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Mentorias crescem no Brasil, mas implementação dos programas dentro das empresas exige cautela

Programas de desenvolvimento interno de talentos estão em alta e movimentam o mercado de recursos humanos, além de promoverem a diversidade nos negócios

Rodrigo Loureiro
21 de novembro de 2024
Leia emminutos
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Um mercado cada vez mais competitivo exige que os profissionais não apenas se atualizem às tendências tecnológicas e ampliem seus conhecimentos técnicos em diferentes assuntos. As chamadas “soft skills”, que podem englobar habilidades como criatividade, inteligência emocional e liderança, se tornaram uma demanda recorrente dentro dos negócios. Cientes da dificuldade de encontrar profissionais “completos”, as companhias passaram a entender que poderiam ajudar suas equipes no desenvolvimento dessas habilidades por meio de programas internos com trocas de experiências entre colaboradores, nas chamadas mentorias.

Foi esse o caso do Magazine Luiza. Em meados de 2020, a varejista passou a implementar um programa de mentoria com a ideia de criar novos líderes para diferentes áreas da operação. A ideia era fazer com que profissionais que já ocupavam cargos de liderança compartilhassem insights preciosos sobre a gestão de times com outros funcionários. “Tínhamos coordenadores como mentorados e diretores e gerentes como mentores”, afirma Jaqueline Fernandes, gerente de Recursos Humanos do Magazine Luiza. “Inicialmente era um programa voltado para a formação de líderes, mas percebemos que a troca era rica e contribuía para o desenvolvimento interno.”

Jaqueline Fernandes

Ao longo dos últimos anos, o programa do Magazine Luiza foi expandido, contando atualmente com a participação até de estagiários e trainees. A cada ano, cerca de 100 pessoas passam pela iniciativa.  Com duração de seis meses, os programas consistem em conversas individuais entre mentores e mentorados, que se reúnem periodicamente de acordo com suas agendas. O “match” entre os dois é feito pela empresa, que avalia as necessidades de cada um e escolhe o melhor mentor para atendê-la.

A principal demanda ainda é por ensinamentos de liderança. De acordo com Fernandes, os participantes querem entender melhor como podem liderar equipes de maneira eficiente e as melhores práticas para a resolução de conflitos. “Também temos visto profissionais buscando uma visão mais ampla do negócio”, diz. Nem todos os funcionários são elegíveis aos programas. Para decidir quem vai participar das mentorias, o Magazine Luiza faz uma entrevista com os interessados para entender suas motivações. “No começo, vimos que algumas pessoas buscavam o programa só porque queriam ser promovidas ou queriam entrar em outra área. Não é esse o foco”, afirma Fernandes.

O Magazine Luiza não é a única empresa que está apostando na prática. Ainda em 2020, a pesquisa Employee Experience, da FIA Business School, apontou que 55 dos “100 Lugares Incríveis para Trabalhar” já haviam implementado programas de mentoria para o desenvolvimento de talentos. 

Consultorias são braço direito das organizações

Para deixar seu programa de mentoria redondo, o Magazine Luiza contou com o auxílio de duas consultorias especializadas no assunto. Uma delas foi a Crescimentum, que já atua há quase duas décadas com a criação de iniciativas do tipo para diferentes empresas e diz já ter treinado mais de 250 mil profissionais de empresas como BRF, Carrefour, Cielo, Dasa, entre outras.

Outra consultoria especializada em programas de mentoria é a Learn To Fly, que tem companhias como Petlove, Heineken e Kraft Heinz em sua carteira de clientes. Em entrevista a Cajuína, Cecilia Ivanisk Oliveira, fundadora e CEO da Learn to Fly, explicou que os clientes que buscam a contratação de sua empresa encontram dificuldades na criação de seus programas internos – principalmente na hora de fazer o match entre o mentorado e mentor. 

Cecilia Ivanisk

“As empresas acabam falhando nesta etapa pela falta de estrutura”, afirma Oliveira, que explica que sua companhia conseguiu desenvolver um algoritmo que identifica os valores e objetivos dos interessados nos programas. Com base nos dados computados, a consultoria consegue determinar o melhor mentor. Oliveira explica que, além do match inadequado entre mentor e mentorado, a falta de esclarecimento sobre os objetivos do programa e a ausência do acompanhamento regular do programa pode ser determinante para o fracasso da iniciativa. 

Outro problema que pode ser encontrado dentro das empresas está na falta de experiência dos profissionais em determinados temas para que esses sejam mentores. Neste caso, uma solução pode ser a contratação de mentores externos. Para facilitar o acesso a mentores externos, a consultoria carioca Top2You construiu um negócio que gira em torno de conectar especialistas em diferentes assuntos às empresas. Fundada em 2017 por Thiago Correia, a companhia conta com mais de 150 mentores.

Thiago Correia

“Um mentor externo não necessariamente é melhor ou pior do que um interno, mas complementar”, diz Correia, CEO da Top2You. De acordo com o empresário, a mentoria interna pode ser uma boa maneira para fortalecer os laços dentro da empresa, reforçar a cultura e diminuir as distâncias hierárquicas. Por outro lado, Correia explica que algumas questões podem exigir um olhar externo. “Existem pontos dentro da empresa que você não consegue falar com tanta liberdade, expor tudo sem filtros. É aí que entra uma mentoria externa”, afirma.

Além de conectar mentores com as empresas, a Top2You também realiza o acompanhamento do programa por meio de uma plataforma que coleta dados. “A ideia é que as empresas não precisem esperar até o fim do programa para analisar os resultados. Todo o processo está documentado em indicadores”, diz. Entre os especialistas, estão nomes de executivos que comandam ou já comandaram grandes empresas, como Gabriele Carlos, CEO da Zeiss Vision; Lara Bezerra, ex-CEO da Bayer e Roche; Antonio Kriegel, ex-CEO da Unilever e da Pepsico, entre outros.

A profissão de mentor está em alta no Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira dos Mentores de Negócios, mais de 30 mil profissionais no Brasil são intitulados como mentores de negócios. Muitos deles, porém, cobram cifras na casa de centenas de milhares de reais por programas e misturam conceitos de mentoria com de coach ou desenvolvimento pessoal. 

Para Caroline Ceniza-Levine, coach de carreiras e fundadora da empresa Dream Career Club, é fundamental que as empresas entendam a diferença entre um mentor e um coach. Segundo a especialista, o mentor é alguém com expertise no campo do mentorado ou conhecimento da empresa ou setor do mentorado, mas que nem sempre é treinado no desenvolvimento de pessoas.

Caroline Ceniza-Levine

“Mentores são complementares ao aprendizado e desenvolvimento de alguém, mas não podem ser esperados como o principal recurso”, diz Ceniza-Levine. “Se uma empresa precisa de desenvolvimento de liderança para sua equipe, pode buscar pela contratação de um coach.”

Diversidade em pauta

Atingir uma posição de liderança dentro de uma empresa não é uma tarefa simples. Mas se torna ainda mais difícil para quem joga contra as estatísticas. É o caso de funcionários que se autodeclaram pretos e pardos. As mulheres, independentemente de sua cor de pele, também enfrentam um cenário adverso.

De acordo com dados colhidos no ano passado pela Confederação Nacional da Indústria, apenas 39,1% dos cargos de liderança no Brasil são ocupados por mulheres. Já uma pesquisa feita neste ano pelas Cloo e Indique Uma Preta aponta que apenas 8% das pessoas autodeclaradas pretas e pardas ocupam cargos de liderança no ambiente corporativo – um índice bem distante das estatísticas de representatividade de pessoas pretas e pardas na população brasileira

Para mudar esse panorama, algumas empresas utilizaram os programas de mentoria com foco no aperfeiçoamento da carreira de funcionários que se encaixam nessas características. A Petrobras, por exemplo, lançou em julho deste ano um programa de mentoria interna voltado para lideranças negras.A iniciativa visa o desenvolvimento de habilidades necessárias para líderes atuais e futuros líderes da companhia. O objetivo é que, até 2028, ao menos 25% dos cargos de liderança sejam ocupados por pessoas autodeclaradas negras. A empresa emprega 41 mil pessoas, com quase 13 mil funcionários são negros.

Em pronunciamento oficial, a Petrobras informou que o programa tem o objetivo de reduzir as desigualdades no mundo corporativo. “É prioridade nossa incentivar e promover políticas de equidade e letramento racial, garantindo o acesso pleno às posições de destaque para todas as pessoas, sem distinção”, disse Clarice Coppetti, diretora de Assuntos Corporativos da Petrobras.

Rodrigo Loureiro é jornalista especializado em economia e negócios e com passagens por publicações como IstoÉ Dinheiro, Exame e NeoFeed, além de ter colaborado com veículos como Estadão, Brazil Journal, The Intercept, entre outros.