Busque por temas

Em alta

Dinheiro no centro da conversa: por que a saúde financeira do colaborador é, sim, da conta da empresa

Em tempos de bets e alto endividamento, cada vez mais organizações apostam em iniciativas como programas de educação financeira, campanhas de conscientização e produtos financeiros proprietários para engajar suas pessoas e contribuir para os níveis de felicidade e produtividade

Alana Della Nina
13 de agosto de 2025
Leia emminutos
Voltar ao topo

Falar sobre dinheiro talvez ainda seja um tabu para muita gente, principalmente fora de casa. Mas, em tempos de altas taxas de endividamento – mais de 78% das famílias brasileiras estavam com dívidas em maio deste ano, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da ​​Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) –, abrir a conversa sobre o tema tem sido uma iniciativa cada vez mais necessária também no ambiente corporativo. Ainda que a situação patrimonial de um profissional não seja, de forma direta, da alçada do seu empregador, a saúde financeira é um tema relevante quando o assunto é bem-estar e pode ter impacto importante também na vida profissional. 

De acordo com uma pesquisa realizada em setembro de 2024 pela fintech especializada em planejamento financeiro Onze, 64% dos trabalhadores já tiveram a saúde mental afetada por causa de problemas financeiros – destes, 71% sofreram de ansiedade e 57%, de insônia. “Hoje, fala-se muito sobre saúde mental nas empresas. Mas não dá para separar a questão financeira da emocional; está tudo interligado. Faz parte do que chamo de tripé da saúde: financeira, mental e física, sustentadas por um só pilar”, diz Natalia Villalpando, consultora financeira da Onze. 

A especialista compartilhou outro levantamento da fintech, a pesquisa Hábitos Financeiros dos Brasileiros (ENEF 2024), que reflete a dificuldade que as pessoas, em geral, têm em lidar com suas finanças: 80% dos participantes afirmaram ter dívidas e 41% disseram entender pouco ou quase nada sobre finanças pessoais e investimentos. Enquanto isso, apenas 3% afirmaram saber organizar suas finanças e entender bem de investimentos. 

Natalia Villalpando, consultora financeira da Onze. 

Outro dado interessante: mais da metade dos respondentes procuram informações sobre o tema na internet; mas apenas 14% buscam um consultor financeiro e 12% procuram apoio no ambiente corporativo. Para Natalia, esses números também estão conectados com questões culturais e emocionais. “Muita gente não compartilha problemas com dívidas, não pede ajuda e não sabe como sair daquela situação”, diz. “E isso afeta diferentes configurações familiares, como uma mãe solteira ou pessoas responsáveis por outras pessoas da família, como os pais ou avós, por exemplo. Pode ser um processo muito solitário e que, certamente, compromete outras partes da vida.”

No Magalu, essa visão holística é elemento basal da cultura corporativa: dentro do programa macro de bem-estar para seus colaboradores, a empresa tem um projeto robusto voltado para a saúde e a educação financeiras, calcado em prevenção, acolhimento e conscientização. “Nosso programa de bem-estar financeiro passa fortemente pela sensibilização. Em todo processo de educação, é preciso primeiro estar aberto, consciente de que aquilo é importante, necessário”, explica Patricia Pugas, diretora executiva de Gestão de Pessoas do Magalu. “Então, trabalhamos a comunicação para sensibilizar nosso público e, num segundo momento, treinamento e capacitação.” 

Patricia Pugas, Diretora executiva de Gestão de Pessoas do Magalu

É indiscutível o impacto que um endividamento tem na saúde física e emocional de uma pessoa e em suas relações familiares, sociais e profissionais. É um problema muito complexo.

Patricia Pugas.

Para além de ferramentas como testes de perfil financeiro e planilhas orçamentárias, a empresa investe em uma abordagem mais próxima e personalizada, com trilhas de conhecimento, lives, palestras e encontros voltados para o tema. Entre os tópicos abordados, estão questões como organização financeira, quitação de dívidas, reserva de emergência, cartão de crédito, finanças para casais, entre muitos outros. “Nossas ações são para 100% do nosso público interno, mas trabalhamos focos para diferentes grupos. Por exemplo, nos nossos programas de treinamento para gerentes de loja e para jovens aprendizes, que são dois grupos distintos e com desafios muito particulares, os módulos de educação financeira são obrigatórios”, diz a executiva.

Cuidado estendido 

Ainda dentro do seu programa de saúde financeira, o Magalu complementa a oferta educacional com o suporte para pessoas endividadas ou em situações econômicas difíceis. Na companhia, o atendimento psicossocial foi internalizado – os colaboradores têm acesso a um time de assistentes sociais com atuação multidisciplinar. “São pessoas capacitadas também em educação financeira e que fazem um atendimento mais personalizado, afinal, os colaboradores chegam com muitas questões diferentes”, diz Patricia. 

Na BASF, a educação financeira é um dos braços da área de Bem-Estar, fundada há mais de cinco anos. Focada no cuidado com os colaboradores, a área tem quatro pilares fundamentais: mente, corpo, vida profissional e vida social – nesta última, moram as iniciativas voltadas para as finanças. Além disso, a multinacional alemã oferece, desde a época da pandemia de Covid-19, um canal de atendimento gratuito e confidencial para os seus colaboradores em toda a América do Sul. 

Ao longo dos anos, o programa foi ganhando corpo para dar conta das diferentes demandas do público interno. “Entendemos que saúde não é só falta de doença, é a pessoa estar bem, ter qualidade de vida. A questão financeira é um dos pontos que, de fato, pode tirar a paz de um indivíduo e gerar muita angústia”, diz Camilla Bonelli, gerente regional de Bem-Estar na BASF. “Por isso, fazemos um trabalho muito forte de promoção deste canal, que oferece, além do atendimento psicológico, assistência social, assessoria jurídica e consultoria financeira.” 

Camilla Bonelli, gerente regional de Bem-Estar na BASF

BETS: Uma conversa delicada e necessária

A tendência das apostas esportivas – as bets – e de jogos on-line, como o do tigrinho, naturalmente chegou aos corredores corporativos. E mais do que lidar com funcionários jogando durante o expediente, a preocupação das organizações recai sobre os impactos negativos das bets na saúde mental e financeira dos profissionais. De acordo com uma pesquisa feita pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em parceria com o Datafolha, em 2024, 23 milhões de pessoas fizeram apostas. Desse total, 47% estão endividadas. 

“As bets estão virando, se já não viraram, um problema de saúde pública. Cada vez mais pessoas fazem apostas para garantir uma renda extra, não como diversão. E há a questão do vício, que é muito grave, com riscos sérios”, diz Natalia Villalpando, da Onze. Para ela, discutir o tema dentro da empresa é fundamental para educar e alertar as pessoas e criar um espaço seguro para o profissional lidar com o problema. “As empresas precisam olhar para as bets dentro desse escopo de bem-estar dos seus colaboradores. As consequências que as apostas podem trazer, como dependência e endividamento, têm potencial de gerar um impacto importante sobre a saúde mental”, ressalta a consultora. 

Com um público interno bastante diversificado, o Magalu lançou um olhar específico para a questão das bets. Patricia conta que o problema chamou a atenção dela quando descobriu o nível de comprometimento financeiro de muitos brasileiros com as apostas. “Foi uma questão muito particular, eu lia as notícias e ficava assustada com a devastação que as bets estavam causando. E, no Magalu, como temos uma gestão muito próxima dos colaboradores, começamos a identificar o problema lá dentro”, ela conta. 

No início de 2024, antes mesmo da regulamentação do setor pelo governo federal, a empresa lançou uma campanha de conscientização massiva, que reuniu peças para os canais de comunicação internos, como TV corporativa, rádio e intranet, e rodas de discussão durante as reuniões de rotina. E a ideia é retomar as ações ainda este ano. “Entendemos que esse não é um trabalho pontual. Precisamos manter a frequência e oferecer conscientização, informação e suporte a longo prazo”, diz Patricia

A BASF também criou uma campanha interna dedicada às bets e aos jogos on-line, abrindo espaço para os colaboradores falarem sobre o problema. Mais do que isso: a empresa trata o vício em jogos como um transtorno da saúde, não como um mau hábito, tirando o estigma puramente comportamental do jogo. Durante a campanha, foram espalhados, em lugares estratégicos da empresa, cartazes com um código QR e os dizeres “Teste sua sorte”. Ao escanear o código, o colaborador acessava um conteúdo sobre os riscos e consequências do vício em jogos. 

Para Camilla, oferecer abertura e acolhimento para os colaboradores que enfrentam problemas com aposta é uma forma eficaz de vencer a resistência em lidar com o tema. “Nossa estratégia é tratar esse tipo de questão na base, escancarar o tabu. Humanizamos temas difíceis, trazemos líderes para falar como enfrentaram tal e tal desafios”, conta a executiva.

Quando as pessoas se sentem acolhidas pela empresa, ficam mais à vontade, mais abertas. Entendem que não vão ser julgadas e nem sofrer represálias.

Camilla Bonelli.

Quando o assunto é crédito

Alternativa atraente para pessoas endividadas, o Crédito do Trabalhador, opção de empréstimo consignado para profissionais com carteira assinada (CLT) lançada em março deste ano pelo governo federal, registrou uma forte aderência: de acordo com dados do portal do governo (Gov.br), até junho de 2025, o programa acumulou R$ 15,9 bilhões em contratações, beneficiando mais de 2,6 milhões de trabalhadores.

No entanto, apesar das suas vantagens – como juros menores, prazos flexíveis e parcelas descontadas direto no salário, sem comprometer outros bens como garantia –, especialistas sugerem cautela nessa modalidade de empréstimo. Ainda que as empresas não participem diretamente no processo de contratação e aprovação do crédito, elas podem apoiar seus colaboradores na busca por melhores soluções para uma dívida ou necessidade financeira. 

“É muito válido educar seus funcionários sobre alternativas mais econômicas de crédito, como o consignado do trabalhador, mas, mais importante ainda é trabalhar essa conscientização de que aquele recurso não é um dinheiro extra”, diz Natalia Villalpando, da Onze. “De outro lado, essa assessoria é importante para a pessoa se organizar financeiramente e entender o quanto ela pode, de fato, comprometer da renda dela.”

Um olhar para o futuro

Apesar de ocuparem grande parte da preocupação financeira dos brasileiros, as dívidas e os custos de vida não são os únicos aspectos econômicos que estão na mira das empresas. É cada vez mais comum as organizações oferecerem produtos proprietários, como os planos de previdência com coparticipação e cooperativas de crédito. O desafio aqui é mostrar para os funcionários, principalmente os mais jovens, que investir parte do salário em uma previdência privada empresarial, por exemplo, pode constituir uma reserva importante lá na frente. Apesar de parecer uma vantagem óbvia, para muita gente os programas de previdência das empresas estão no fim da fila de preferências quando o assunto é benefício. 

Prova dessa resistência é que, de acordo com levantamento da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), em 2024, menos de 10% dos trabalhadores do setor privado tinham esse modelo de plano. “A empresa tem que conhecer muito bem seu público, em toda sua diversidade, para propor ações que façam sentido para ele. Para além do benefício em si, é preciso trabalhar a comunicação, a linguagem, a vantagem que aquele produto ou serviço oferece”, opina a Professora Elza Fátima Rosa Veloso, coordenadora e professora da Fundação Instituto de Administração (FIA). 

Elza Fátima Rosa Veloso, coordenadora e professora da Fundação Instituto de Administração (FIA)

Nesse contexto, reconhecer uma cultura financeira imediatista e de consumo exacerbado, pouco orientada para investimentos, é um começo importante para promover a mudança. Para Natalia Villalpando, apostar em uma comunicação mais didática e simplificada, que desvende as muitas siglas de finanças e tangibilize o que tal iniciativa pode representar na vida da pessoa também deve figurar na lista de tarefas de quem quer letrar financeiramente seus colaboradores.

Para muita gente, os temas e termos financeiros são complexos, isso acaba gerando uma rejeição muito grande. As empresas precisam ter uma área de benefícios ativa e conectada ao seu público interno.

Natalia Villalpando.


Para Antonio DAguiar, gerente sênior de Previdência e Cooperativa na BASF – cujo bem-sucedido programa de previdência conta com mais de 90% de adesão –, uma das maneiras mais eficazes de vencer, ou pelo menos driblar, essas barreiras continua sendo investir na educação e conscientização. “Sempre trabalhamos os dois benefícios – Previdência BASF e CrediBASF, a cooperativa de economia e crédito mútuo do grupo – de forma complementar e integrados às iniciativas da área de Bem-Estar. Falamos da importância de investir para o futuro lá na frente, mas também para um plano a curto prazo, seja para conquistar um sonho importante, como uma viagem ou um carro, ou para ter uma reserva de emergência”, ele explica. “São duas formas de olhar para o planejamento financeiro e as duas são fundamentais, trabalhamos muito fortemente esses aspectos internamente.”

Antonio DAguiar, gerente sênior de Previdência e Cooperativa na BASF

O papel de cada um

Quando falamos de retorno para a empresa, ainda que o impacto positivo em aspectos como produtividade, efetividade, turnover, absenteísmo e presenteísmo sejam esperados com esse tipo de iniciativa, ele não deve ser a meta primária das ações de letramento financeiro de uma organização, de acordo com a professora Elza. “É complexo mensurar o impacto de um programa de educação financeira nos níveis de produtividade ou turnover, é algo que deve ser acompanhado a longo prazo, a partir de um dia zero. Além de estarmos falando de iniciativas que vão se desenrolar em várias etapas, há também a questão da privacidade das informações das pessoas – não podemos colher diretamente dados sobre a situação financeira dos colaboradores”, explica a coordenadora da FIA.

Por isso, para a professora, antes de visar resultados positivos diretamente para o negócio, as empresas devem olhar para esse tipo de ação como uma contrapartida social. “As organizações têm condição de gerar um impacto social. Com o tempo, isso se reverte para a comunidade da empresa, mas, prioritariamente, é um papel importante para além das dependências da organização. É transformar as pessoas e, com elas, a sociedade.”

A ideia de trabalhar com educação financeira está dentro de uma visão mais ampla. Empresas mais maduras, que têm essa visão, vão se implicar nesses níveis mais profundos e considerar a saúde global do colaborador – a física, a mental, as questões pessoais e sociais, incluindo aqui a financeira.

Elza Fátima Rosa Veloso.

Na opinião de Camilla, da BASF, o cenário das bets é um exemplo dessa entrega social, já que, ao incentivar a conscientização dos funcionários, além de dar suporte a um problema pontual, também colabora para ampliar essa frente de educação e informação para os ecossistemas familiares e sociais das pessoas impactadas. “A gente sempre olha para os temas que afetam a sociedade e como eles se refletem dentro da empresa. E aqui dentro, o caminho é de acolhimento, assessoria e educação, porque entendemos que, muitas vezes, as pessoas não têm com quem dividir aquilo ou não sabem por onde começar a resolver”, ela diz. “Não é apenas oferecer um benefício pelo benefício.  É olhar, de fato, para o cuidado integral dos nossos colaboradores”.

Se você cuida genuinamente das suas pessoas, engaja sua liderança e está próximo do dia a dia da empresa, tem mais chances de avançar nessa jornada de cuidado, promovendo mudanças reais e significativas na vida dos colaboradores.

Camilla Bonelli.

Alana Della Nina é jornalista e tradutora, tem mais de 15 anos de experiência e passagens por Trip Editora, Abril, Globo e New Content.

Essa matéria vai bem com

Sorry, no posts matched your criteria.