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Comece algo que valha a pena

Karina Coleta, professora associada da Fundação Dom Cabral, discorre sobre como os designers têm um papel estratégico na geração do impacto socioambiental positivo

Convidado Fundação Dom Cabral
13 de agosto de 2024
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Por: Karina Coleta*

O ano era 2010 e eu assistia emocionada à entrevista de Blake Mycoskie no Global Leadership Summit. Ele tinha fundado a empresa TOMS SHOES em 2006 que disseminou um tipo de modelo de negócio que ficou conhecido como B1G1 (buy one give one). A ideia era que a cada par de sapatos vendidos pela empresa outro par fosse doado para pessoas vulneráveis.

“Comece algo que valha a pena”, ele dizia, mostrando que se as pessoas e as empresas conseguissem fazer com que o impacto positivo desse um passo a mais, seríamos capazes de ir mais longe. Capazes de percorrer o longo caminho que distancia o status quo do vir a ser. Pensar em soluções para os problemas socioambientais é tentar fechar a lacuna entre como o mundo está e como ele deveria estar. “É isto que significa progresso!”, já me provocava o professor de estratégia Subramanian Rangan (INSEAD-FDC) ao mostrar que os negócios precisam integrá-lo à performance.

Pensar em soluções para os problemas socioambientais é tentar fechar a lacuna entre como o mundo está e como ele deveria estar

No entanto, a história da TOMS mostrou que o design para o progresso não pode ter um escopo só. A escolha de seu posicionamento trouxe consigo o questionamento de que o negócio lidava apenas com os sintomas de um problema maior sem abordar suas causas estruturais.

Isto levou a empresa a estudar os reais impactos de seu trabalho e ajustar o modelo de negócio. A empresa transferiu um terço da manufatura de seus produtos para as regiões assistidas para promover o desenvolvimento econômico local. Além disto, havia regiões em que a falta de sapatos era o menor dos problemas da comunidade. Assim, a TOMS decidiu reforçar o pacote de doação, incluindo serviços de saúde e treinamento de profissionais locais. Recentemente a empresa interrompeu o modelo de doação de produtos atrelado às vendas, ajustando-o para a doação de 1/3 dos lucros para causas ligadas ao desenvolvimento sustentável.

Em 2019, um artigo publicado no congresso da Academy for Design Innovation Management me trouxe novo insight sobre esta história. O design para o impacto positivo tem um papel estratégico que se estende de produtos a ecossistemas. Sim, pois os problemas são multifacetados e os stakeholders, diversos. Se vamos começar algo que vale a pena, comecemos pelo design. Para lidar com a complexidade da busca de respostas, a aplicação do processo de design ganhou destaque nas organizações. Começando pelo entendimento do problema, passando pela geração de ideias até a criação e experimentação de protótipos para refinar a solução. Quais são as possibilidades de escopo do design?

Design de produtos – aqui se concentram preocupações com o ciclo de vida sustentável e com produtos que criem valor comercial e, ao mesmo tempo, gerem impactos positivos. Um exemplo classicamente mencionado no Brasil é a Natura que, além de pensar no impacto pós-consumo, inclui ações em favor das comunidades e de seu entorno. É aqui que o designer ajuda a organização a pensar além da forma e função de seus produtos. 

Design de serviços – esta é uma combinação que incorpora a dimensão da responsabilidade para além da produção e entrega. Que outras possibilidades existem em termos de descarte, manutenção e compartilhamento? Os serviços de compartilhamento de bicicleta para facilitar a mobilidade nos centros urbanos ilustram como é possível pensar em outros níveis do job-to-be-done de pessoas e organizações.

Design de modelos de negócios – assim como na história da TOMS, que fomentou o modelo B1G1, o impacto positivo pode se beneficiar da forma como a criação de valor de uma empresa é configurada para propor, entregar, capturar e distribuir valor. A Patagonia ilustra este tipo de desenho ao promover a reciclagem e reparação de roupas, inserindo na arquitetura de seu modelo o programa Worn Wear.

Design de ecossistemas – impacto positivo não é trabalho de uma andorinha só, a consciência do quanto estamos entrelaçados tornou necessária uma mentalidade colaborativa entre as organizações. A criação do Porto Digital em Recife exemplifica esta abordagem. O que hoje é um dos principais parques tecnológicos do Brasil, articulou parcerias estratégicas entre empresas, universidades e setor público para revitalizar um bairro histórico em decadência, além de formar e reter profissionais de tecnologia qualificados na cidade.

Ao pensar em começar algo que valha a pena, reflita sobre estas possibilidades de alcance. Da criação de produtos individuais à modelagem de ecossistemas inteiros, elas são um convite para que os gestores abracem o processo de design como meio de transformação, conciliação de interesse e colaboração para o impacto.


Karina Coleta* é professora associada da Fundação Dom Cabral na área de Estratégia. É doutora em Administração com ênfase em Estratégia e Modelos de Negócio pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia, especialista em Estudos da Tradução pela Universidade Gama Filho e graduada em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atua como pesquisadora no Centro de Referência em Estratégia da Fundação Dom Cabral. Atuou como tradutora literária e científica por 16 anos nas áreas de Administração, Filosofia e Teologia. Tem experiência na área de pesquisa e publicação científica de Administração desde 2002 quando atuou no Núcleo de Pesquisa em Marketing e Estratégia do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais. É revisora e tem publicações (artigos, pesquisas e casos de ensino) em diversas revistas e encontros acadêmicos de Administração, nacionais e internacionais, na área de Estratégia.