Enquanto Singapura investe em requalificar seus profissionais mais velhos, o Brasil ainda precisa decidir o que fazer com seu envelhecimento acelerado

*Paulo Almeida
A Inteligência Artificial (IA) está redefinindo o campo da gestão de pessoas, provocando uma verdadeira revolução silenciosa nas práticas de Recursos Humanos. Mas como é que a IA vai reposicionar a gestão de gente?
O que antes era uma área predominantemente operacional, focada em rotinas administrativas e controle, agora se torna o epicentro estratégico das decisões corporativas. A IA está permitindo que as organizações passem de uma lógica reativa para uma lógica preditiva, baseada em dados, empatia e propósito — uma mudança que está reconfigurando a cultura, a liderança e a performance nas empresas.
A IA aplicada ao RH já está presente em diversas etapas do ciclo de vida do colaborador. Vejamos algumas.
No recrutamento e seleção, algoritmos são capazes de processar milhares de currículos em segundos, identificando padrões de competências e experiências que se alinham com as exigências da vaga. No onboarding e no desenvolvimento de talentos, a IA atua personalizando jornadas de aprendizado e integração. Sistemas adaptativos conseguem identificar o ritmo e o estilo de aprendizado de cada colaborador e ajustar automaticamente o conteúdo, o formato e a sequência dos treinamentos. De acordo com um estudo publicado no arXiv (Artificial Intelligence in Human Resource Development: Empirical Findings, 2023), empresas que adotaram programas de capacitação assistidos por IA registraram um aumento de 15% na produtividade e 18% no engajamento médio de novos colaboradores.
Outra aplicação transformadora está na análise de engajamento e clima organizacional. Ferramentas de sentiment analysis aplicam técnicas de processamento de linguagem natural (NLP) a e-mails, mensagens internas e avaliações de desempenho, detectando mudanças sutis de humor e clima. Relatórios do AI Multiple (HR Analytics Tools: Benefits and Applications, 2024) mostram que empresas que utilizam análises de sentimentos e people analytics reduziram o turnover em até 25%, além de conseguir prever com maior precisão quem está em risco de desligamento.
Esses sistemas alimentam uma nova geração de dashboards inteligentes que integram dados de performance, saúde mental, diversidade e remuneração. Isso permite decisões mais equilibradas e baseadas em evidências. Em termos de resultados, estudos internacionais do MIT Sloan Management Review (2024) mostram que empresas com uso avançado de IA no RH têm 2,6 vezes mais chances de alcançar níveis elevados de engajamento, e 3,1 vezes mais probabilidade de superar concorrentes em inovação. Esses dados reforçam que a IA, quando bem implementada, não desumaniza — pelo contrário, libera o tempo e o foco dos gestores para o que há de mais humano: o relacionamento e o desenvolvimento das pessoas.
A IA aplicada à gestão de pessoas não é uma ameaça, mas uma amplificação das capacidades humanas.
Ela nos convida a construir organizações mais conscientes, criativas e empáticas. O diferencial competitivo das empresas do futuro não estará apenas nos algoritmos que usam, mas na sabedoria com que unem dados e propósito.
Mas a adoção da IA em RH não pode ocorrer sem uma governança sólida. Até porque existem riscos. O primeiro risco é o viés algorítmico. Se os dados usados para treinar modelos refletem desigualdades históricas, a IA tende a reproduzi-las, discriminando grupos minoritários. O segundo é a privacidade de dados, especialmente após a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O terceiro é a transparência das decisões automatizadas, essencial para manter a confiança dos colaboradores. E o quarto é a alfabetização digital da liderança — preparar gestores para entender, questionar e supervisionar o uso ético da IA.
Segundo a ABRH Brasil (em Estudo de 2024), cerca de 37% das grandes empresas e 22% das pequenas e médias no país já utilizam algum tipo de ferramenta de IA em seus processos de gestão de pessoas. Essa transformação é impulsionada por três fatores principais: a busca por eficiência, a necessidade de prever comportamentos humanos e a pressão por decisões mais éticas e transparentes. O relatório “Gestão de Pessoas e IA: Riscos e Oportunidades” do Valor Econômico (2025) reforça que a integração da IA ao RH é hoje simultaneamente um dos maiores riscos e uma das maiores oportunidades estratégicas das organizações. Risco, se for feita sem governança; oportunidade, se for conduzida com responsabilidade e visão.
O futuro da gestão de pessoas será moldado por uma nova lógica: a da inteligência híbrida e ampliada — a combinação de tecnologia avançada e sensibilidade humana. A IA generativa, por exemplo, já começa a ser usada para criar roteiros de conversas de feedback, conteúdos de aprendizagem adaptativos e simulações de cenários de liderança.
Nestes cenários, em vez de reações tardias a crises de engajamento, o RH passa a agir proativamente, antecipando problemas e redesenhando políticas internas com base em dados reais. No horizonte de 2030, o RH não será apenas o guardião da cultura, mas o principal designer de experiências humanas assistidas por tecnologia.
E é assim que a IA vai reposicionar a gestão de gente!
*Paulo Almeida é professor da Fundação Dom Cabral, onde atua nas áreas de Liderança e Gestão de Pessoas, com destaque para o desenvolvimento de lideranças adaptativas em contextos complexos, ambíguos e de transformação organizacional acelerada. Diretor do Núcleo de Pesquisa em Liderança da FDC, é referência em temas como liderança adaptativa, pipeline de liderança, cultura organizacional, carreiras, inteligência artificial aplicada à gestão, e mudança organizacional em escala.
Possui pós-graduação em Administração pela Nova School of Business and Economics, e é Doutor em Sociologia com ênfase em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas pelo Instituto Universitário de Lisboa (IUL). Em sua trajetória de formação complementar, destaca-se o programa Exercising Leadership: Foundational Principles, da Harvard University, que reforça sua atuação crítica e transformadora na formação de líderes para desafios contemporâneos. Sua carreira é marcada por uma robusta experiência nacional e internacional. É autor e coautor de mais de 250 publicações, incluindo livros, artigos e trabalhos técnicos e científicos lançados no Brasil, Portugal e nos Estados Unidos. Figura no ranking dos 10 autores mais citados em Administração no Google Acadêmico na América Latina, consolidando-se como uma das principais vozes no campo da liderança e gestão de pessoas na região.
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