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Personalização, incentivos e uso de dados devem marcar estratégias de remuneração e benefícios

Debates no SOMA, evento realizado em conjunto por Caju, Comp e Pipo Saúde, destacaram importância de alinhamento estratégico ao pensar ações e processos da área de compensation

Bruno Capelas
29 de julho de 2025
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Foi-se o tempo em que o RH podia ficar no seu canto, mexendo em arquivos e tocando processos diariamente. Desde a pandemia, tem ficado cada vez mais evidente que a área de Pessoas precisa assumir o protagonismo. Com o setor de remuneração e benefícios não é diferente, ainda mais em um mundo marcado pela aceleração tecnológica, pela urgência da diversidade e por profundas transformações na forma de se trabalhar. 

Essa foi a principal conclusão da 2ª edição do SOMA – Encontro de Remuneração e Benefícios, realizado de maneira conjunta por Caju, Comp e Pipo Saúde no último dia 8 de julho, em São Paulo. Reunindo líderes de empresas como Bradesco, OLX, Nubank, Bayer e QuintoAndar, o evento trouxe três painéis de focos distintos: inovação nos pacotes de recompensa, employer branding e uso de remuneração e benefícios como alavancas de cultura e crescimento. 

Apesar disso, as conversas – moderadas pelo jornalista Bruno Capelas – convergiram para pontos essenciais: a flexibilidade como imperativo estratégico, a intencionalidade como critério de decisão e o uso de dados como ferramenta de influência e eficiência. Com exemplos práticos, aprendizados sinceros e uma boa dose de provocação, os painéis evidenciaram que não basta tecnologia para inovar no RH. “É preciso coragem”, ressaltou Cátia Senssulini Alonso, diretora de transformação de RH do Grupo OLX

Entre o risco e a governança

Cátia fez parte do primeiro painel do dia, que contou ainda com Guilherme Tomazin, diretor de Total Rewards, People Analytics e Sistemas da Neon, e Filipe Ducas, co-fundador e executivo de compensation da Comp. Partindo de um viés mais mão na massa, a conversa foi direto ao ponto: em um cenário com diversas restrições legais, orçamentárias e culturais, o que significa inovar em Total Rewards? 

Da esquerda para a direita: Guilherme Tomazin, Cátia Senssulini Alonso e Filipe Ducas.

Para os convidados, a resposta não está apenas na adoção de tecnologias como inteligência artificial, mas na capacidade de personalizar benefícios e recompensas em perder escala ou equidade. Tomazin destacou que o conceito de inovação é, antes de tudo, relativo ao contexto de cada empresa: “Não adianta tentar copiar modelos de big techs em startups early stage, porque as realidades são diferentes”, disse. Já Ducas complementou, lembrando que “inovação também é tirar fricção de um processo, fazer melhor alguma coisa que já existe ou quebrar barreiras dos processos existentes.” 

Para o executivo da Comp, não é possível inovar sem desafiar as zonas de conforto – inclusive as jurídicas. “Tudo tem risco. A pergunta certa é: qual risco eu posso aceitar? E como mitigar isso com governança e intencionalidade?”, ressaltou Ducas – que também é colunista de Cajuína. Cátia, por sua vez, reforçou a importância de ouvir ativamente os colaboradores e aplicar dados para entender o que realmente tem valor para diferentes perfis. 

Essa escuta ativa, inclusive, pode se transformar em modelos flexíveis de remuneração e benefícios. Entre as práticas discutidas no painel, destacaram-se os cartões de benefícios adaptáveis ou até mesmo os sistemas de pontos utilizados por várias organizações – aqui, a ideia é que, dependendo do cargo, cada colaborador tenha pontos para utilizar nos programas que considera mais valiosos, como um upgrade no plano de saúde ou no vale-refeição, por exemplo. 

Mesmo com o avanço da tecnologia, a organização desses sistemas impõe desafios – como a necessidade de isonomia e cumprimento da CLT. “Flexibilização não é desorganização”, alertou Tomazin, que convidou os profissionais presentes a utilizarem o modelo de testes dentro de suas organizações. “É preciso desafiar o status quo. Testar uma hipótese e trazer resultados pode ajudar a empresa a entender que um risco pode valer a pena. Sem risco, todo mundo ainda estaria usando só táxis hoje em dia”, ressaltou. 

Outro tema discutido foi a ligação da área de Remuneração com a de People Analytics, em uma transformação que já acontece em muitas empresas. “São áreas que precisam estar coladas”, destacou o executivo da Neon. Ao final, já dando um spoiler do que viria a seguir, os participantes destacaram a importância da valorização do Employee Value Proposition (EVP) como norteador da política de recompensas. “Tudo o que uma empresa faz comunica algo para o colaborador: bônus, benefícios, ciclos salariais. Se a proposta de valor da sua empresa é flexibilidade, isso precisa aparecer no pacote de benefícios, nos rituais e na forma de trabalhar”, destacou Cátia, da OLX.

Tangível e não tangível

Com um olhar mais estratégico e de longo prazo, o segundo painel reuniu Débora Gouveia Abi-Saber (VP de Pessoas do QuintoAndar), Priscila Mendes (diretora de Total Rewards para América Latina da Bayer) e Manoela Mitchell (CEO e co-fundadora da Pipo Saúde). Juntas, as três profissionais discutiram como remuneração e benefícios deixaram de ser apenas uma obrigação legal e assumiram seu lugar como ferramentas de cultura e crescimento. Na introdução, o moderador Bruno Capelas já deu o tom da discussão: “não existe certo e errado aqui, mas sim estratégias que vão trazer resultados diferentes”, afirmou. 

Da esquerda para a direita: Priscila Mendes, Débora Gouveia Abi-Saber e Manoela Mitchell.

Para abrir o painel, Manoela se conectou com a fala de Cátia e destacou como os benefícios ajudam a tangibilizar valores culturais de uma empresa – uma visão ainda pouco adotada no Brasil, segundo ela. “Benefícios são uma forma inteligente, e às vezes, mais eficiente, de remunerar as pessoas, dentro do grande bolo de total compensation”, destacou a CEO da Pipo Saúde. 

Formada em Psicologia, Priscila relembrou um velho ensinamento da área – a pirâmide de Maslow – para ilustrar a evolução das expectativas dos colaboradores:

Não adianta falar de propósito se o básico não está resolvido. Mas uma vez que o básico está lá, o colaborador quer mais: reconhecimento, autonomia, pertencimento.

Para Déborah, essa ainda é uma visão em processo de amadurecimento em muitas empresas – incluindo o próprio QuintoAndar. “Nós temos um projeto dentro de casa que chama Creme Brulée, que é onde queremos chegar, mas não dá para fazer creme brulée antes de fazer o arroz com feijão bem feito”, brincou. Ela também alertou para os riscos de um uso superficial do termo “alta performance”, que pode reforçar desigualdades. “Alta performance precisa vir junto com sustentabilidade, diversidade e uma visão de longo prazo.”

As três palestrantes também ressaltaram a complexidade dos modelos de remuneração variável. Seja um bônus trimestral, metas corporativas ou stock options, todos têm desafios de comunicação e percepção. “Não adianta colocar stock option pra todo mundo se ninguém entende o valor real. A comunicação é parte essencial da equação”, afirmou Manoela. 

A CEO da Pipo também falou sobre a dificuldade de fazer com que os colaboradores percebam o valor real das opções em um cenário de mercado como o atual, onde há poucas “janelas de liquidez”.  Ex-Nubank, empresa na qual teve a oportunidade de vivenciar um raro caso de distribuição de stock options que se transformou em realidade, Deborah ressaltou que a falta de sistemas de gestão para tangibilizar essa oportunidade aos colaboradores é outro entrave. 

Ao final do painel, as executivas ainda deram conselhos aos presentes e discutiram um pouco da terminologia da área. “O nome ‘benefício’ traz uma noção um pouco equivocada de que só tem coisa boa relacionada a ele. Na verdade, todo benefício traz trade-offs”, fez questão de lembrar a VP do QuintoAndar. Já Priscila fez um convite para a inovação, em uma clara ligação com o primeiro painel. “Por conta da tecnologia, estamos com a faca e o queijo na mão para fazer coisas que sempre quisemos fazer. Tenho 25 anos de experiência em remuneração e sempre sonhei com benefícios flexíveis. Há 10 anos, era um pesadelo implementar, mas agora pode ser possível”, comentou a diretora da Bayer.  

Entre a promessa e a realidade

Depois de um breve coffee break, o terceiro painel do dia teve como foco as pautas de marca empregadora e employee value proposition (EVP). Juntas, Daniela Pereira (superintendente sênior de RH do Bradesco), Suzana Kubric (CHRO do Nubank) e Dalal Ghosn (head de Gente e Gestão da Caju) defenderam que o employer branding precisa ser construído de dentro para fora, com base em valores vividos na prática e sustentados por dados e rituais consistentes.

Da esquerda para a direita: Suzana Kubric, Daniela Pereira e Dalal Ghosn.

Fundado há mais de 80 anos, o Bradesco esteve durante muito tempo associado à estabilidade e ao desenvolvimento interno de carreira. Mas, nos últimos anos, a empresa tem buscado passar por uma jornada de “evolução cultural”. “Queremos mostrar que estamos abertos ao novo, sem deixar de honrar o que nos trouxe até aqui. Mas não dá pra prometer o que ainda não conseguimos entregar”, pontuou Daniela, em referência à necessidade de congruência entre discurso e prática.

Suzana, por sua vez, compartilhou um case do Nubank, que precisou fortalecer sua marca empregadora em países como México, onde ainda não era uma empresa conhecida. A solução? Pesquisas com funcionários, candidatos e lideranças, para identificar a interseção de percepções. “Descobrimos cinco pilares que eram valorizados por todos. A partir deles, redesenhamos toda a jornada do candidato e do colaborador, antes mesmo de lançar qualquer campanha externa”, disse a executiva, cuja estratégia de employer branding também passa por contribuições dos próprios colaboradores em diferentes redes sociais. 

Dalal compartilhou o momento da Caju, que vive um crescimento acelerado e está estruturando seu EVP a partir da escuta ativa e dos dados. “Olhamos o que as pessoas dizem nos processos seletivos, o que elas valorizam internamente e por que eventualmente decidem sair. Se a expectativa não bate com a realidade, é um bom sinal de que o EVP falhou”, destacou a executiva. 

Outra discussão relevante que aconteceu no painel foi sobre o chamado “give and get” – isto é, a relação entre o que a empresa oferece para um candidato e o que ele recebe dela. “Quando essa discussão vira uma relação financeira, fica chato. Passamos muito tempo nas nossas vidas dentro do trabalho, então é preciso ter um propósito”, ressaltou Suzana, do Nubank. “No nosso caso, pagar acima do mercado também significa pedir que as pessoas se dediquem acima do mercado. Oferecer flexibilidade também significa esperar que as pessoas estarão a postos para resolver um problema”, exemplificou a CHRO. 

Ao final do evento, a executiva do Nubank refletiu ainda sobre como a discussão de marca empregadora pode ser impactada pelo avanço rápido da tecnologia. “Daqui a dois anos, talvez a gente esteja fazendo employer branding propositivo não só para os gestores de agentes de IA, mas para os próprios agentes. É uma janela muito grande para transformação”, comentou. 

Em meio a tanta mudança e tecnologia, porém, Suzana Kubric ressaltou a importância do pensamento humano, em uma fala que ajuda a sintetizar o caminho a seguir depois dos três painéis do SOMA. “É muito importante abrir a mente e entender o que está ao redor do que nós cuidamos”, disse. Afinal, “estamos aqui para ter cada vez mais talentos amplificados pela cultura e reduzir a complexidade do que fazemos com RH, para que cada um de nós tenha o melhor trabalho de suas vidas.”

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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