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Trabalhar dentro de patrimônios históricos traz benefícios além do charme e do visual

Atualmente, as empresas estão verdadeiramente pensando na mobilidade dos seus colaboradores e na acessibilidade dos escritórios? Nesse sentido, empresas do Recife Antigo tem muito a ensinar.

Raul Juste Lores
23 de julho de 2025
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Os 400 funcionários da Deloitte no Recife ocupam o terceiro andar de um antigo silo de trigo, que era o maior do Nordeste, quando inaugurado em 1919. Retrofitado recentemente, tem aquela cara industrial que costumamos admirar na paisagem de Londres ou Nova York. O moinho foi desativado em 2009 e agora abriga diversas empresas e um restaurante no rooftop.

Bem na frente dele, os mais de mil empregados da Accenture ocupam diversos antigos galpões, belamente retrofitados, com vista pro Oceano Atlântico (que, como todo mundo sabe, nasce no encontro dos rios Capibaribe com Beberibe, garantem os recifenses). Accenture e Deloitte ficam a passos do Paço do Frevo, centro cultural do Recife antigo com um agitado café, e da primeira sinagoga das Américas, que virou museu.

A poucas quadras, fica o hub digital do Bradesco, que se divide entre casarões do século 19, assim como outras empresas de segurança digital, games e muitas startups. O Banco do Brasil também tem uma boa âncora por lá.

O Porto Digital do Recife, o maior polo tecnológico urbano do país, completa 25 anos, e ainda assim tem poucos filhotes ou irmãos menores pelo Brasil. Muito pelo contrário: parece que não sabemos copiar. O Governo do Mato Grosso acaba de anunciar a criação de um parque tecnológico em Cuiabá literalmente no meio do nada. As imagens das obras fazem pensar a quantidade de årvores sacrificadas por um progresso com cheio dos anos 1970s, quando empresas insistiram em se isolar em um campus no meio do nada.

Enquanto equipes inteiras gastam vinte minutos (no mínimo) só em estacionamentos de shoppings, para não falar em gastos com fretados, vans e afins, para conseguir almoçar, esses trabalhadores recifenses podem bater perna ao ar livre, fora das repetitivas ofertas nas praças de alimentação. Em cinco minutos, já estão fazendo seu pedido ao garçom.

Em um país ainda pobre como o Brasil, parques tecnológicos isolados e com esparso transporte público (ou inexistente) parecem não se preocupar com a acessibilidade para estudantes, professores, guardas, faxineiras, cozinheiras e todos os trabalhadores que terão que fazer viagens diárias. Para não falar da miopia com a sustentabilidade e dos combustíveis gastos sem necessidade. Esses polos supostamente modernos se espalham do interior de São Paulo à Santa Catarina, repetindo os mesmos erros de décadas atrás.

Até a inovadora (em outras áreas) São José dos Campos tem um polo tecnológico antiquado no que se refere ao urbanismo. Consertar custa caro!

Voltando ao Recife, além do charme de se reaproveitar construções históricas, das ruazinhas compactas e caminháveis do Recife Antigo, da possibilidade se variar o almoço e o café longe de um único refeitório, as empresas lucram com uma inovação espontânea. No urbanismo, há vasta literatura sobre as vantagens ambientais, de mobilidade e de segurança com cidades mais compactas. Mas os RHs também podem pesquisar diversos benefícios de proximidades em bairros mistos.

Os engenheiros de segurança podem ter ideias no happy hour ao conversar sem preocupação com a startup de marketing do casarão vizinho. Os executivos do hub digital de um banco ou de uma seguradora podem se encontrar, longe de um monótono zoom, com os fundadores de uma empresa de soluções para RH. Em vez de pagar consultorias caríssimas, as empresas podem aprender diretamente com o vizinho.

Agora em outubro o festival Rec’n’Play vai comemorar essas bodas de prata do Porto Digital. Estarei lá para palestrar sobre urbanismo. Quem estiver por lá, por favor, venha me dar um oi. Ou assista no meu canal no YouTube a um vídeo que fiz sobre essa transformação, “Agitos no Recife Antigo”, dentro do meu “São Paulo nas Alturas”. Bons exemplos nacionais precisam viralizar.

Como não existem lugares perfeitos, o Recife Antigo ainda carece de muita moradia. Os 12 mil funcionários de empresas ali moram em outros bairros. A oferta de moradia é escassa: cerca de 500 pessoas que moravam em favelas na ilha hoje se dividem em dois conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida. Uma parte do moinho que abriga a Deloitte está virando residencial, mas a quantidade de apartamentos é minúscula frente à demanda. As burocracias pra se mexer no interior dos casarões históricos faz com que a conta para que vários sejam convertidos em residenciais jamais feche.

Trabalhador que possa morar perto da empresa, chegando a pé ou com algumas pedaladas na bike, em sedes urbanas em vizinhanças vibrantes, ainda são uma minoria no Brasil. Quem sabe o Recife consiga sair na pole position também nessa área. Empresas espertas deveriam estar de olho.

Raul Juste Lores é jornalista e escritor. É autor do livro “São Paulo nas Alturas”, colunista do UOL e criador do canal São Paulo nas Alturas, que já superou a marca de 20 milhões de visualizações no Youtube.

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