Em meio a turbulência política, executiva defende que é hora de acelerar em pautas como inclusão e preservação ambiental; em junho, empresa assumiu metas para contratação de mulheres e pessoas pretas e pardas, além de investimentos na área social

Ser responsável por liderar um RH que cuida de 3,8 mil colaboradores já é uma grande missão. Fazer isso em uma empresa de crescimento acelerado é um desafio ainda maior. Agora imagine fazer tudo isso tendo ajudado a conceber a cultura da empresa e contratado as primeiras pessoas para uma instituição financeira que não tinha nem nome. Pois essa é mais ou menos a história de Rafael Brazão, CHRO do C6 Bank e parte do time fundador da companhia, que saiu do zero em 2018 para mais de 30 milhões de clientes nos dias de hoje.
“Eu estava feliz na Totvs quando fui convidado para fazer parte do C6. Na primeira conversa, o match foi instantâneo. Qual a chance de construir um banco do zero no Brasil? Sempre tive uma atração pela transformação – e o segmento financeiro transforma demais, em uma cadeia poderosa.”, conta Brazão, que é formado em marketing e trabalhou na área em companhias como Banco Real e Santander. Só na metade da carreira, quando recebeu um convite para ir para a Natura, é que ele se descobriu como RH.
“No primeiro momento, eu fiz um exercício de que eu deveria me moldar ao que era o RH na época. Quem me convidou tinha uma expectativa completamente oposta: ele queria que eu tentasse, em algum nível, ajudar a transformar o RH. E essa foi a grande virada para mim”, diz o executivo, que não se vê hoje em outra área. Na entrevista a seguir, Brazão conta mais sobre sua trajetória e transição de carreira, além de explicar como, desde cedo, sua história esteve ligada à sustentabilidade.
Para fazer sustentabilidade, você não pode ter ninguém com fome.
Ele também conta como foi o processo de criação do C6 desde os primeiros dias, da concepção de cultura à campanha para recrutar os primeiros colaboradores. “Nosso objetivo na época era trazer 100 pessoas com o melhor alinhamento cultural possível – elas trariam as primeiras 200, 500 e assim por diante. Não tínhamos sede nem modelo de remuneração, mas a cultura forte ajudou a atrair – e repelir – pessoas”, diz. Temas como uso de tecnologia, adoção de inteligência artificial e até mesmo paternidade aparecem na conversa. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O início da minha história profissional é numa frente de comunicação, de marketing. Quando fiz minha especialização em marketing, eu queria trabalhar em agência. Acabei entrando no segmento financeiro: primeiro, fui estagiário do Banco Real e depois fui trainee do Santander. Eu adorava aquilo, eu aprendi a amar o mundo dos bancos e dos negócios. E simplesmente caí no RH ao conhecer um executivo que trabalhava na área, que me convidou a fazer parte do RH da Natura. Não entendi o convite na época, porque eu queria ser vendedor – a área de vendas me brilhava os olhos. Ainda assim, topei o convite. E passei o meu primeiro ano tentando me encontrar com o RH. No primeiro momento, eu fiz um exercício de que eu deveria me moldar ao que era o RH na época. E o executivo que me convidou tinha uma expectativa completamente oposta: ele queria que eu tentasse, em algum nível, ajudar a transformar o RH. E esse foi o grande segredo para mim. Quando comecei a fazer as conexões, entendi como isso poderia dar certo. Eu sempre tive muita afinidade com pessoas. Amo todos os animais, sou filho de biólogos, e o Homo sapiens sapiens é um dos animais magníficos que existem. E isso me ajudou muito. Quando me dei conta, eu já estava tocando projetos que mudavam o ponteiro da empresa e a história da organização. Aí foi quando me apaixonei pelo RH. Tive a felicidade de, ao longo dos últimos 20 anos, conhecer praticamente todos os subsistemas de RH, tocando projetos e estratégia. Isso fez com que eu criasse minha própria linha de raciocínio do que é melhor para as organizações e, obviamente, para as pessoas – o grande objetivo de qualquer profissional de RH tem que ser as pessoas.
Foi um exercício importante. Por várias vezes, achei que tinha feito uma escolha errada. E o que me fez mudar foi entender essa transformação de uma forma coletiva. Vendas é uma relação mais individualizada, com ação-reação, cliente-vendedor. É claro que há aspectos do RH que são assim: a área de talent acquisition, por exemplo, atua numa eterna venda de vagas para candidatos e candidatos para vagas. Mas, quando você percebe as pessoas interagindo e gerando resultados num coletivo, você começa a perceber uma transformação maior [do que apenas essa ação-reação]. O que me deixou os olhos brilhando foi ver o poder transformacional que o time de gente tinha. É algo que ainda é pouco explorado em vários segmentos, mas esse poder do RH tem ganhado espaço dentro das organizações, com o time ocupando cadeiras mais relevantes e participando das tomadas de decisão.
A sustentabilidade, não com este nome ou roupagem, faz parte da minha vida desde a minha infância. Meus pais são biólogos de formação e eles tinham uma empresa de reciclagem de resíduos industriais. Eu já vivia o ecossistema sem saber o que ele era. Quando vou para o Banco Real, vejo ali o poder transformacional de uma empresa em relação ao meio ambiente, à educação. Lembro do impacto positivo de ter um talão de cheques feito com folhas recicladas – mas sem perder de vista os negócios. O que essas empresas me trouxeram é justamente esse olhar. Para fazer sustentabilidade, você não pode ter ninguém com fome. É a mesma coisa quando você fala de um creme que é feito com açaí. Um açaizeiro de pé pode valer mais que um açaizeiro derrubado – mas até ensinar isso para as comunidades extrativistas, o açaí derrubado vai valer mais. Para mim, a sustentabilidade funciona a partir do momento em que todo mundo está de barriga cheia. Não adianta ignorar isso. Mas dá para fazer muito negócio sendo sustentável em todas as pernas e alicerces da sustentabilidade.
Eu estava num momento muito feliz na Totvs. Mas recebi um convite para conhecer o Marcelo [Kalim] através de um amigo em comum. Na conversa, que durou uma hora, o match foi instantâneo. Pensei comigo mesmo: qual a chance de construir um banco do zero no Brasil? Boa parte dos meus mentores não apoiaram o movimento, mas eu tinha certeza de que ia dar certo. Sempre tive uma atração pela transformação – e o segmento financeiro transforma demais, em uma cadeia poderosa.
No primeiro momento, o RH era eu e eu mesmo. E o primeiro desafio era contratar pessoas, mas o C6 ainda não tinha nome. Eu precisava criar um teaser para trazer as pessoas, e foi aí que criamos o The Next Big Fin – um nome que servia tanto para uma página no LinkedIn quanto para a ferramenta de banco de currículos que nós usávamos na época. Lançamos o banco de talentos no final de uma tarde. Ao chegar em casa, poucas horas depois, já tinha 1 mil pessoas inscritas. No dia seguinte, eram 2,5 mil pessoas. Claro que havia o buzz do nosso LinkedIn, dos fundadores, mas isso viralizou de uma forma bacana, foi um fim de semana de êxtase. Quando cheguei na segunda-feira seguinte, eram 6 mil currículos cadastrados.
Pois é. Nosso objetivo na época era trazer 100 pessoas com o melhor alinhamento cultural possível. E o primeiro investimento do C6 foi num trabalho de formação de cultura com três consultorias. Ainda não havia nome, mas já havia um sentimento de cultura das 10 ou 20 pessoas que estavam começando o negócio. As consultorias nos ajudaram a escrever os seis conceitos da nossa cultura – e esses conceitos nos ajudaram a trazer as primeiras 100 pessoas, que trariam as primeiras 200, 500 e assim por diante. E isso numa época em que não tínhamos sede, não tinha modelo de remuneração variável, não havia muita coisa definida. Mas a cultura forte ajudou a atrair pessoas – e também repelir, claro. Às vezes você pode encontrar pessoas excepcionais mas elas não funcionam na cultura. Mas foi justamente isso o que nos ajudou a chegar a 3,8 mil pessoas nos nossos 3 prédios principais e nas nossas 100 edificações espalhadas pelo Brasil, atendendo dezenas de milhões de clientes.
No primeiro momento, nosso desafio era fazer processos que parassem de pé, por mais simples que fossem. Por outro lado, poder construir um negócio e poder acessar tecnologias de inovação nos fizeram ganhar muita escala e velocidade. Quando fomos escolher um ATS, eu poderia escolher qualquer um – já que não havia um processo anterior, duro ou burocrático. Ter essa possibilidade no início nos deu um grande diferencial. Para filtrar os seis mil currículos, pude criar filtros incríveis para encontrar as pessoas certas. Na época, eu conseguia pegar o LinkedIn de qualquer pessoa, transformar num PDF e subir na plataforma. Hoje, é algo básico, mas naquele momento era um diferencial porque deixava a candidatura muito mais fácil. Outro ponto importante: o mercado financeiro tem muitos treinamentos obrigatórios, que precisam ser realizados anualmente. Poder encontrar o melhor sistema de e-learning nos ajudou muito. É claro que olhando para trás, o salto é gigantesco com o que temos hoje – especialmente com a inteligência artificial generativa. Tenho uma visão extremamente positiva das novas tecnologias. Agora, tenho a chance de fazer coisas que antes as minhas competências técnicas não me permitiam. Se em 2018 tratei 6 mil currículos, hoje consigo tratar 30 mil ou 40 mil – volumes que recebemos eventualmente em programas de estágio – com uma qualidade e uma entrega de valor diferentes.
Falando em RH, hoje temos uma série de iniciativas usando a inteligência artificial generativa. Temos um assistente chamado Carbonito, que consegue responder dúvidas e perguntas do time sobre o universo de gente e gestão. Antigamente, ele era um processo padrão de perguntas e respostas, baseado em uma árvore de conhecimentos. Funcionava, mas a atualização de um material como esse é extremamente morosa. Agora, com IA, ele consegue não só resolver as dúvidas básicas, mas também avançar. Dando um spoiler do futuro, em breve o Carbonito vai oferecer para o colaborador não só a resposta das férias, mas até permitir que ele já agende as férias. Também temos avançado com feedback. Hoje, oferecemos uma série de treinamentos, cursos e cartilhas sobre como dar feedbacks. Mas não só sabemos que cada um aprende de um jeito, como também sabemos que, por melhor que seja um treinamento, se ele não é aplicado no curto prazo, ele vira uma memória esquecida. Agora, temos um assistente que ajuda a preparar as pessoas para uma reunião de feedback. É algo que até existe na intranet, mas conversar com um assistente funciona muito melhor do que ler uma cartilha de 30 páginas no mundo de redes sociais e de vídeos curtos do TikTok. É algo que as empresas precisam entender: não dá para ir contra o que está acontecendo na sociedade. Se as pessoas estão aficionadas por vídeos curtos, não adianta achar que você vai prender alguém numa sala de treinamento por dois dias. Além disso, é preciso falar de análise de dados. No C6, somos aficionados por informações e dados. Mas uma coisa é tratar um banco de dados na mão ou com um VBA, e outra é usar as ferramentas que estão disponíveis hoje – e talvez entender a correlação entre todas as pessoas que pediram demissão numa determinada semana. De repente, começamos a encontrar padrões que nem sabia que entendiam. E dos padrões, é fácil criar uma análise preditiva de risco de saída e atuar nos talentos que você não quer perder, por exemplo. É por isso tudo que não vejo o time de gente desassociado da tecnologia de ponta. Pelo contrário, o time de gente tem a chance de ser aquele que bebe de todas as tecnologias – porque no final do dia, tudo é sobre os seres humanos.
A cultura é um organismo vivo – e ela tem que ser viva. A cultura não pode parar nunca de se transformar – quando ela pára de se transformar, ela vira uma buzzword na parede, o que a faz perder o valor. Como mitigar o risco disso acontecer? No nosso caso, retrabalhamos a cultura todos os anos. Um dos nossos pilares é o frescobol. Ele é um esporte nacional, como o C6 é nacional. E é um esporte que você só ganha se as pessoas jogarem juntas. É um conceito que está na nossa cultura, numa escrita básica, porque era a essência do que a gente queria – da mesma forma que o bom humor, a “autorcracia”, a ética. E isso funcionou no primeiro ano. Mas o bom humor é algo complexo. O que é bom humor para um não é bom humor para outro. E aí decidimos escrever os comportamentos esperados para cada pilar. Depois, escrevemos os comportamentos que são esperados dos gestores. Aí, escrevemos a antítese do comportamento, para determinar o que é inaceitável. Depois, escrevemos a visão de cultura e o manifesto de cultura – e percebemos que as pessoas não se identificaram, de maneira que nós removemos isso da cultura. Todos esses passos fizeram com que a gente nunca perdesse tempo apaixonados por uma ideia. A cultura só sobrevive porque a gente se permite transformá-la, sem desvirtuar o que a gente acredita. E não dá para parar nunca. Cultura é um organismo vivo que precisa ser bem cuidado, bem regado, acariciado – mas que devolve o que você dedica a ela.
Vejo que o RH é um ator fundamental para dar segurança às pessoas de que o ser humano nunca será substituído por nada neste mundo.
Acho que o desafio é sermos protagonistas da transformação que a sociedade está passando com novas tecnologias. Ainda sinto que há muito receio das pessoas sobre as tecnologias, aquele medo da IA roubar o emprego de muita gente. Acredito no oposto: desde a revolução industrial, sempre houve esse medo. Mas também sempre se abriram mais oportunidades para coisas boas. Aconteceu o mesmo com a internet e agora vai ser igual. É natural que as pessoas tenham seus receios, mas a cada dia que passa, perdemos uma oportunidade de sermos mais eficientes, mais felizes e impactar mais pessoas com mais tecnologia. Me entristece quando vejo uma resistência infundada com a tecnologia. E vejo que o RH é um ator fundamental para dar segurança às pessoas de que o ser humano nunca será substituído por nada neste mundo. Dá para substituir formas, atividades, mas humanos gostam de humanos. Nossa espécie chegou aonde chegou porque ela é gregária, coletiva e tribal. Acredito muito na junção das novas tecnologias com as pessoas.
Infelizmente, muitos conteúdos hoje podem se tornar obsoletos rapidamente – especialmente quando falamos de hard skills ou de um tema técnico para o dia a dia. Mais do que uma leitura, minha principal reflexão é convidar os RHs para estarem antenados e não acharem que estão ficando ultrapassados. Às vezes, rola uma ansiedade de não conseguir acompanhar o que acontece. E está tudo bem: é impossível acompanhar tudo ao mesmo tempo. Em paralelo, estou vivendo um momento muito especial na minha vida, que é a paternidade. E dois livros têm me ajudado muito nessa jornada. Um é o O Papai é Pop, do Marcos Piangers, que traz histórias narrativas. E outro é o O Homem em Busca de um Sentido, do Viktor Frankl. É uma grande leitura, que fala sobre como o homem precisa de um propósito – e agora meu novo propósito é meu filho. Mas, voltando, como profissional de RH o que eu digo sempre é que o conhecimento é abundante e eu não aconselho ninguém a parar um dia sequer de buscar informações.
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