Debates no SOMA, evento realizado em conjunto por Caju, Comp e Pipo Saúde, destacaram importância de alinhamento estratégico ao pensar ações e processos da área de compensation

Quando se formou em engenharia, Carlos Augusto Junior, atualmente vice-presidente de RH e comunicação corporativa da Atlas Schindler, não imaginava que sua trajetória profissional o levaria para bem longe dos cálculos e das pranchetas. Mas foi justamente ao se aproximar das pessoas – e não das máquinas – que encontrou seu propósito. Com quase três décadas na empresa, teve a oportunidade de participar de práticas inovadoras, como treinamentos gamificados, já em 1996, e programas de desenvolvimento de lideranças, enquanto pavimentou um caminho robusto para a diversidade, equidade e inclusão (DEI). Hoje, 24% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, e políticas exemplares de combate à discriminação reforçam a reputação da companhia.
No bate-papo a seguir, o executivo reflete sobre a evolução do RH, os desafios de equilibrar tradição e inovação (incluindo o impacto da IA) e como a Schindler se tornou referência em criar carreiras longevas e ambientes em que as diferenças são celebradas.
Vamos perceber que há, sim, espaço para a intimidade, para a presença física, para o diálogo direto com as pessoas e para discussões baseadas em dados.
A escolha pela engenharia foi influenciada por fatores externos, como a família. Já o RH se conectou diretamente com meu propósito. Ao ingressar no mercado de trabalho, percebi que minha vocação estava muito mais relacionada à área de humanas – com foco em pessoas e comunicação – do que à técnica. A ideia de atuar como engenheiro, distante da gestão, foi aos poucos dando espaço a outros interesses. O contexto foi outro fator que contribuiu para essa mudança. Na Schindler, comecei na área de qualidade e, em determinado momento, meu gestor passou a liderar também o RH. Foi quando migrei para a área de desenvolvimento de pessoas, inicialmente com foco técnico, voltado ao produto e à engenharia. E me apaixonei.
Antes de atuar diretamente no RH, no entanto, tive experiências fundamentais para amadurecer minha visão sobre estratégia e gestão de pessoas. Trabalhei por quatro anos no corporativo da companhia na Suíça – período que costumo chamar de meu “sabático” de RH. Depois passei pela área de negócios, retornei à engenharia e atuei em operações, na linha de frente. Essas vivências ampliaram meu olhar e me ajudaram a consolidar o que eu buscava no início da carreira, quase 30 anos atrás: contribuir com o desenvolvimento de pessoas, criar condições para que cresçam na empresa e construam uma trajetória da qual se orgulhem.
Quando retornei ao RH, senti que estava voltando “para casa”, mas com uma consciência organizacional muito mais sólida. Isso faz toda a diferença ao implementar políticas, projetos e treinamentos, pois permite compreender o que realmente traz valor, robustez e sentido para a companhia e para os colaboradores.
É interessante falar sobre isso. De fato, se olharmos para trás, o RH era visto como um departamento pessoal com foco administrativo. No entanto, na Schindler, o desenvolvimento de pessoas sempre teve um papel central. Antes mesmo da minha entrada, em 1996, a companhia já oferecia um programa estruturado para capacitação de supervisores de operações. Esse treinamento, aliás, era gamificado, e permanece até hoje. Nossa unidade no Brasil também foi a primeira do grupo a implementar a avaliação por competências – projeto do qual tive a oportunidade de participar. Fala-se muito sobre como o RH precisa ser estratégico, mas na Schindler, o executivo da área sempre teve assento à mesa do comitê executivo. O Alfred Schindler sempre teve um conselheiro de RH. Por ter ingressado em um ambiente que já passava por essa transformação, não enfrentei tanto os desafios de um RH mais rígido, processual e isolado das decisões corporativas. Isso também ajudou na minha decisão de seguir carreira na área
O mais importante, em qualquer nova iniciativa, é manter o propósito da empresa. Não adianta “inovar por inovar”. Aqui, temos profissionais com muitos anos de casa justamente por termos uma cultura que valoriza as pessoas por meio de capacitações, reconhecimento financeiro, oportunidades de movimentação interna. E, ao longo do tempo, avaliamos o que funciona bem e o que precisa ser atualizado para atender às novas demandas. Entre os programas mais tradicionais estão o Reconhecimento por Tempo de Casa e o Radar de Talentos, voltado a analistas, técnicos e assistentes que desejam trilhar uma carreira de liderança. O programa oferece formações específicas e mentoria. Promovemos, ainda, iniciativas como o Valeu, evento anual que reconhece o desempenho de colaboradores em diversas frentes – do resultado individual a projetos sociais e de melhoria contínua. Além disso, temos o “Talentos em Ação”, dirigido para profissionais com alto potencial, que recebem apoio, treinamentos e mentoria para se desenvolverem em áreas estratégicas, vivenciarem novas rotinas e apresentarem propostas de impacto ao negócio.
Globalmente, contamos com o Schindler Career Development Program (SCDP) para talentos sêniores – não em termos de idade, mas de maturidade profissional. Após uma seleção interna, os participantes passam por um programa de seis anos que os prepara para cargos de alta liderança, e entram no pipeline da empresa voltado a posições de gerência sênior ou C-level. Há também o “Mulheres na liderança”, uma série de iniciativas para o desenvolvimento feminino. Vale ressaltar que a unidade do Brasil foi a primeira do grupo Schindler no mundo a se tornar signatária dos “Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU”, um conjunto de diretrizes criadas pela ONU Mulheres e pelo Pacto Global da ONU com o objetivo de ajudar empresas a incorporar em sua atuação valores e práticas voltados à equidade de gênero e ao empoderamento feminino.
A diversidade é uma prioridade estratégica e vem ganhando cada vez mais espaço na agenda. As ações ganharam mais força em 2017 e iniciamos com o pilar de mulheres. Naquele ano, tínhamos cerca de 13% de mulheres na liderança, o que era muito pouco. Hoje, chegamos a 24%. Esse número ainda é baixo tendo em vista que 52% da população no Brasil é formada por mulheres e espero chegar a 50%. Mas estamos avançando. Hoje, nenhum executivo ou representante questiona se mandamos uma lista final de candidatos a uma vaga formada apenas por mulheres, por exemplo – o que antes acontecia. Depois vieram outros pilares: etnia, gerações, PCD e o grupo LGBTQIA+.
Sem dúvida. É a parte central. Vou dar um exemplo relacionado à temática étnico-racial: temos ações estruturadas para orientar sobre comportamentos e linguagens que são – e sempre foram – inaceitáveis. Inclusive, deixamos de usar expressões como “o que pode ou não pode” e passamos a adotar “o que nunca pôde”, justamente para reforçar que certas atitudes sempre estiveram erradas, ainda que não houvesse uma política formal. Esse tipo de letramento tem despertado um interesse genuíno internamente. As pessoas querem aprender: o que dizer, como se portar, escrever e agir socialmente. Isso é muito poderoso, mas também deve refletir em ações concretas envolvendo toda a cadeia. Tivemos, há pouco tempo, um caso de racismo comprovado por imagens de câmera em uma unidade no Rio de Janeiro envolvendo um técnico da companhia. Rompemos o contrato com o cliente imediatamente. No pilar LGBTQIA+, temos lideranças que fazem parte desse grupo e “emprestam” seu prestígio e posição para fortalecer o tema. Essas iniciativas enviam uma mensagem clara para quem chega e para quem já está na empresa: aqui, você tem voz — e será ouvido.
Com os programas não queremos apenas estipular metas ou cumprir cotas de forma simbólica para atender a uma legislação. E, sim, criar oportunidades. Temos pessoas com deficiência ocupando cargos de liderança, como gerentes executivos e intermediários, por exemplo. O compromisso verdadeiro está em desenvolver carreiras independentemente de questões físicas ou de gênero. Um dos pilares que sustenta esse compromisso é o comitê de diversidade, equidade e inclusão – uma estrutura robusta para garantir que o discurso se transforme em prática.
Queremos reforçar que a diversidade não é um tema exclusivo de recursos humanos, mas de toda a empresa.
O comitê tem um patrocinador com mandato de dois ou três anos – geralmente alguém de fora do RH. Isso é intencional: queremos reforçar que a diversidade não é um tema exclusivo de recursos humanos, mas de toda a empresa. Cada um dos cinco pilares do comitê tem um diretor associado, que pode ou não fazer parte da afinidade que representa – o que estimula o letramento e o aprofundamento no tema. O primeiro ponto é o discurso, que precisa vir com clareza do comitê e da presidência: aqui é um ambiente seguro, onde todos podem ser quem são, com respeito às suas características. Nosso comitê executivo é bastante vocal nesse sentido. O segundo é a governança, garantindo que o assunto tenha espaço no comitê executivo para apresentar dados e avanços. Tão importante quanto esses dois, são as metas e a vivência desses valores nas “horas da verdade”, como no caso de racismo que citei anteriormente. Além disso, temos o letramento e o compliance. Não basta informar, é preciso gerar consciência. Quando educação e diálogo não são suficientes, entra o compliance. Nosso canal é ativo e fundamental para garantir que os valores da empresa sejam, de fato, praticados.
Sim. Atualmente, a inovação virou uma espécie de palavra de ordem. Todo mundo quer criar uma estrutura que a favoreça. Mas, depois de um tempo, toda essa empolgação é deixada de lado. E a razão é simples: nenhuma inovação se sustenta se não fizer parte da cultura da empresa, do seu DNA. Tudo o que está verdadeiramente alinhado aos valores da organização ganha vida e se fortalece. Por aqui, por exemplo, não deixamos de lado nenhuma iniciativa que reflita nossos princípios, como o genuíno interesse em desenvolver pessoas e o uso de treinamentos gamificados desde o fim dos anos 1990.
O primeiro ponto é ter em mente que não se trata apenas de uma ferramenta e de como usá-la, mas um tema que exige reflexão, estudo e experimentação. Na Schindler, desenvolvemos um modelo próprio de GPT para auxiliar em pesquisas e na resolução de problemas técnicos. Mas, sabemos que a velocidade de adoção e uso da IA varia de acordo com o contexto de cada área. Na minha visão, a tecnologia deve ser uma extensão da melhor versão de nós mesmos. Criamos um grupo interno para discutir e levantar questões sobre como a tecnologia pode impactar o trabalho e, sobretudo, de que forma pode nos ajudar a evoluir como profissionais e como pessoas.
No fim das contas, quanto mais consciência tivermos sobre a tecnologia, mais fácil será reagir, adaptar e adicionar nossa pitada de criatividade e repertório humano ao que a tecnologia não alcança.
A chave está em entender o que só nós, humanos, conseguimos fazer. A criatividade, por exemplo, é algo genuinamente nosso. Vem do repertório de vida que cada um carrega: os livros que leu, os filmes que assistiu, as viagens, os hobbies… Nenhuma inteligência artificial consegue replicar isso. Por outro lado, há muitas funções que podem ser aprimoradas com tecnologia. Eu mesmo já uso recursos de IA para comparar perfis, analisar tendências de retenção e fazer comparações salariais. Quanto antes os profissionais de RH adotarem essas ferramentas, mais rapidamente deixaremos para trás os grandes fantasmas. Vamos perceber que há, sim, espaço para a intimidade, para a presença física, para o diálogo direto com as pessoas e para discussões baseadas em dados. O erro é continuar com a postura de “isso nunca vai nos substituir”. Não se trata de substituição, mas de compreensão para sabermos como usar a tecnologia a nosso favor. No fim das contas, quanto mais consciência tivermos sobre a tecnologia, mais fácil será reagir, adaptar e adicionar nossa pitada de criatividade e repertório humano ao que a tecnologia não alcança.
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