para pensar de verdade.
Quando discutíamos os desafios do RH, cada um trazia seus problemas e missões – e gerávamos uma outra visão. Eu lembro quando quis trazer a Anitta para falar sobre carreiras e jovens. Muita gente achou que eu era louco de levar uma funkeira para um congresso de RH. Mas não: ela expandiu as barreiras e contou como estava construindo a carreira dela em 2017. Ela contou em 2017 o que ela conquistou hoje. Para mim, é uma prova que é necessário abrir a visão e ousar um pouco. Falta ousadia hoje em dia – não a loucura, mas sim a ousadia.
Quando você volta ao mercado, você vai trabalhar no setor de saúde pela primeira vez. É uma área cheia de especificidades. Como foi esse desafio?
Veja bem: eu passei por prestação de serviços, bancos, tecnologia, concessionárias… e no final do dia, me dei conta que quando você está no papel do RH, o produto que você trabalha são as pessoas e suas emoções. Não importa o que você vai vender no final, importa o que você faz para as pessoas venderem o seu melhor produto. O que é importante para a empresa é o cuidado que você tem com as pessoas – e se é genuíno ou não nesse tratamento.
Na área de saúde, você amplia isso ao extremo, porque lida com vidas. Cuidar das pessoas é uma necessidade, um desejo, e é algo que eu trago de muito genuíno. Venho de uma família pobre, estudei a vida toda em escola pública, morava no extremo da Zona Leste. E ao chegar numa posição bacana, busco sempre pensar em como promover dignidade para as pessoas – e isso faz todo o sentido na área da saúde.
Quando você chegou na Rede Américas, qual era o desafio inicial?
Quando entrei na empresa, cheguei para cuidar da comunicação e do desenvolvimento de pessoas, organizando as ações no pós-pandemia. Ao contrário de outras empresas, nós não tivemos o desafio de voltar, porque nunca paramos durante a pandemia. Mas tínhamos o desafio de direcionar a empresa para esse novo momento que estava sendo criado com a fusão das operações. São mais de 30 mil funcionários e era preciso reorganizar.
O primeiro passo foi fazer uma pesquisa de cultura, para entender o que a empresa vive e o que as pessoas anseiam e identificam como necessidade. Tivemos de inventar uma nova empresa, com uma cultura diferente. Mas tomamos cuidado para unir as mensagens. Qual era o valor mais forte da Dasa? Paixão pelas pessoas. E o da Amil? Nascemos para cuidar. O propósito da nova empresa é “paixão por cuidar”. Parece simples, mas é algo que mostra que o legado é importante e que valorizamos as histórias. É algo essencial para que a gente possa ter sucesso na construção da nossa própria história.
Precisamos aprender e olhar para as pessoas como de fato elas são. Não existe ninguém igual a ninguém.
Quando você olha para o presente e para o futuro, qual é o grande desafio do RH?
São as relações, que estão cada vez mais difíceis. Hoje temos cinco gerações trabalhando juntas. Unir o comportamento – a ansiedade do jovem, a serenidade do experiente – é um desafio gigante. E para isso, precisamos aprender e olhar para as pessoas como de fato elas são. Não existe ninguém igual a ninguém. Se cada um souber o que o outro tem a oferecer, nem todas as respostas estarão prontas. Não há resposta certa ou errada, mas o conjunto dessas respostas, quando se trabalha junto em prol de um alvo real, é o que vai trazer a velocidade que a gente quer para a transformação e o trabalho.
Em termos de ações práticas, como você endereça essa filosofia?
O que valoriza a relação na área da saúde é a forma como atendemos os pacientes – e, por consequência, a forma como o corporativo atende quem vai atendê-los. Acredito num modelo em que os valores da empresa orientem os gestores para cuidar dos colaboradores que estão na linha de frente. Com base nisso, criamos valores bem focados nessa relação. O primeiro é a proximidade: só vou entender a necessidade de alguém se eu estiver próximo e for genuíno. Da mesma forma, é preciso ter acolhimento, ética e excelência. Não é um valor único, mas são valores que a empresa tem de entregar para o colaborador, para que ele entregue para o cliente final. Fazemos isso por meio de muita escuta. Ao mesmo tempo, também mostramos ações que endereçam esses valores que nós temos, reconhecendo as atitudes.
Como a Rede Américas está usando IA no RH?
Temos algumas ações pontuais por enquanto, mas sempre estamos buscando aprender mais. Estamos criando um agente para apoiar o RH, respondendo dúvidas sobre holerite, benefícios, de maneira a acelerar e facilitar o atendimento da nossa população. Outro agente que estamos construindo é o de treinamento de cultura. Ele permite que o colaborador interaja com ele, aprendendo numa conversa. E ele está treinado inclusive para responder frases como “acho cultura um saco”, respondendo que é um ponto de vista e explicando mais sobre o tema. Pode ser um ponto de apoio importante para fazer com que a cultura se transforme de maneira positiva.
Outro agente que estamos criando vai cuidar da nossa intranet, ajudando as pessoas a encontrarem os conteúdos. Meu desejo, para o futuro, é criar um único agente do RH, especialista em tudo que acontece na Rede Américas. Não vai ser uma inteligência artificial, vai ser uma extensão da mente do colaborador, ajudando-o em diversos aspectos.
Espero que o RH pare de inventar moda de siglas, fantasias, tendências… e olhe para as pessoas, usando a tecnologia para fazer os trabalhos repetitivos e obrigatórios.
E como vai ser o RH de 2030?
O RH tem de parar de inventar moda: ele tem que cuidar das pessoas. Hoje, as pessoas falam muito sobre estratégia, sobre transformação dos negócios, e sobre como o RH tem de ocupar a cadeira que lhe é cabível dentro dessas estruturas. As empresas que querem fazer qualquer coisa – um produto ou serviço – precisam de pessoas, porque são elas que vão fazer esses produtos ou serviços. Se as empresas não olharem as pessoas como o principal produto delas, elas nunca serão as melhores. Para 2030, espero que o RH pare de inventar moda de siglas, fantasias, tendências… e olhe para as pessoas, usando a tecnologia para fazer os trabalhos repetitivos e obrigatórios que temos de fazer também.
Para fechar, Ricardo: alguma indicação de leitura para o RH?
Ler é sempre bom e maravilhoso, é importante ser curioso e aprender. Mais do que livros, eu gosto muito de ler artigos científicos. Gosto de fuçar bancos de teses de doutorado que olhem para gestão de pessoas, porque é dali que vem os grandes aprendizados e tendências. É uma recomendação que faço a todos: ser curioso e aprender, mas buscar em diferentes lugares.