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O Agro é pop, já a educação: nem tanto!

Na coluna da FDC, Vitor Del Rey mostra como a desigualdade educacional sustenta exclusões raciais no Brasil; Para o RH, é um chamado a repensar diversidade e inclusão de forma sistêmica.

Convidado Fundação Dom Cabral
16 de setembro de 2025
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Por Vítor Del Rey*

O Brasil figura, em 2025, como a 10ª maior economia global em termos de Produto Interno Bruto [PIB], com US$ 2,179 trilhões, segundo a Austin Rating e a Forbes Brasil. Esse desempenho econômico se sustenta, sobretudo, no agronegócio e na exportação de commodities, setores que, como nos alertou Guerreiro Ramos, expressam uma racionalidade instrumental voltada para o acúmulo econômico imediato, mas desconectada das necessidades humanas e sociais. Contudo, esse mesmo país que se projeta no cenário econômico internacional aparece nas últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes [PISA/2022]: 65º em matemática, 52º em leitura e 62º em ciências. Crescemos em soja, mas seguimos falhando em cidadania; acumulamos riqueza, mas seguimos incapazes de transformar esse capital em igualdade social.

Pierre Bourdieu nos lembra que a escola é um dos principais aparelhos de reprodução das desigualdades, convertendo privilégios econômicos em vantagens culturais. No Brasil, essa reprodução é atravessada por um marcador incontornável: a raça. Os estudantes negros, que são 56% da educação básica (Inep/2022), apresentam níveis de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática até 30 pontos mais baixos do que os colegas brancos (Saeb/2021). Entre os 25% mais pobres, sete em cada dez são negros — e justamente eles são os que mais evadem e menos concluem o ensino médio. Como denunciaria Lélia Gonzalez, não se trata apenas de desigualdade social, mas de uma estrutura que naturaliza a subalternização do negro e transforma a escola em um espaço de “amefricanidade negada”, onde a cultura e o saber da população negra são sistematicamente invisibilizados, mesmo tendo o Brasil aprovado a Lei 10.639 e 11.645 que torna facultativo o ensino de cultura afrobrasileira e afro-indígena nas escolas públicas. 

Essas estatísticas são a prova de que a escola brasileira, ao invés de ser um espaço de emancipação, tem funcionado como um dispositivo de perpetuação do racismo estrutural e manutenção do status quo. Fanon já advertia que a alienação colonial se reinventa em instituições modernas, e Florestan Fernandes apontou como o racismo “à brasileira” se oculta sob a capa da democracia racial, mas opera de forma brutal nos mecanismos sociais. Não é coincidência que 97% dos municípios tenham declarado adesão à Política Nacional de Educação Escolar Quilombola [PNEERQ], mas que o índice de institucionalização seja de apenas 47,7/100. Como diria Sueli Carneiro, estamos diante de um “racismo institucional”, que convive bem com discursos de igualdade, mas resiste em transformar estruturas.

Diante desse quadro, o Instituto GUETTO atua em duas frentes estruturantes. O Mapa Preto da Educação é uma ferramenta inédita que cruza dados de aprendizagem, evasão, clima escolar e casos de racismo, evidenciando de maneira incontornável o que antes ficava dissolvido em médias nacionais que mascaram desigualdades raciais. Essa produção de evidências dialoga com a crítica de Sueli Carneiro sobre o “apagamento estatístico” da população negra, que opera como uma violência simbólica: se não há números, não há problema; se não há problema, não há política. O Mapa Preto, ao contrário, nomeia, quantifica e denuncia — transformando o silêncio em prova.

Ao lado dele, o Quilombo Educacional se constitui como espaço de formação e apoio a gestores e lideranças negras em secretarias de educação. Aqui, não se trata apenas de transmitir técnicas de gestão, mas de afirmar um protagonismo político e epistêmico: ocupar a gestão educacional é também disputar a produção de sentido sobre o que é qualidade, equidade e justiça. Nesse ponto, a inspiração é tanto Fanon, que reivindica a ruptura com os dispositivos coloniais, quanto Lélia Gonzalez, que insistia na necessidade de uma pedagogia que levasse em conta a “amefricanidade” como fundamento de um projeto educacional descolonizado.

Mais do que programas, essas duas iniciativas representam uma prática contra-hegemônica. Como nos lembra bell hooks, não basta garantir acesso formal; é preciso reinventar a sala de aula como “um ato de liberdade”. Da mesma forma, não basta dizer que a educação é “para todos” — é necessário condicionar recursos, metas e indicadores à redução das desigualdades raciais, como prevê a Condicionalidade III do Valor Aluno Ano Resultado [VAAR/Fundeb]. O Instituto GUETTO, ao produzir dados e formar gestores, propõe que a luta antirracista não se limite ao discurso, mas se traduza em políticas concretas que desestabilizem o ciclo histórico de exclusão. 

Portanto, defender educação de qualidade para a população negra não é filantropia pedagógica, é reparação histórica. É colocar em prática o que Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e tantas outras nos ensinaram: sem justiça racial não há democracia. Fanon já dizia que cada geração deve descobrir sua missão; a nossa é romper o ciclo em que o Brasil se afirma como potência econômica, mas insiste em ser periferia educativa e, pior, periferia moral quando se trata de seu povo negro.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São Paulo: Ática, 1978.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afrolatino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

GUERREIRO RAMOS, Alberto. A redução sociológica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.

MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

INEP. Censo Escolar da Educação Básica 2022: resumo técnico. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2023.

INEP. Relatório SAEB 2021: resultados nacionais. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2022.

OECD. PISA 2022 Results. Paris: Organisation for Economic Co-operation and Development, 2023.

AUSTIN RATING. Ranking do PIB mundial 2025. São Paulo: Austin Rating, 2025.

FORBES BRASIL. Brasil retorna ao grupo das dez maiores economias do mundo. São Paulo: Forbes Brasil, 2024.

*Vitor Del Rey é bacharel em Ciências Sociais pelo CPDOC/FGV e mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV. Alumni do MIT, MBA em Finanças de Impacto pela Universidad Torcuato Di Tella, Argentina, Alumni do PDC, na Fundação Dom Cabral, e Alumni em ESG na Saint Paul. É Professor Convidado na Fundação Dom Cabral, Presidente do Instituto GUETTO e Fundador da Escola da Ponte para Pretxs. Ele cursou o ensino fundamental e médio em escolas públicas e, desde 2019, tem como missão capacitar pessoas pretas e pardas para o mercado de trabalho. Seu compromisso com a igualdade e a inclusão é uma parte fundamental de sua trajetória.

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