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Escuta, conexão humana e autoconhecimento: um papo com Luciana Lopardo, VP de RH da MDS Brasil

Psicóloga de formação, executiva tem mais de 15 anos trabalhando com RH no setor de seguros, mas não se vê como especialista; para ela, conexão humana é a chave para mundo cada vez mais marcado por complexidades

Bruno Capelas
24 de junho de 2025
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Tradicionalmente, o setor de seguros é baseado na previsibilidade – de acordo com a experiência passada, é possível prever o risco e assim calcular como assegurar um bem ou ativo. Mas em um mundo cada vez mais imprevisível, como trabalhar? É uma das perguntas que Luciana Lopardo, vice-presidente de Recursos Humanos da corretora de seguros MDS Brasil, precisa responder todos os dias. “O caminho que existe é prestar atenção no que está acontecendo. Não sei se conseguimos nos preparar para o futuro com grandes armas, mas se preparamos o colaborador com autoconhecimento, conseguimos saber como desenhar o que vem adiante”, diz a executiva. 

Psicóloga de formação e com mais de quinze anos de experiência no setor, tendo passado por seguradoras, além de marcas como Minalba e Saint-Gobain, Luciana acredita cada vez mais no poder da escuta e da conexão humana como forma de superar os desafios impostos por uma realidade cada vez mais acelerada. “Em algum momento entendo que o olhar humano vai se tornar tão forte, uma vez que a tecnologia estará super avançada, que o RH estará cada vez mais presente na conexão humana, usando e abusando das habilidades brandas”, afirma. 

Na entrevista para Cajuína, Luciana conta mais sobre sua trajetória, fala sobre a realidade do setor de seguros e também como foi a chegada à MDS Brasil, que passou por uma sequência de aquisições nos últimos anos – a mais recente, da corretora D’Or Soluções, fez a empresa dobrar de tamanho e chegar a 1,8 mil colaboradores. A seguir, confira os principais trechos da entrevista. 

Luciana, como você descobriu o RH? 

Quando eu era criança, eu queria ser jornalista. Cresci vendo o William Bonner e a Fátima Bernardes no Jornal Nacional, sempre gostei de falar e de escrever. Quando eu estava no momento da escolha da profissão, meu pai me ajudou: ele era executivo, mas tinha amigos que trabalhavam em veículos de comunicação. Fui trabalhar com essas pessoas e entendi que minha concepção era diferente da realidade. Acabei indo estudar Psicologia porque tinha uma prima que fazia – e quando fui assistir uma aula com ela, eu me encantei. Meu primeiro trabalho foi numa clínica psiquiátrica. Lá, porém, um colega me disse que eu tinha o perfil corporativo do RH. Eu nunca tinha pensado nisso, mas me propus a fazer uma entrevista e super me encontrei. Eu nunca tinha pensado em trabalhar em empresa porque, na minha visão da época, era um lugar frio. Mas quando entrei para o mundo corporativo e vi qual é o impacto que o RH causa nas pessoas, ajudando a transformar a vida delas, eu gostei. Tem muita gente que cai no RH e vai embora, mas eu caí e fiquei. 

Uma boa parte da sua trajetória é no setor de seguros. Como foi essa especialização? 

Para ser sincera, não sei se sou especialista no setor de seguros. Eu andei por outros mercados, como o varejo, que tem um dinamismo enorme. Os seguros também têm esse dinamismo – e acho que eu me identifico com o dinamismo da operação, mais do que só com o setor. Quando entrei em seguros, notei que o setor tem uma complexidade grande de entendimento, mas, ao mesmo tempo, traz uma possibilidade enorme de desenvolver pessoas. Da mesma forma que muita gente cai no RH, muita gente também cai em seguros – e isso é uma grande oportunidade. Mas não sei se sou especialista: acho que aprendo todos os dias e vejo que isso nunca vai parar de acontecer porque o ser humano está cada vez mais complexo. É cada vez mais desafiador trabalhar com pessoas e potencializá-las no ambiente corporativo. 

Em que momento da carreira você estava quando foi trabalhar na MDS Brasil? 

Foi em setembro de 2021: eu estava numa seguradora há 11 anos e recebi uma proposta para participar de um processo seletivo na MDS. Era um momento desafiador na minha vida pessoal, porque estávamos na saída da pandemia e eu tinha dois filhos pequenos. Tive muito receio de fazer a mudança, seja pelo contexto global ou pelo meu contexto familiar. Ao mesmo tempo, a empresa em que eu trabalhava estava reduzindo de tamanho e a MDS estava crescendo e precisava se organizar, após diversas aquisições. Senti que era um desafio e me apaixonei logo no primeiro mês de empresa. Achei que a adaptação ia ser difícil, mas a MDS tem um ambiente muito acolhedor, com muita transparência e muita proximidade com as pessoas. Entrei como diretora de RH, passei por vários processos, virei diretora executiva e desde julho de 2024 estou como Vice-Presidente de RH, mas o cargo em si é um rótulo. 

Você comentou que muitos profissionais não sonham em trabalhar com seguros – um setor que até tem tipos de empresas difíceis de entender. Como é trabalhar a atração de profissionais para a empresa e para o setor? 

Não sinto complexidade. De verdade, nunca senti. Na minha visão, as pessoas não necessariamente buscam um mercado, um setor. Elas buscam propósito, cultura, buscam entender que caminho elas têm lá dentro, com quem vão trabalhar, o que a empresa diz, que caminho elas podem ter no futuro. É claro que existem pessoas que buscam grandes marcas, trabalhando pelo crachá, mas de coração acho que isso é cada vez menos presente, porque não se sustenta. Uma grande marca pode ter um ambiente de trabalho muito ruim, e isso não se sustenta. Não entendo que seja difícil atrair para o setor de seguros. O que acredito é que precisamos sempre ter muita clareza do que buscamos, para que as pessoas se conectem com o propósito, com a possibilidade de crescimento. Praticamente todos os nossos líderes cresceram aqui dentro. 

Quando você entrou, a MDS passava por esse momento de reorganização, seja do lado burocrático ou no âmbito cultural. Como você avalia o momento atual? 

Em agosto do ano passado, nós concluímos a compra da D’Or Soluções e praticamente dobramos de tamanho, chegando a 1,8 mil colaboradores. Foi um movimento complexo, porque é preciso organizar a parte de negócios, entender os posicionamentos e levar isso para as pessoas. Nosso método tem sido trabalhar com muita transparência, buscando trazer clareza para todos os processos. Não significa que vamos fazer só o que as pessoas querem, mas sim que dizemos como o jogo vai ser jogado – e isso traz muita tranquilidade para as pessoas. Estamos num momento de harmonização, alinhando cargos, salários, pacotes de benefícios e buscando uma equidade maior dentro de casa. É claro que não é um processo simples, até porque buscamos absorver as coisas boas que cada empresa que adquirimos possui. E isso passa pelas pessoas, senão é um investimento que se perde. Para isso, trabalhamos com ações efetivas, como o Papo Aberto, que reúne todos os colaboradores com o comitê executivo num teatro em São Paulo, trazendo as principais pautas estratégicas e abrindo para perguntas na hora – e fazemos questão de responder todas as perguntas, porque isso traz transparência. Ao final do evento, sempre fazemos pesquisas e eu sempre leio tudo. Tem quem me pergunte se eu não tenho o que fazer – e eu tenho, mas esse tipo de leitura me dá um feeling das pessoas, do que está acontecendo ou do que elas estão pensando. Se várias pessoas dizem a mesma coisa, é porque há algo a ser feito. Além disso, o Papo Aberto ou o Café para Liderança, que fazemos ao redor do Brasil, ajuda quem está chegando a ter uma boa visibilidade da empresa. São atividades que conectam e que ajudam muito. 

Se conseguimos preparar o nosso colaborador com autoconhecimento, com uma visão clara de si, conseguimos saber como desenhar melhor o que vem adiante.

O setor de seguros é baseado na previsibilidade – e no conhecimento que temos sobre o mundo. Em um cenário em que o mundo é cada vez mais imprevisível, porém, atuar se torna desafiador. Como o RH ajuda a dar tranquilidade, bem-estar e segurança psicológica para quem está atuando no setor? 

Acho que não existe resposta única. O que existe é estar ativo e prestando atenção no que está acontecendo. O que acontece na MDS, com 1,8 mil pessoas, é um retrato do que acontece no mundo. O mundo está mais complicado. Vivemos hoje uma crise de saúde mental, em que muitas pessoas não sabem o que fazer, nem os gestores. É um cenário que pode deixar as coisas muito confusas. Como RH, buscamos trazer acolhimento e reforçar caminhos saudáveis. Quando te digo que leio o que está próximo às pessoas, para entender o que o público precisa, é por aí. Há dois anos, por exemplo, rodamos uma pesquisa de saúde dos colaboradores. A grande questão que eclodia era a pauta da saúde mental. E a partir dessa pesquisa, implementamos um programa de terapia, sem nenhum tipo de custo para o colaborador – e sem olhar para quem está fazendo, para evitar qualquer tipo de angústia. O resultado é que tivemos um enorme índice de aceitação. Não sei se a gente consegue se preparar para o futuro com grandes armas, mas se conseguimos preparar o nosso colaborador com autoconhecimento, com uma visão clara de si, conseguimos saber como desenhar melhor o que vem adiante. 

Estamos aqui para desenvolver as pessoas, para manter os resultados da companhia e potencializar a empresa. 

Além do cenário de incerteza, o que te preocupa como RH em aspectos mais cotidianos? 

O que mais preocupa hoje é que o RH perca a essência do humano. Hoje falamos muito de temas como inteligência artificial, ferramentas, soluções… e esquecemos do foco no humano. Estamos aqui para desenvolver as pessoas, para manter os resultados da companhia e potencializar a empresa. Como RH, me preocupa um olhar mais vazio, de pegar um modismo e entender que aquilo é o problema total ou a solução total, esquecendo da composição geral. 

Daqui a cinco anos, como você imagina o RH? 

Sou uma pessoa do presente e tenho dificuldade de pensar no futuro. Mas eu gostaria de imaginar um RH que se vê menos como um departamento, mais como um lugar aberto. Acredito que continuaremos tendo especialistas de RH, mas em algum momento entendo que o olhar humano vai se tornar tão forte, uma vez que a tecnologia estará super avançada, que o RH estará cada vez mais presente na conexão humana, usando e abusando das habilidades brandas. 

Para a gente fechar, Luciana, alguma dica de leitura que você gostaria de dividir? 

Quando estou fora do trabalho, gosto de ler coisas que me fazem entrar em contato com coisas diferentes. Uma é O Livro Tibetano do Viver e do Morrer, que me traz reflexões super profundas. Outro é O Efeito Sombra, que fala muito sobre como você lida com a sua sombra, com aspectos positivos e negativos. São dois livros de autoconhecimento, mais reflexivos, mas que acredito que me ajudam muito como profissional.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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