Não basta parecer sustentável. É preciso criar ambientes que respeitem tempo, corpo e cidade — valores que a nova geração já considera inegociáveis
O centro de distribuição da Cogna em São José dos Campos é um dos corações logísticos da companhia: é dali que saem os livros e materiais didáticos que chegam a escolas de todo o País. Com um time numeroso e sazonal – reforçado no fim do ano para atender à alta demanda –, o local enfrentava um desafio comum a muitas operações intensivas: altas taxas de absenteísmo e custos crescentes com saúde ocupacional.
Foi nesse contexto que a empresa decidiu testar uma nova solução: as cabines de telemedicina da healthtech h.ai, estruturas compactas capazes de oferecer consultas e até 15 tipos de exames sem que o colaborador precise deixar o local de trabalho. Três anos depois, o resultado é expressivo: redução de 33% no absenteísmo, queda de 50% na sinistralidade e mais de 1,8 mil atendimentos realizados – além de apoiar a população de colaboradores temporários, que muitas vezes chega ao trabalho em situação de vulnerabilidade.
Para o médico André Di Guimarães, coordenador corporativo de saúde ocupacional da Cogna, o formato alia eficiência e cuidado. “A cabine se encaixa muito bem em situações em que há uma quantidade menor de pessoas, na qual é inviável financeiramente ter médicos para cobrir os três turnos”, diz.
Só a quantidade de pessoas que tivemos de contratar a menos com a queda do absenteísmo já justificou o investimento.
Na entrevista a seguir, Guimarães e a fundadora da h.ai, Loraine Burgard, explicam como a solução funciona e os impactos que ela trouxe para o dia a dia da Cogna em São José dos Campos. Os executivos também falam sobre a importância da telemedicina mesmo após a pandemia e dão conselhos ao RH que esteja preocupado com os custos de saúde. “Muita gente acredita que um projeto de saúde só pode dar retorno no longo prazo. Não é verdade: com base nos indicadores, em absenteísmo e em economia, dá para ter noção disso muito antes. O segredo é implementar, medir, ver se faz sentido e seguir em frente”, diz o coordenador da Cogna.
Loraine Burgard: Sou publicitária e entrei na área da saúde dentro da United Health, que era responsável pela Amil aqui no Brasil. Ao longo daquele período, eu e meus sócios entendemos que era preciso trazer novos modelos de negócios e formas para atender as pessoas, descentralizando o acesso à saúde. Ao mesmo tempo, pensamos em uma forma de ajudar as empresas a aumentar sua eficiência operacional. A hAI é inspirada no conceito das cabines de telemedicina que são muito comuns na China. Elas ficam dentro das empresas e ajudam a população das empresas a ser mais saudável, ajudando a diminuir questões como absenteísmo e sinistralidade, além de trazer um uso coordenado do plano de saúde. Hoje, com as cabines, podemos fazer não só consultas via telemedicina, como também uma série de exames – frequência cardíaca, pressão, saturação respiratória, glicemia, bioimpedância – sem que o colaborador precise sair da empresa, apenas com o apoio de uma técnica de enfermagem. Se o colaborador estiver passando mal, a cabine também pode virar um pronto atendimento digital, falando tanto com médicos nossos quanto da rede de especialistas contratada pela empresa.
André Di Guimarães: Nós implementamos as cabines em um centro de distribuição que temos em São José dos Campos, no interior paulista. É o centro responsável por boa parte do material didático que distribuímos para o Brasil todo. É um lugar muito importante para nós, especialmente no final do ano, quando vivemos uma correria para a entrega dos livros didáticos do ano letivo seguinte. Até por conta dessa sazonalidade, temos uma população variável, com colaboradores temporários no final do ano – grupo que normalmente é mais vulnerável, seja do ponto de vista da saúde física ou da saúde mental. E esse centro fica distante do centro da cidade, mas ao mesmo tempo, pela população flutuante, é um local que não justificava a contratação de um médico em tempo integral, do ponto de vista da eficiência de custo. Além disso, havia uma questão de absenteísmo bem presente no centro de distribuição.
André Di Guimarães: Nós temos uma estratégia ampla. Nos nossos principais escritórios, temos ambulatórios de atenção primária e saúde, que chamamos de Espaço Saúde. Nesses espaços, presentes em São Paulo e Valinhos, temos médicos da família atendendo a nossa população. Ao mesmo tempo, temos uma parceria com o Fleury para esses espaços de saúde – e quando começamos a implementar as cabines, decidimos que colocaríamos os médicos do Fleury à disposição das pessoas via telemedicina. É algo que mostra uma grande capacidade de adaptação da hAI: eles oferecem médicos para nós, mas também conectam a solução com outros médicos e parceiros que nós tivermos.
Quanto ao orçamento, nós trabalhamos de uma forma diferente aqui: eu não tenho limite de budget para saúde, mas preciso reportar diretamente para a vice-presidência de finanças que aquele conceito está funcionando. Para nós, a implementação da cabine faz sentido após entendermos a economia que geramos com a redução de 33% no absenteísmo, além da queda de 50% na sinistralidade. Só a quantidade de pessoas que tivemos de contratar a menos com a queda do absenteísmo já justificou o investimento. Conseguimos provar que é uma solução autossustentável do ponto de vista financeiro, além de trazer um benefício para a população – e com muito potencial ainda a ser explorado.
André Di Guimarães: Nesses três anos, fizemos 1,8 mil atendimentos médicos pela cabine. Ela se encaixa muito bem em situações em que há uma quantidade menor de pessoas, na qual é inviável financeiramente ter médicos para cobrir os três turnos. Afinal de contas, um ambulatório não contém apenas um médico, mas uma infraestrutura de enfermagem, a contratação de técnicos de enfermagem, talvez até de profissionais administrativos. Além disso, a cabine economiza muito em espaço para as empresas – especialmente em ambientes como indústrias e centros de distribuição. Além disso, temos a possibilidade de atendimento de especialistas. Quem pede um exame para o nosso colaborador não é um clínico recém-formado: são os especialistas da rede do Fleury.
André Di Guimarães: Acredito que são situações muito parecidas ao que um ambulatório não deveria entregar com um médico presencial. Situações de urgência ou emergência, por exemplo, não deveriam ser atendidas num ambulatório comum – embora haja empresas que têm até salas preparadas para cirurgias. Nossa visão sempre foi atender 80% das necessidades dos colaboradores, que podem ser bem atendidas. Não queremos ser um hospital, sabe? A cabine não é para fazer medicação endovenosa, intramuscular, assim como um ambulatório não deve ser.
Mas a cabine pode ajudar o colaborador que jogou futebol no final de semana e está com dor, ou com dor de cabeça, ou em missões de saúde ocupacional. E vale dizer que adotar a cabine não significa deixar de ter médicos presenciais: é factível levar um médico mensalmente, quinzenalmente, para prestar um apoio próximo às pessoas. E a cabine serve como espaço de apoio, com muita mobilidade.
André Di Guimarães: Hoje, muitas empresas têm planos de saúde – e as operadoras de saúde nos fornecem dados fechados, sem abertura. Os valores de uso chegam três meses após a utilização. É como um cheque em branco que a operadora usa e só depois entrega a conta. Muitas operadoras buscam fazer campanhas de conscientização, falam do outubro rosa, mas nem sempre isso é eficaz.
O corpo-a-corpo da cabine é muito mais eficiente, além de ser mais prático. O colaborador não vai precisar sair da fábrica e pedir um dia livre para fazer um exame. Além disso, melhora a qualidade da saúde: em vez de cogitar pedir um exame, ele pode se deslocar até a cabine, falar com o médico e já sair com a indicação correta. Temos ainda uma economia porque o colaborador deixa de usar a operadora e passa a usar esse serviço, que é mais eficiente do ponto de vista do custo. Outra economia acontece justamente na hora-homem trabalhada, no fato de que o colaborador não se afasta do trabalho para ter acesso à saúde.
Loraine Burgard: Sim. E esse argumento é especialmente aderente com as gerações mais novas – que preferem algo prático, de chegar na cabine, falar com o médico e já fazer o exame. É muito mais fácil do que ir numa consulta, pegar a guia de exame, fazer o exame e depois voltar ao médico de novo. É claro que essa praticidade não agrada só aos mais novos, mas é algo que beneficia muito.
Em alguns casos, resolvemos um problema em até 15 minutos, ajudando um sistema a funcionar melhor. Além disso, essa questão da pandemia é algo que podemos nos adaptar. Como o André comentou, nós funcionamos como um Lego da saúde: se a empresa tiver um parceiro de telemedicina, ela pode usar só a cabine. Se não, usa a nossa rede de médicos. Se quiser só usar a nossa ferramenta de agendamento, também funciona. A ideia é pôr ou tirar as peças como um ecossistema.
O segredo é implementar, medir, ver se faz sentido e seguir em frente.
André Di Guimarães: O melhor conselho que eu tenho a dar é fazer pilotos e entender a realidade da sua empresa. Uma cabine não vai funcionar onde já existe um ambulatório médico, porque os dois “brigam” pelo mesmo público. A parte boa é que a cabine pode ser um piloto rápido, de alguns meses – até para entender se vale disponibilizar um recurso maior. Outro conselho que eu dou é que tem muita gente que acredita que um projeto de saúde só pode dar retorno no longo prazo. Não é verdade: com base nos indicadores, em absenteísmo e em economia, dá para ter noção disso muito antes. O segredo é implementar, medir, ver se faz sentido e seguir em frente.
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