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Como a WEG ensina ‘seu jeitão’ a aprendizes e estagiários há mais de 50 anos

Criado no final dos anos 1960, Centro WEG é parceria da indústria com o Senai e forma cerca de 800 jovens colaboradores por ano; programa longevo, somado a estágio para graduandos, é responsável por até 60% das contratações anuais da empresa

Bruno Capelas
8 de maio de 2025
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Se cultura é aquilo que a gente faz todos os dias, a WEG tem uma cultura muito bem estabelecida desde a base: há mais de cinco décadas, uma das maiores indústrias brasileiras tem um programa de formação de aprendizes em parceria com o SENAI que ensina “o jeitão WEG” de ser, como define o diretor de RH da empresa, Juliano Saldanha Vargas. Apelidado de Centro WEG, o programa de formação iniciado em 1968 forma 800 jovens colaboradores todos os anos, entre as unidades de Jaraguá do Sul (SC), Linhares (ES) e outras 15 operações espalhadas pelo Brasil. 

Com cursos profissionalizantes de um ano ou técnicos de dois anos, o Centro WEG é uma das iniciativas mais importantes de “formação na base” da empresa. A outra é o programa de estágios da companhia, que em 2024 ofereceu 380 vagas. Juntos, os dois projetos são responsáveis por boa parte das contratações da empresa no ano. “Em 2024, contratamos cerca de 2 mil pessoas, e 60% do que contratamos na empresa veio da base, já com o perfil moldado. Tem gestor até que diz que só quer aprendiz”, diz Vargas, um engenheiro eletricista com 28 anos de casa e, ele próprio, egresso dessa base. 

Na entrevista a seguir, Vargas conta como o Centro WEG funciona e como, desde os primeiros dias de aula, os aprendizes são tratados como colaboradores. Ele também explica as mudanças do sistema ao longo dos anos e diz como a WEG trata temas complicados, como a rejeição dos jovens à indústria, diversidade geracional e diferentes recortes de interseccionalidade. Ele também conta como um engenheiro eletricista que fez carreira em negócios e operações foi parar no RH. “Sou fruto do estilo WEG de gestão e desenvolvimento de pessoas”, diz. A seguir, confira os principais trechos da entrevista. 

Juliano, você é engenheiro de formação. Como foi parar no RH? 

Sou fruto do estilo WEG de gestão e desenvolvimento de pessoas. Em 2025, completo 28 anos de empresa. Sou engenheiro eletricista formado pela Universidade Federal de Santa Maria e comecei aqui como estagiário, nos seis meses finais do curso. Fui contratado em controle e qualidade na WEG Motores, nossa unidade-mãe. Trabalhei por anos na área, depois em planejamento de qualidade, e em 2005 fui convidado para vir para o corporativo, ajudar na implementação de ERP. Fiquei nessa área entre TI e negócios por três anos, foi um grande MBA: tive de aprender da gestão de portaria até área jurídica e controladoria. Quando terminou o projeto, fui para a área de Energia, e depois assumi a assistência técnica global, bem na época do boom do pré-sal e das usinas de cana-de-açúcar produzindo energia. Depois, quando a WEG comprou sua primeira fábrica nos EUA, fui convidado para ser VP de Operações nos EUA, em uma época em que a operação americana era 100% comercial. Fiquei quatro anos nesse papel fazendo tudo que não fosse vendas – financeiro, TI, RH – e aí fui convidado para ser diretor de operações na África, replicando o que eu tinha feito nos EUA. Fiquei sete anos lá, sendo os últimos dois como CEO regional, comandando 47 países da África subsaariana. Foi uma grande experiência, até que, em 2022, nosso diretor de RH estava se aposentando e o CEO da época queria dar uma cara internacional para o RH, com a perspectiva de quem já veio de fora. Desde 2022, estou me divertindo no RH. Mas essa não é uma história só minha: vários dos meus colegas de gestão da WEG tiveram movimentos parecidos. Temos um marketplace interno de 47 mil pessoas – e costumo dizer que perdemos gente para nós mesmos. É comum termos engenheiros no RH, eu mesmo sou o quarto ao longo da história. 

Como começa a história do Centro WEG?

Necessidade é a mãe de todo e qualquer movimento. A história da WEG começa em 1961, em Jaraguá do Sul (SC), que na época era uma região agrícola, com foco em plantações de arroz e de banana. Nossos três fundadores se uniram buscando empreender e produzir motores. A primeira dificuldade foi a mão de obra. Naquela época, nossa referência industrial era a Alemanha. Em uma viagem para lá, em troca de conhecimentos, os fundadores ficaram surpresos quando viram uma “gurizadinha” aprendendo nas fábricas alemãs. Era o modelo de aprendizagem industrial. Eles acharam a ideia fantástica e descobriram a solução para os problemas da WEG: colocar os filhos de agricultores numa estrutura de aprendizagem, transformando-os em especialistas em indústria. Aos poucos, o que era uma necessidade interna foi tomando corpo, e nas décadas seguintes nos aproximamos do Senai, que sempre foi uma escola de formação super reconhecida. Nos anos 1990 e 2000, a parceria ficou mais forte, com a formalização da aprendizagem industrial. O passo final disso foi a criação de um espaço físico para isso, o Centro WEG, que é uma escola customizada para a nossa realidade: são mais de 10 cursos em andamento, sempre atendendo a necessidade do negócio, com o nosso jeitão WEG. 

Como o Centro WEG funciona hoje? 

Oficialmente, hoje temos dois Centros WEG: um em Jaraguá do Sul, atendendo também Blumenau e Itajaí, e o outro em Linhares (ES). Aqui, são 850 aprendizes nos 13 programas de formação; em Linhares, são 135 aprendizes. Além disso, em outras unidades em que não há estrutura interna, o SENAI é nosso parceiro imediato. Temos 17 operações no Brasil e em todas o SENAI está próximo, ajudando a gente a formar 1,5 mil aprendizes por ano, em cursos que duram um ou dois anos. Os cursos de dois anos são de ensino técnico, com diploma do SENAI, enquanto os de um ano são profissionalizantes, em áreas como ferramentaria, automação industrial, química, mecânica de manutenção ou eletrotécnica. Historicamente, nós absorvemos entre 80% e 85% dos formandos – e quando não absorvemos, é porque o aluno vai fazer faculdade ou decide trabalhar no mercado local. Nos últimos anos, porém, temos absorvido praticamente 100% dos formandos. Trabalhamos no contraturno, em um processo super concorrido. Em 2024, a seleção foi de 10 candidatos por vaga, e é preciso ter notas mínimas de 7,5 na escola regular para participar. Normalmente, os jovens entram quando tem 16 anos, como determinado pelo MEC. Por outro lado, cada aluno é considerado um colaborador, tendo todos os benefícios ao entrar como aprendiz: salário, plano de saúde, refeição no local, transporte, atendimento odontológico. É algo que causa muito impacto nas famílias e na comunidade. Como temos uma necessidade de mão de obra, a formação técnica é uma porta de entrada fantástica: além das habilidades técnicas, o Centro WEG forma a cultura e também oferece formação em metodologias como Six Sigma. Se o aluno quiser, ele pode sair do curso com a certificação Yellow Belt. Também oferecemos formação pessoal comportamental, línguas como inglês e espanhol – e estamos trabalhando para ter aulas bilíngues. 

Como um programa desses influencia a cultura da WEG ? 

Vou começar com um dado: do nosso comitê executivo, de 11 pessoas, oito entraram na empresa como aprendizes ou estagiários. Nosso diretor internacional, o Elder [Jurandir Stringari], entrou aos 14 anos no Centro WEG, fez faculdade, voltou e está aqui conosco. É um circuito muito comum. Mas a melhor maneira de resumir isso é pensar nos traços principais da cultura. Temos um foco muito grande em resultados. Nosso antigo CEO, o Harry [Schmelzer Jr.], diz que o que nos diferencia não é que a gente se preocupa tanto com equipes de alta performance, mas sim com equipes que trazem o resultado que a gente precisa. Nem sempre alguém de alta performance entrega o que precisamos, com foco no resultado, sendo capaz de seguir a estratégia e monitorando a execução da estratégia. Outro traço forte da cultura é a visão de longo prazo. O curto prazo tem de pagar as contas, mas também alimenta o que vem adiante. O terceiro aspecto da cultura é a gestão participativa: temos liderança, mas trabalhamos em colegiados. Desde 1968, temos uma estrutura de comitês – e hoje são mais de 100 comitês para diferentes temas. Isso ajuda não só a gestão, porque a tomada de decisão acontece com quem olha para cima, mas também acostuma as pessoas a tomarem decisões. Se uma decisão é tomada em consenso, com especialistas, é uma decisão que não tem como não executar. Outro traço forte é o desenvolvimento, porque nada acontece se não houver pessoas preparadas. Somos tarados por desenvolver gente. Em 2024, tivemos 138 horas de treinamento por colaborador – enquanto a média da indústria brasileira é de cerca de 20. Acreditamos que preparar, dar condições e pensar além são pilares base para sempre executarmos com mais eficiência. Nunca nos damos por satisfeitos – mas sempre de um jeitão simples. Nosso negócio é complexo, a realidade é complexa, por isso somos simples – e simples não é simplório. Ser simples é não ter que bater de novo na mesma pedra ao fazer algo, mas é tirar a pedra do lugar para que alguém não precise tirar depois. E todos esses traços começam a ser trabalhados na aprendizagem. No primeiro dia, o aprendiz já tem conselho de classe. Nas primeiras semanas, eles são bombardeados com informação, circulando nas áreas, para ver que uma área depende da outra. Isso ajuda desde cedo a entender que não dá para trabalhar sozinho, que a meta é para ajudar e não para dar dor de cabeça. A gente trabalha tudo isso desde cedo no Centro WEG, e quando o aprendiz vai para a área destino, tudo é muito natural. Não tem curva de aprendizado que leva três meses. Isso é esperado pelas áreas, fazemos planejamento de pessoal para a demanda de vagas casar com a formatura deles. Além disso, os equipamentos que estão hoje no Centro WEG são os equipamentos que a fábrica vai ter daqui a dois anos, para que o aprendiz já chegue pronto na fábrica. Isso gera um senso de pertencimento muito grande: desde o início, a gurizada se considera colaborador, com direito até a participação nos resultados. E levamos isso ao extremo: ano passado, formamos cerca de 800 aprendizes e absorvemos 798. Recebemos 380 estagiários e absorvemos os 380. Ao ano, contratamos cerca de 2 mil pessoas, e 60% do que contratamos na empresa veio da base e já entraram com esse perfil. Tem gestor até que diz que só quer aprendiz. 

Naturalmente as gerações convivem: da Alpha aos baby boomers. E cada uma tem necessidades diferentes, mas precisa atingir um resultado comum. Para isso, fazemos muito treinamento, formando as lideranças nas bases.

Muitas empresas têm enfrentado o dilema de lidar com o jovem, com as gerações Z e Alpha. Como você enxerga isso na WEG? 

É uma turma que vem questionadora. A minha geração foi ensinada a dar respostas. Hoje, a gurizada pode perguntar para um copiloto e ter uma resposta – mas precisa ter senso crítico para saber fazer a pergunta certa. Nosso maior desafio é ensinar a gurizada a fazer perguntas e dar condição de senso crítico. É algo fantástico, porque abrange do chão de fábrica à diretoria, somos desafiados por eles o tempo todo. Por outro lado, é interessante pensar na questão geracional. Em uma reflexão interna, nos demos conta que o colaborador WEG tem um padrão longevo. Temos cerca de 2,5 mil colaboradores no Brasil com mais de 25 anos de casa. O tempo médio de um colaborador na WEG é de 8,5 anos. Entre os gestores, esse tempo médio é de 15,8 anos. Por outro lado, tenho 23 mil colaboradores com menos de 5 anos de casa. Naturalmente as gerações convivem: da Alpha aos baby boomers. E cada uma tem necessidades diferentes, mas precisa atingir um resultado comum. Para isso, fazemos muito treinamento, formando as lideranças nas bases. Para futuros gestores, temos uma academia de chefia, com 360 horas de treinamento divididas em dois anos. E nessa academia, o que mais treinamos é diversidade de perspectiva, diversidade cognitiva, facilidade de lidar mais ou menos com tecnologia. Mas, por outro lado, como a empresa tem esse histórico de longevidade, nada soa estranho. Hoje, eu sou superior do meu antigo gestor. Aprendemos a conviver e a lidar. É o lado bom da longevidade na empresa: digo que não temos gap geracional, mas sim overlap geracional. Temos casos de uma mesma família com quatro gerações na empresa: avô, pai, filho e neto. Fico imaginando um almoço de família com essas perspectivas diferentes. É claro que volta e meia é preciso fazer rodas de conversa, um gestor de fábrica falando que a gurizada não faz as coisas direito, mas em muitos casos a reclamação é que o aprendiz não quer fazer as coisas de um jeito específico. Nossa resposta é: teve entrega? Se teve entrega, está tudo certo. Não dá para aplicar igualdade, mas sim a equidade. Tensões acontecem, mas temos que lidar com elas. 

Falamos de diversidade geracional, mas este é um tema que envolve muitos outros espectros. Dada a importância do Centro WEG e do programa de estágio para as contratações, como é cuidar da diversidade em vários âmbitos desde o início? 

É um desafio – até porque, como empresa global, cada operação tem uma realidade. O questionário de diversidade do Brasil é muito diferente do questionário americano. Mas demograficamente, quando olhamos para as unidades industriais, elas costumam refletir a demografia de cada região. Ao mesmo tempo, é preciso ser intencional. Fizemos recentemente um programa de qualificação profissional de PCDs. Não conseguimos preencher as vagas porque alegaram que faltava formação. Achamos estranho: por quê? E aí vimos que muitos PCDs não chegam ao segundo grau. Por que isso acontece? Por que eles também não fizeram o primeiro grau. E aí voltamos a um trabalho de base, em oito mãos – com SENAI, WEG, FIESC e prefeituras – para garantir que a escola básica tenha acessibilidade. Para fazer a cadeia funcionar, é um pipeline de gente. Outro exemplo: em 2023, a unidade de Linhares queria quebrar o paradigma de que ter PCDs atrapalha a produtividade. Lá, eles estão muito acima da cota. Mas como? O supervisor aprendeu libras. O time de médicos, segurança do trabalho e engenharia industrial foi na fábrica para entender a necessidade de cada colaborador. E digo mais: as adaptações ajudam na produtividade de todos, e não só dos PCDs. São pequenos exemplos que a gente começa a incorporar na prática. Outro desafio é atrair o jovem para a indústria. Dentro do contexto, temos uma sorte grande, porque o SENAI ajuda muito a desmistificar a questão. Tem gente que acha que a indústria não é sexy. Mas olhar para um iPhone e saber como ele funciona, como ele é montado, isso provoca a gurizada. E isso vale para homens e mulheres. Na minha geração, havia poucas mulheres na engenharia. Minha turma tinha 4 em 100 alunos. Hoje, as mulheres são 12,5% dos alunos de engenharia no Brasil. Vai levar tempo para a representatividade ter qualidade nessa história. Mas, no nosso programa de estágios, começamos a fazer palestras, ir nas universidades e nas feiras de emprego, levando nossas executivas. Tem dado certo: no último programa de estagiários, 25% eram mulheres. É pouco? É, mas é o dobro da média das escolas de engenharia. Hoje, o Centro WEG tem 45% das aprendizes meninas. Em turmas de mecânica e ferramentaria, temos 60% de mulheres. É uma quebra de paradigma fantástica. Ao longo dos anos, tivemos de preparar a gestão, mas fazemos diversidade, equidade e inclusão na prática. 

Para encerrar: alguma dica de livro para complementar essa entrevista? 

Algumas! Há muitos anos, usamos como base o Pipeline de Liderança, do Ram Charan. É um livro clássico, dos anos 1980, que fala justamente sobre essa evolução: o que significa sair de cada estágio, deixando de ser líder de si mesmo para ser líder de alguém, depois ser líder de líderes. É um livro que sempre me choca quando leio. Outro que usamos bastante aqui é o What Brought You Here Won’t Get You There, do Marshall Goldsmith. É aquela cutucada básica: sucesso passado não é sucesso futuro. Muita gente acha que chega um ponto e finalmente estoura. Triste notícia: o mundo muda o tempo todo. Pode não ser VUCA ou BANI, mas o mundo sempre muda. Além disso, gosto muito de ler filosofia. Sapiens, do Noah Yuval Harari, é um livro que me ajuda muito a entender a evolução cultural – e pensar sobre a revolução da inteligência artificial. E gosto muito de Aristóteles. Recentemente, reli a Ética a Nicômaco, e é uma pancada. Como empresa, de vez em quando precisamos voltar a questões filosóficas. Falamos do quando, do como, do onde, mas esquecemos de perguntar o porquê. E isso é muito importante na WEG.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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