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Usando stock options para atrair talentos

Popularizados pelo ramo de tecnologia, planos permitem que colaboradores se tornem donos de ‘pedacinhos’ das empresas e viram ferramentas importantes para o RH; no Brasil, porém, é importante se adequar à regulação por parte do Carf e considerar custos de programas

Bruno Capelas
29 de junho de 2023
stock options atrair e reter talentos
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Muitas organizações utilizam a expressão “sentimento de dono” para falar de sua própria cultura, mas em algumas empresas, essa expressão vai além de um universo abstrato – e chega até ao patrimônio dos colaboradores. Criadas nos EUA dos anos 1950 e popularizadas ao longo do século XX pela indústria de tecnologia, os planos de stock options para colaboradores permitem que cada pessoa se torne dona de um ‘pedacinho’ da companhia em que trabalha. Aqui no Brasil, essa ferramenta está se tornando cada vez mais popular por companhias de diferentes tamanhos, a despeito de sua complexidade. Os motivos são vários: atrair e reter talentos, alinhar interesses entre executivos e acionistas e, se tudo der certo no futuro da empresa, deixar muita gente com os bolsos cheios.

De forma simples, a lógica das stock options é oferecer aos colaboradores a opção (daí o nome “stock options”) de adquirirem ações das companhias que trabalham, tornando-se sócios delas. Um exemplo que costuma ser citado como caso de sucesso no país é o de Meliuz, que criou seu programa de stock options em 2012 e abriu capital na Bolsa em 2019, permitindo em uma janela de liquidez que as pessoas que ajudaram a construir a empresa também se beneficiassem de seu sucesso. 

Ativo até hoje, o programa de stock options da Méliuz tem duas modalidades na concessão do benefício aos colaboradores. Nas chamadas “stock options técnicas”, a empresa oferece um pacote de ações às pessoas que se destacaram por mérito em algum projeto específico. Já nas “stock options de sociedade”, os colaboradores interessados em se tornar sócios da empresa mineira devem se candidatar e participar de um processo seletivo, que acontece anualmente. 

A principal “prova” é escrever uma carta de 15 a 30 páginas, endereçada aos fundadores da companhia. No texto, o potencial sócio tem de descrever sua vida pessoal, sua trajetória na empresa, resultados e elogios recebidos, bem como sua visão de futuro para a companhia. As inscrições normalmente se abrem em dezembro e a divulgação dos escolhidos é feita na reunião de início do ano seguinte – em 2022, três pessoas foram contempladas pelo programa e ganharam suas “gravatas amarelas”, vestimenta que é símbolo do programa. “Avaliamos questões de cultura, entregas, o legado que ela deixou na empresa e se a pessoa é uma referência aqui na Méliuz. Não tem regra para reprovação, mas normalmente a resposta mais comum para negar é ‘ainda não é a hora”, Michelle Freire, gerente de RH da companhia. 

Sol Fajardo, da Pomelo; e Michelle Freire, da Méliuz

Em qualquer uma das duas modalidades, o programa de stock options da Méliuz tem regras parecidas no que diz respeito ao “cliff” e ao “vesting”. São dois termos técnicos bem importantes desse mundo. O cliff é o intervalo de tempo que o colaborador tem de passar na empresa para ter direito às opções; o vesting, por sua vez, é o intervalo que o colaborador deve permanecer na empresa para alcançar o potencial total das opções de compra a que tem direito. 

Na Méliuz, o cliff é de dois anos; o vesting, de três. Assim, um colaborador que receber stock options hoje só vai receber todas suas opções de compra em 2028. No entanto, se tiver esse direito mas for demitido pela empresa em 2027, o colaborador só terá direito a dois terços das opções – uma vez que passou dois anos do cliff e mais dois do vesting. No caso de demissão voluntária, o funcionário sai sem direito a nada – mas pelo menos não precisa devolver a gravata amarela. 

Ao contemplar um colaborador com as opções de compra, a Méliuz também oferece apoio jurídico ao time, explicando todas as regras do contrato. “É importante ter um canal aberto a qualquer momento desse processo, até para que as pessoas entendam o valor do benefício”, diz Michelle. Segundo ela, o anúncio dos novos sócios é um momento especial dentro da empresa. “Todo mundo fica emotivo, porque quem vira sócio é referência aqui dentro, é um momento que a cultura fala mais alto”, conta. 

É importante ter um canal aberto a qualquer momento desse processo, até para que as pessoas entendam o valor do benefício

Palpável

Se na Méliuz o programa de stock options contribui para a cultura da empresa, em outros locais os RH têm um desafio para ajudar as pessoas a entenderem o real valor do benefício. “É um tema complexo e muitas pessoas recebem o benefício por meio de um contrato cheio de cláusulas, um documento sem vida. Escutamos muito histórias de quem deixa as ações na mesa para ir ganhar 5% ou 10% mais em outra empresa”, pondera Frederico Rizzo, CEO da Basement – plataforma que tem como principal função ajudar o RH a mostrar o valor das stock options ao longo do tempo. “As pessoas só valorizam o que elas entendem. Ao dar um portal pro colaborador, ele consegue entender o que ele tem direito, o que ele terá direito no futuro e o benefício se tangibilizar”, diz. 

Além da tangibilização, outra complexidade dos programas de stock options por aqui é a liquidez – isto é, uma janela de oportunidade em que os colaboradores, se desejarem, podem transformar as ações que compraram em dinheiro vivo. Para empresas de capital aberto, a tarefa é simples, mas o mesmo não acontece com startups de capital fechado. No setor, as oportunidades de liquidez costumam acontecer apenas em rodadas de investimento, vendas ou numa eventualíssima abertura de capital. “É um valor que o colaborador têm como ativo, mas que às vezes fica ‘travado’. Destravar a liquidez é um tema importante para o futuro”, pontua Rizzo. 

Outro entrave para o uso de programas de stock options no país é a regulamentação: atualmente, não existe uma lei específica para a oferta específica de employee stock options (ESO, como o termo é conhecido no inglês). “Por não ter regulamentação, existe uma visão restritiva do Fisco, que entende que tudo que as empresas dão é remuneração – e por isso, deveria passar por folha de pagamentos e ter encargos gigantescos”, explica Isabel Bueno, sócia do escritório Mattos Filho e especialista no tema. “Essa visão torna os programas de stock options muito custosos aqui no Brasil.”

“É um valor que o colaborador têm como ativo, mas que às vezes fica ‘travado’u0022n

Frederico Rizzo, da Basement; e Alceu Albuquerque, da Grendene

Segundo Isabel, há inúmeros casos de empresas que foram autuadas pelo Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF) porque os reguladores entenderam que o programa de stock options tinha natureza de remuneração – isto é, que as opções de compra de ações eram dadas como parte do salário do colaborador. Para evitar esse problema, diz a sócia do Mattos Filho, o ideal é que as empresas busquem dar ao programa uma natureza de investimentos, em que o colaborador não recebe descontos excessivos no preço da ação ao exercer suas opções – e, com isso, esteja sujeito aos riscos e flutuações de preços do mercado, seja ele público ou privado. 

Outro ponto importante é de fato estabelecer um plano de stock options, e não deixar tudo apenas na palavra de honra. “Muitas empresas começam oferecendo opções para os primeiros funcionários e não se preocupam em estabelecer o plano. Invariavelmente, elas acabam tendo problemas lá na frente”, diz Isabel. “O ideal é que, no momento em que a organização resolve que as pessoas terão participação no investimento, se busque auxílio jurídico para entender o que é apropriado, seja na parte fiscal ou trabalhista”, complementa ela, que diz ainda que o RH tem um papel fundamental nesse processo, auxiliando os colaboradores a tirar dúvidas e diminuindo os riscos para todas as partes. 

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Estrutura

Na Grendene, todas as regras do programa de stock options não só são claras, como também são públicas – afinal de contas, a empresa de capital aberto divulga as normas internas para dar transparência ao processo para seus outros acionistas, aqueles que compram e vendem ações da companhia na bolsa de valores. Criado em 2008, quatro anos após a abertura de capital, o programa de stock options está acessível a todos os funcionários com cargos de nível gerencial ou superior.

Isabel Bueno e Lisa Worcman, sócias do Mattos Filho

Dentro da Grendene, quem decide quem terá direito a receber as opções é o conselho de administração, durante a reunião de aprovação de resultados do ano anterior. Caso a companhia tenha tido resultados satisfatórios naquele ano, o conselho tem a tarefa de estabelecer o número de opções que serão dadas e quem será contemplado. Após a divulgação da lista, os executivos têm de cumprir três anos de vesting até poderem de fato comprar as ações, cujo preço é balizado pela média do valor da ação durante o mês anterior à outorga, corrigido pela inflação e com um desconto dado pela empresa de até 50%. 

Difícil? Então vamos às contas: um colaborador da Grendene que receba opção de compra no ano de 2022 terá sua data de outorga em algum momento do primeiro trimestre de 2023. Assim, o valor de referência para a compra da ação será o preço médio de fevereiro ou março. Se esse valor for, por exemplo, de R$ 6, ele poderá ser de R$ 3 após o desconto concedido pela companhia. No entanto, o valor real para a compra de cada ação só será descoberto em 2026, após o ajuste de inflação nesses três anos. Além disso, frisa Alceu Albuquerque, diretor de relações com o investidor da empresa, o prazo máximo para exercício das opções é de seis anos – e no casos de um executivo receber a opção várias vezes, esse valor se renova. 

“É uma forma de alinhar interesse entre o time executivo e acionistas, e é uma forma de atrair e reter talentos de alta performance”, diz Albuquerque. Para evitar alinhar o benefício à remuneração, a Grendene sempre informa aos novos contratados que eles podem estar elegíveis ao programa de stock options, caso tenham nível suficiente, mas nunca afirma de quanto será a oferta de ações. Além disso, a companhia também faz ações de conscientização entre os colaboradores para evitar que eles façam transações com os papeis da empresa em períodos delicados, como os de divulgação de resultados. “É um ponto que a CVM está cada vez mais atenta e é importante prestar atenção”, diz o executivo. 

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Paratodos

Se na Méliuz fazer parte do time de sócios da empresa é questão de mérito, e na Grendene depende de cargo gerencial, na startup argentina Pomelo o sistema é diferente. Na empresa, que ajuda seus clientes sendo uma plataforma de infraestrutura de serviços financeiros, todos os 325 colaboradores recebem stock options, independentemente de seu cargo. “Na Pomelo, temos um DNA empreendedor, então nos parece justo que todos recebamos opções ao entrar na empresa. É uma forma de dizer que todos podemos ser parcialmente donos”, diz Sol Fajardo, chief people officer da empresa, que atua no Brasil desde 2021 e tem mais de 120 pessoas no país. 

Para ter direito a exercer as opções, os colaboradores têm de passar por um ano de cliff e quatro anos de vesting, com evoluções mensais – ao final de dois anos na empresa, por exemplo, o colaborador tem acesso a 25% da oferta total de ações que recebeu em sua contratação. “Além disso, contamos com um programa de refresher grants, por meio do qual todos os anos outorgamos stock options adicionais às melhores performances”, conta Sol. “A ideia é maximizar o engajamento dos colaboradores ao mesmo tempo em que melhorarmos sua compensação total e alinhamos toda a empresa na mesma visão.”

Para a executiva, é preciso compensar a ausência de cultura sobre o valor das stock options na América Latina com ações de educação. “Nós fazemos captações internas e temos espaço de consulta, compartilhamos conteúdos e convidamos pessoas a contar histórias de sucesso com as stock options – os fundadores de PayPal, Square, Twitter e Auth0 são alguns dos nossos investidores e sua experiência é supervaliosa no momento de educar nossa equipe”, conta. 

Checklist: o que o RH deve fazer sobre stock options

  • Auxiliar o time de gestão e o jurídico na estruturação de um programa que leve em consideração as particularidades legais da regulação brasileira, mas que também seja atrativo para os colaboradores. 
  • Ficar atento para que o programa de stock options não se torne parte da remuneração e sim seja um programa de investimento, guardando provas de como o processo transcorreu ao longo dos anos. 
  • Estar à disposição dos colaboradores para tirar dúvidas, seja em questões trabalhistas, fiscais ou legais sobre as opções de ações. 
  • Elaborar ações de educação, como palestras, rodas de conversa e conteúdos, para mostrar o valor das stock options e evitar perda de valor para os colaboradores.
Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.