Com diagnóstico e investimento, companhia amplia presença feminina na liderança, valoriza a diversidade e reduz desigualdades salariais; para diretor de Pessoas, representatividade também influencia ânimo da equipe

Quando se fala do universo corporativo, não é raro que a relação entre diferentes áreas seja vista como um cabo-de-guerra: um jogo de forças entre os interesses do RH, do financeiro, do marketing ou de outras diretorias. Mas e se for possível pensar de um jeito diferente? Como construir relações e parcerias que fazem a empresa andar para frente? Foi esse um dos grandes temas da edição mais recente do Café com Caju. Realizado em São Paulo, no último dia 7 de outubro, o evento teve como ingrediente principal o diálogo entre as áreas de finanças e de gestão de pessoas, reunindo Sophia Ribeiro, diretora de RH da Nokia Brasil, e Gabriel Coelho, CFO da Caju.
Com o tema de “Como o RH gera ROI e impulsiona resultados de negócio”, o encontro moderado por Luiza Terpins, editora-chefe de Cajuína, mostrou como o alinhamento entre as duas áreas pode transformar a cultura corporativa e garantir resultados sustentáveis — especialmente em tempos de alta complexidade, múltiplas gerações no trabalho e foco crescente em bem-estar e produtividade.
Logo no início do encontro, Sophia destacou que a visão colaborativa é o que faz o RH ganhar relevância dentro das empresas, reforçando que o financeiro está sempre presente nas discussões da área de pessoas. Gabriel Coelho, da Caju, reforçou a ideia ao afirmar que a parceria e a colaboração são o principal elemento de sucesso nessa relação.
Essa cooperação, como ficou claro ao longo da conversa, vai muito além das planilhas. Trata-se de compartilhar agendas e compreender o momento da empresa. Gabriel explicou que o essencial é ter uma agenda conjunta: entender o que está no radar da empresa – se é foco em caixa, lucro ou crescimento – e construir as métricas em função desse contexto.
No caso da Nokia, que completou 160 anos em 2025, são vários os desafios. Um deles é o de se reinventar constantemente: se em outras épocas a empresa foi conhecida pelo celular “do jogo da cobrinha”, hoje o foco está em pensar na conexão do presente (5G) e do futuro (6G). “O que trouxe a Nokia até aqui não é o que vai levá-la adiante”, ressaltou Sophia.
Outro desafio da gigante de tecnologia é o de equilibrar gerações muito diferentes dentro da organização: hoje, 40% do time é formado por pessoas aposentadas que seguem trabalhando. Segundo Sophia, não é raro ver colaboradores de 77 anos liderando estagiários de 19. “É algo que naturalmente gera conflitos”, destacou a executiva. Nesse cenário, o RH busca atuar com diferentes pilares para acomodar as gerações e criar diálogo. “Não é mais tudo para todos”, afirmou, explicando que as ações precisam ser segmentadas e que o RH tem papel central nesse equilíbrio.
Um dos pontos altos do encontro foi o relato de Sophia sobre o case de bem-estar da Nokia, que alcançou um retorno de R$ 70 para cada R$ 1 investido. Ela explicou que, de 2022 para 2023, a empresa enfrentou um reajuste de 60% no custo do plano de saúde. Segundo Sophia, as pessoas começaram a se cuidar mais e a buscar terapias, gerando impacto nos custos da empresa.
A solução foi migrar parte da oferta de terapias do plano médico para a plataforma de bem-estar corporativo Wells, que oferece encontros em grupo e apoio social. Apesar da natural resistência inicial, o modelo tem se mostrado eficaz. Sophia contou que a empresa paga R$ 1 por colaborador para usar a Wells e que, para cada real investido, economiza R$ 70 no plano de saúde.
O processo, no entanto, exigiu muita negociação. A pressão interna era grande, e a solução imediata seria reduzir o plano de saúde. Ela insistiu que o problema não era apenas dos colaboradores, mas também das famílias, o que afetava o engajamento e a produtividade. Após várias reuniões com a diretoria, conseguiu aprovar um projeto piloto de um ano.
Os resultados vieram rapidamente. Em menos de doze meses, o ROI alcançou R$ 700 mil, com projeção de R$ 1 milhão até o final de 2025. Atualmente, 60% dos colaboradores já baixaram o aplicativo, com 40% de uso ativo. Para Sophia, ainda há caminho a percorrer, mas a Nokia conseguiu manter o cuidado com as pessoas com custo menor e alto nível de satisfação.
Na visão de Gabriel Coelho, do ponto de vista financeiro, a relação entre RH e CFO precisa ser baseada em confiança e compreensão mútua. Ele lembrou que, nas empresas em que atuou, o principal custo sempre esteve relacionado a pessoas e que o papel das finanças é ajudar a empresa a entregar resultados, sem se limitar ao controle. “Não é um esporte do CFO ficar em cima, é parte do nosso trabalho”, comentou. Para ele, o caso da Nokia mostra a importância de criar espaço para experimentação e para o aprendizado conjunto.
Sophia concordou, destacando que o sucesso do projeto se deve ao trabalho colaborativo entre áreas. Para ela, o RH precisa convencer e engajar a liderança, porque não basta apenas apresentar um programa – é necessário que os gestores “vendam” a ideia junto com o time de pessoas. O processo, segundo ela, envolve tentativa e erro e exige paciência para ver os resultados acontecerem.
Outra dificuldade do RH, na visão da executiva da Nokia, é provar o valor do intangível. Ela lembrou que o financeiro se baseia em dados mensuráveis, enquanto o RH lida com fatores humanos, como engajamento e clima organizacional, que impactam diretamente o desempenho, mesmo que de forma indireta. Para ela, um profissional engajado e um ambiente seguro geram mais produtividade e resultados melhores.
A diretora também destacou que, por trás de cada número, existe uma explicação – e que a colaboração entre as áreas ajuda a dar visibilidade a esses impactos. A transparência e o compartilhamento de informações, afirmou, são fundamentais para que todos olhem na mesma direção e para que problemas e conquistas sejam enfrentados em conjunto.
Ao final do encontro, os dois executivos também conversaram sobre os desafios que estão por vir. Para Gabriel Coelho, a transformação no mundo do trabalho não é apenas de processos, mas também de mentalidade. Ele acredita que a inteligência artificial trará grandes mudanças na forma de trabalhar, semelhantes às que ocorreram com o advento do computador pessoal.
“Vai haver um período grande de investidores e acionistas desafiando a produtividade. Quem começar a construir essas discussões tem mais chance de ter uma parceria positiva. Quem se atrasar vai ver a pressão aumentar”, ressaltou Coelho. Em sua visão, a transição deve se estabilizar nos próximos cinco a dez anos. Segundo ele, na Caju, o foco atual é reorganizar times e fortalecer a conexão entre estratégia e execução, estruturando melhor a operação para entregar produtos de maneira mais ágil e alinhada às demandas do mercado.
Ao encerrar o encontro, Sophia ressaltou a importância da parceria entre áreas como um fator essencial de sucesso, bem como na colaboração com fornecedores externos. Para ela, o RH precisa de parceiros que ajudem a pensar diferente e a encontrar soluções sustentáveis. E, se for necessário, o modelo pode ser ajustado ou o parceiro trocado – o importante é continuar aprendendo e evoluindo. A mensagem foi clara: quando RH e financeiro falam a mesma língua, os números e as pessoas andam lado a lado – e todos saem ganhando.
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