Busque por temas

Em alta

Como as Casas Bahia têm avançado em representatividade negra e feminina na liderança

Hoje, 37,3% dos cargos de chefia são ocupados por pessoas negras, enquanto mulheres são ocupam 33% das mesmas posições; para executiva, empresa que quer representar o Brasil precisa ter estratégia de DEI alinhada com o negócio

Bruno Capelas
30 de julho de 2025
Leia emminutos
Voltar ao topo

Se a representatividade é um tema importante para qualquer empresa no Brasil, quando a companhia atua no varejo essa pauta se torna ainda mais relevante. Pelo menos é o que acredita Andréia Nunes, diretora executiva de Gente, Gestão e Sustentabilidade do Grupo Casas Bahia. “Nossos clientes e nossos colaboradores representam a sociedade brasileira”, ressalta a executiva, destacando que essa representatividade precisa estar não só na empresa como um todo, mas principalmente na liderança. 

Ao longo dos últimos anos, o grupo varejista – responsável por 31 mil profissionais em todo o País – tem conquistado avanços significativos quando o tema é liderança diversa: hoje, 37,25% dos cargos do tipo são ocupados por pessoas negras; 33% também têm mulheres na cadeia de comando. Já para a população total do grupo, as Casas Bahia têm 47% de pessoas negras e 43,5% de mulheres.

A única forma de fazer com que as pessoas se desenvolvam é oferecendo possibilidades sólidas, permitindo que elas façam suas escolhas. 

Na entrevista a seguir, a executiva conta um pouco das estratégias que as Casas Bahia têm utilizado para desenvolver seus colaboradores em diferentes ambientes – do escritório às fábricas de móveis, passando pelas lojas e pelos centros de logística. Temas como sociabilização feminina, debates geracionais e polarização política também vêm à tona. “O que nós buscamos deixar claro é que lei é lei, que o mundo mudou e que as pessoas podem evoluir se elas quiserem. Mas, se elas não quiserem, este também não é o lugar para elas estarem. Não queremos líderes que não sejam diversos, equitativos e inclusivos”, diz Andréia. 

Empresas de varejo como as Casas Bahia são, muitas vezes, o primeiro emprego de uma grande parcela da população brasileira, que é diversa em sua natureza. Entre o nível de entrada e uma posição de liderança, porém, pode demorar muito tempo. Antes de começar um esforço proativo para ter uma liderança diversa, qual era o cenário existente?  

Quando a gente fala de estratégia de diversidade, equidade e inclusão, a estratégia adotada tem que estar alinhada com o negócio. Se você olhar para as Casas Bahia, nós contratamos cerca de mil pessoas por mês, considerando as novas vagas e lojas que abrimos. É um volume grande de contratações – e quando isso acontece, é preciso olhar a realidade do Brasil e ser realmente inclusiva. Se metade da população é formada por mulheres, não posso ter restrições de contratação de mulheres. Quando 23% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, a inclusão de PCDs é estratégica para o negócio. E quando 56% da população é negra, somando pretos e padros, isso também é olhar a estratégia do negócio. Olhar as estatísticas e trazer a realidade para dentro de casa é parte da nossa estratégia. Falando especificamente de mulheres e negros, trabalhamos muito com vagas afirmativas e com letramentos, tanto para o novo colaborador quanto para os líderes. Nos últimos anos, nós reestruturamos nossos pilares de diversidade e inclusão, baseando-se em gênero, raça/etnia, PCDs e pessoas LGBTQIAPN+. Além disso, temos um programa transversal, focado em combate a assédio e discriminação – porque não adianta colocar o profissional para dentro se houver piadinhas ou qualquer tipo de comportamento que já não é mais aceito. 

O que nós vamos começar a fazer agora é trazer também um processo de letramento para os candidatos. É uma matemática simples: se eu tenho mil vagas por mês e uma média de cinco candidatos por vaga, estamos falando da oportunidade de tocar 5 mil pessoas por mês. São cinco mil pessoas que podem ser formadas em diversidade e inclusão, levando a mensagem de um país mais verdadeiro com a sua cultura – mesmo que essas pessoas não venham trabalhar com a gente. Além disso, temos programas consistentes de desenvolvimento, para formar mulheres e negros, buscando trazer as mesmas possibilidades que as pessoas que têm privilégios tiveram. A única forma de fazer com que as pessoas se desenvolvam é oferecendo possibilidades sólidas, permitindo que elas façam suas escolhas. Não é todo mundo que quer ser líder, mas para quem quiser, é preciso ter programas que ajudem, não é? 

De maneira mais estruturada, como começaram esses programas? 

Cada pilar teve seu ritmo. O tema de mulheres, por exemplo, foi todo reestruturado em 2024. Colocamos como meta desenvolver 900 mulheres como líderes até o final deste ano. O primeiro passo foi com a diretoria, porque as mudanças precisam vir de cima. Agora, as gerentes estão no ciclo. No segundo semestre, vamos expandir para coordenadoras, supervisoras e especialistas. Para todas elas, contratamos empresas especializadas em desenvolvimento feminino. Depois desse ciclo, que vai até dezembro, vamos formar os futuros talentos. Quando a gente fala de liderança feminina, há muitas questões: muitas mulheres são socialmente educadas a não fazer networking, e isso enterra seu desenvolvimento. Muitas portas se abrem por meio de networking e temos um módulo só focado nisso. Pode parecer básico, mas não é. Outra questão que trabalhamos é o olhar para a própria carreira: muitas vezes, a mulher acaba sendo levada pela carreira que a empresa cria para nós, e o curso trabalha o planejamento de carreira, a negociação de salário, a amostra de desempenho. É uma transformação muito grande – eu mesma fiz o curso no passado e isso me ajudou muito. É um compromisso pessoal, porque o processo de socialização feminino diferente do processo de socialização masculino, mas as corporações esperam determinados comportamentos que a gente não vive. Como empresa, é preciso criar essas possibilidades para as mulheres. 

E de que maneira vocês olham para a população negra, que tem desafios diferentes dos desafios das mulheres? 

Um dos nossos pilares nesse ponto é o Baobá, nosso grupo de afinidade para pessoas negras. Hoje, temos a representatividade negra em diferentes tipos de negócios, mas cada uma delas funciona de uma forma: no escritório é de um jeito, na fábrica de móveis é de outro, numa loja é uma terceira. Quando olhamos esse contexto, são empresas diferentes – e tratar temas de desenvolvimento no escritório é relativamente mais fácil que num centro de logística ou numa fábrica, onde muitas vezes pode haver líderes com… educação mais antigas, por assim dizer. Para lidar com isso, o tema do letramento racial é importante. Hoje, qualquer pessoa admitida no Grupo Casas Bahia é letrada em letramento racial. Para os líderes, temos atualizações constantes e isso é feito em diversos canais – na TV interna, em cursos, em pílulas de desenvolvimento. Outro ponto importante é compartilhar histórias de sucesso, de pessoas que se desenvolveram dentro da companhia e fazem carreira, para que isso se torne algo aspiracional. É importante compartilhar as histórias, entendendo as dificuldades que a pessoa teve, as dicas, criando um espaço de conversa em um ambiente seguro. Além disso, estamos sempre atentos aos feedbacks: o grupo se reúne todos os meses e traz feedbacks de ações específicas que precisam ser tomadas – foi daí, por exemplo que surgiu o programa de combate ao assédio e à discriminação, porque foi necessário explicar consistentemente que algumas “brincadeiras” não são brincadeiras, são assédio. E nós mostramos isso: quantas pessoas são desligadas por justa causa por assédio ou discriminação, por exemplo. É preciso trabalhar assim para criar um ambiente propício que representa o Brasil. Nossos clientes e nossos colaboradores representam a sociedade brasileira – e é preciso respeitar todas as pessoas, todos os dias, independentemente de onde elas estejam. 

Apesar do alto turnover, o varejo também é uma área onde as pessoas fazem carreiras longas – e pode haver muitas pessoas que entraram na empresa em uma época em que o contexto social brasileiro era outro. Como é o papel das Casas Bahia de explicar a transformação da sociedade e educar esse colaborador para um novo mundo? 

De fato, o varejo é um tipo de negócio no Brasil que tem muito turnover, mas nós temos um turnover menor que a média do mercado. As pessoas não querem sair do Grupo Casas Bahia, porque nossa remuneração de vendedor, por exemplo, é uma das mais altas do mercado. As pessoas querem ficar e isso faz com que você tenha diferentes gerações convivendo no mesmo espaço. São dois mundos de gerações que a gente trabalha com letramento. O que nós buscamos deixar claro é que lei é lei, que o mundo mudou e que as pessoas podem evoluir se elas quiserem. Mas, se elas não quiserem, esse também não é o lugar para elas estarem. Não queremos líderes que não sejam diversos, equitativos e inclusivos – e deixamos isso muito claro. É importante deixar a regra do jogo clara, dando treinamento, informação, conteúdo. E isso as pessoas entendem. Trazer o letramento é ajudar no despertar para a evolução social – e isso provoca com que o colaborador leve conhecimento para dentro de casa. Quanto mais a pessoa aprende, mais a pessoa ensina. Em alguns casos, a gente também sugere que os líderes levem o conteúdo para suas equipes, no que a gente chama de “reuniões de piso”. 

Além do aumento na representatividade, como vocês trabalham os indicadores de DEI? 

Vou te dar alguns exemplos. Hoje, nós chamamos de Operações a área que cuida de todas as operações de lojas físicas – onde está a maior parte dos nossos colaboradores. Em 2024, tivemos uma mudança nessa liderança, e logo que o novo líder chegou, mostrei para ele os números de DEI da área. Ali, onde havia mais dor era na pauta de gênero – das seis diretorias, as seis tinham homens. Três deles eram negros, mas não havia mulheres. Nas gerências regionais, que são mais de 50, só 30% tinham mulheres como líderes. E aí nós montamos um programa específico para poder contratar mulheres. Todas as vagas que surgiam nós contratamos mulher. Foi algo consciente, em uma intervenção específica. Outro bom exemplo foi na adesão ao curso de liderança feminina. Normalmente, a taxa de participação oscilava entre 87% e 90%. E esse líder chamou todas as mulheres que estavam no curso, as 400 profissionais que estavam sob a responsabilidade dele, e fez uma palestra falando sobre a importância do desenvolvimento feminino. Depois que ele fez isso, ninguém mais faltou. Além dos programas estruturados, é importante ter essas intervenções nas áreas – especialmente quando elas vêm de cima. Mas é por isso que é importante olhar os indicadores: é para podermos tomar atitudes pontuais no negócio. 

O nosso posicionamento como marca empregadora é um só. Somos uma empresa diversa e inclusiva. Aqui dentro, todo mundo pode ser quem se é.

Pensando na realidade brasileira, diversidade é um tema polêmico para algumas pessoas. As Casas Bahia têm como meta atender a todo brasileiro. Mas, como organizar esse tema, sem “afetar” a opinião de um grupo de clientes? 

O nosso cliente representa a sociedade brasileira. E temos muitos clientes que buscam emprego aqui, para eles ou para os filhos, e o nosso posicionamento como marca empregadora é um só. Somos uma empresa diversa e inclusiva. Aqui dentro, todo mundo pode ser quem se é. Aceitamos as várias diversidades do Brasil – e de fora também. Eu não vejo que esse tema seja um problema pelos clientes; pelo contrário: DEI é uma pauta buscada pelos clientes para entender como nós nos posicionamos. E o que queremos fazer é nos posicionarmos com consistência, desenvolvendo as pessoas e cuidando para sermos um exemplo para o país todo.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

Essa matéria vai bem com

Sorry, no posts matched your criteria.