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Como fazer o RH e o financeiro falarem a mesma língua

Em evento, diretora de RH da Nokia no Brasil e CFO da Caju mostraram como a construção de parcerias pode auxiliar tanto o caixa quanto o impacto humano nas empresas; colaboração, métricas e criação de relações de confiança são chave, dizem executivos

Bruno Capelas
8 de outubro de 2025
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Quando se fala do universo corporativo, não é raro que a relação entre diferentes áreas seja vista como um cabo-de-guerra: um jogo de forças entre os interesses do RH, do financeiro, do marketing ou de outras diretorias. Mas e se for possível pensar de um jeito diferente? Como construir relações e parcerias que fazem a empresa andar para frente? Foi esse um dos grandes temas da edição mais recente do Café com Caju. Realizado em São Paulo, no último dia 7 de outubro, o evento teve como ingrediente principal o diálogo entre as áreas de finanças e de gestão de pessoas, reunindo Sophia Ribeiro, diretora de RH da Nokia Brasil, e Gabriel Coelho, CFO da Caju. 

Com o tema de “Como o RH gera ROI e impulsiona resultados de negócio”, o encontro moderado por Luiza Terpins, editora-chefe de Cajuína, mostrou como o alinhamento entre as duas áreas pode transformar a cultura corporativa e garantir resultados sustentáveis — especialmente em tempos de alta complexidade, múltiplas gerações no trabalho e foco crescente em bem-estar e produtividade.

O peso das parcerias e da história

Logo no início do encontro, Sophia destacou que a visão colaborativa é o que faz o RH ganhar relevância dentro das empresas, reforçando que o financeiro está sempre presente nas discussões da área de pessoas. Gabriel Coelho, da Caju, reforçou a ideia ao afirmar que a parceria e a colaboração são o principal elemento de sucesso nessa relação.

Essa cooperação, como ficou claro ao longo da conversa, vai muito além das planilhas. Trata-se de compartilhar agendas e compreender o momento da empresa. Gabriel explicou que o essencial é ter uma agenda conjunta: entender o que está no radar da empresa – se é foco em caixa, lucro ou crescimento – e construir as métricas em função desse contexto. 

Da esquerda para a direita: Luiza Terpins, editora-chefe de Cajuína, Sophia Ribeiro, diretora de RH da Nokia Brasil, Gabriel Coelho, CFO da Caju. 

No caso da Nokia, que completou 160 anos em 2025, são vários os desafios. Um deles é o de se reinventar constantemente: se em outras épocas a empresa foi conhecida pelo celular “do jogo da cobrinha”, hoje o foco está em pensar na conexão do presente (5G) e do futuro (6G). “O que trouxe a Nokia até aqui não é o que vai levá-la adiante”, ressaltou Sophia. 

Outro desafio da gigante de tecnologia é o de equilibrar gerações muito diferentes dentro da organização: hoje, 40% do time é formado por pessoas aposentadas que seguem trabalhando. Segundo Sophia, não é raro ver colaboradores de 77 anos liderando estagiários de 19. “É algo que naturalmente gera conflitos”, destacou a executiva. Nesse cenário, o RH busca atuar com diferentes pilares para acomodar as gerações e criar diálogo. “Não é mais tudo para todos”, afirmou, explicando que as ações precisam ser segmentadas e que o RH tem papel central nesse equilíbrio.

Bem-estar com ROI: o case que virou referência

Um dos pontos altos do encontro foi o relato de Sophia sobre o case de bem-estar da Nokia, que alcançou um retorno de R$ 70 para cada R$ 1 investido. Ela explicou que, de 2022 para 2023, a empresa enfrentou um reajuste de 60% no custo do plano de saúde. Segundo Sophia, as pessoas começaram a se cuidar mais e a buscar terapias, gerando impacto nos custos da empresa. 

A solução foi migrar parte da oferta de terapias do plano médico para a plataforma de bem-estar corporativo Wells, que oferece encontros em grupo e apoio social. Apesar da natural resistência inicial, o modelo tem se mostrado eficaz. Sophia contou que a empresa paga R$ 1 por colaborador para usar a Wells e que, para cada real investido, economiza R$ 70 no plano de saúde. 

O processo, no entanto, exigiu muita negociação. A pressão interna era grande, e a solução imediata seria reduzir o plano de saúde. Ela insistiu que o problema não era apenas dos colaboradores, mas também das famílias, o que afetava o engajamento e a produtividade. Após várias reuniões com a diretoria, conseguiu aprovar um projeto piloto de um ano.

Os resultados vieram rapidamente. Em menos de doze meses, o ROI alcançou R$ 700 mil, com projeção de R$ 1 milhão até o final de 2025. Atualmente, 60% dos colaboradores já baixaram o aplicativo, com 40% de uso ativo. Para Sophia, ainda há caminho a percorrer, mas a Nokia conseguiu manter o cuidado com as pessoas com custo menor e alto nível de satisfação. 

Confiança e sustentabilidade

Na visão de Gabriel Coelho, do ponto de vista financeiro, a relação entre RH e CFO precisa ser baseada em confiança e compreensão mútua. Ele lembrou que, nas empresas em que atuou, o principal custo sempre esteve relacionado a pessoas e que o papel das finanças é ajudar a empresa a entregar resultados, sem se limitar ao controle. “Não é um esporte do CFO ficar em cima, é parte do nosso trabalho”, comentou. Para ele, o caso da Nokia mostra a importância de criar espaço para experimentação e para o aprendizado conjunto.

Sophia concordou, destacando que o sucesso do projeto se deve ao trabalho colaborativo entre áreas. Para ela, o RH precisa convencer e engajar a liderança, porque não basta apenas apresentar um programa – é necessário que os gestores “vendam” a ideia junto com o time de pessoas. O processo, segundo ela, envolve tentativa e erro e exige paciência para ver os resultados acontecerem.

Outra dificuldade do RH, na visão da executiva da Nokia, é provar o valor do intangível. Ela lembrou que o financeiro se baseia em dados mensuráveis, enquanto o RH lida com fatores humanos, como engajamento e clima organizacional, que impactam diretamente o desempenho, mesmo que de forma indireta. Para ela, um profissional engajado e um ambiente seguro geram mais produtividade e resultados melhores.

A diretora também destacou que, por trás de cada número, existe uma explicação – e que a colaboração entre as áreas ajuda a dar visibilidade a esses impactos. A transparência e o compartilhamento de informações, afirmou, são fundamentais para que todos olhem na mesma direção e para que problemas e conquistas sejam enfrentados em conjunto.

O olhar para o futuro

Ao final do encontro, os dois executivos também conversaram sobre os desafios que estão por vir. Para Gabriel Coelho, a transformação no mundo do trabalho não é apenas de processos, mas também de mentalidade. Ele acredita que a inteligência artificial trará grandes mudanças na forma de trabalhar, semelhantes às que ocorreram com o advento do computador pessoal. 

Vai haver um período grande de investidores e acionistas desafiando a produtividade. Quem começar a construir essas discussões tem mais chance de ter uma parceria positiva. Quem se atrasar vai ver a pressão aumentar”, ressaltou Coelho. Em sua visão, a transição  deve se estabilizar nos próximos cinco a dez anos. Segundo ele, na Caju, o foco atual é reorganizar times e fortalecer a conexão entre estratégia e execução, estruturando melhor a operação para entregar produtos de maneira mais ágil e alinhada às demandas do mercado. 

Ao encerrar o encontro, Sophia ressaltou a importância da parceria entre áreas como um fator essencial de sucesso, bem como na colaboração com fornecedores externos. Para ela, o RH precisa de parceiros que ajudem a pensar diferente e a encontrar soluções sustentáveis. E, se for necessário, o modelo pode ser ajustado ou o parceiro trocado – o importante é continuar aprendendo e evoluindo. A mensagem foi clara: quando RH e financeiro falam a mesma língua, os números e as pessoas andam lado a lado – e todos saem ganhando.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.