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“A questão é saber como imaginação e tecnologia se complementam”, diz Alessandra Ginante, nova VP de Gente do Grupo Boticário

Com experiência no Vale do Silício, executiva assume cuidado de 21 mil colaboradores do grupo de beleza e defende ampliar uso da tecnologia, mas garante que capital humano é o ativo mais estratégico e o verdadeiro motor de qualquer negócio

Michele Loureiro
9 de setembro de 2025
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Há seis meses, Alessandra Ginante assumiu a vice-presidência de Gente do Grupo Boticário, tornando-se responsável por 21 mil colaboradores diretos, atuantes em mais de 4 mil lojas, espalhadas por 1,7 mil cidades brasileiras. Com três décadas de carreira – sendo metade desse tempo vivendo entre a Europa e a América do Norte–, a executiva traz para a indústria brasileira vivências adquiridas em empresas como Diageo, Avon, Philips Volkswagen, NetApp, Pure Storage e HP Enterprise.

Ao longo de sua trajetória, Alessandra liderou iniciativas de inteligência artificial, fusões e aquisições e cuidou da expansão orgânica de receita e resultados. Para a executiva, porém, sua principal habilidade é alinhar estratégias de negócios com gestão de pessoas em nível internacional e cultura organizacional. 

Nos últimos anos, Alessandra atuou especificamente no Vale do Silício – uma bagagem que estará presente na liderança do RH do Grupo Boticário. Para ela, o legado absorvido é o da compreensão de como o trabalho deve ser desenhado: não mais em caixinhas de um organograma, mas como um fluxo de processos que pode ser otimizado pela tecnologia. 

“Aprendi que a verdadeira questão é saber como a imaginação humana e a tecnologia se complementam. Hoje, a IA e os trabalhadores digitais autônomos já assumem tarefas repetitivas para liberar a genialidade humana para a criatividade, o empreendedorismo e a resolução de problemas complexos”, afirma a executiva, que começou a carreira como assistente administrativa na área de benefícios do antigo BCN. 

Aos 51 anos, muitos deles vividos longe do Brasil, Alessandra viu no Grupo Boticário a oportunidade de retornar ao País. “Muito antes de sequer sonhar em assumir a vice-presidência de Gente, eu já era consumidora de produtos das marcas do grupo. Quando estava no exterior e comecei a pensar em retornar ao Brasil, buscava uma empresa que não só fosse relevante no mercado, mas que tivesse uma cultura e valores muito alinhados aos meus. Foi exatamente isso que encontrei”, diz.

Na entrevista a seguir, ela conta mais sobre sua trajetória e explica como quer continuar construindo o RH do Futuro, ancorando ambições estratégicas de negócio. O preparo contínuo dos colaboradores é outro tema importante para Alessandra, cujo objetivo é ajudar a construir o maior ecossistema de beleza do mundo, por meio de uma cultura de alto crescimento, centrada no cliente, empreendedora e inovadora.

Tenho a convicção de que o capital humano é o ativo mais estratégico e o verdadeiro motor de qualquer negócio.

Você tem uma trajetória sólida em grandes empresas e multinacionais. Quais aprendizados mais marcaram sua carreira até aqui e como eles influenciam sua atuação no Grupo Boticário?

Ao longo de mais de três décadas, trabalhei em diferentes culturas e indústrias no Brasil e no exterior. Essa experiência me trouxe aprendizados que são pilares importantes da minha atuação como executiva. O primeiro é a capacidade de adaptação e resiliência. O segundo é a convicção de que o capital humano é o ativo mais estratégico e o verdadeiro motor de qualquer negócio. Por isso, investir no desenvolvimento das pessoas e construir uma cultura de alta performance com governança impecável não é apenas o certo a ser feito, mas também o que colabora para impulsionar os resultados. No Grupo Boticário, meu papel é potencializar ainda mais o brilho no olho, o cuidado com as pessoas e a cultura de alto crescimento, centrada no cliente, responsável e inclusiva, garantindo que tenhamos os talentos certos, com as ferramentas e o suporte necessários para continuarmos sendo um grupo global, mas com raízes sólidas no Brasil. 

Antes de assumir a vice-presidência de Gente do Grupo Boticário, você passou por organizações com culturas muito distintas e em outros países. Como foi sua experiência internacional e como isso impacta no cargo atual? O que você traz de legado do Vale do Silício?

Minha experiência internacional, construída ao longo dos anos em empresas e culturas distintas como Holanda e Estados Unidos, foi fundamental para moldar a profissional que sou hoje e que impacta diretamente na minha atuação no Grupo Boticário. Trabalhar em diferentes países, lidando com as complexidades de cada contexto, me ensinou a importância de liderar na incerteza e de me reinventar constantemente. Também aprendi a ter agilidade, que é fundamental no setor de consumo, que vive em transformação intensa e exige inovação contínua. O legado do Vale do Silício é particularmente marcante. Lá, fui imersa em um ambiente onde a tecnologia e a inovação são intrínsecas ao dia a dia. Isso me permitiu desenvolver uma visão profunda sobre como o trabalho é desenhado: não mais apenas em caixinhas de um organograma, mas como um fluxo de processos que pode ser otimizado pela tecnologia. Aprendi que a verdadeira questão é saber como a imaginação humana e a tecnologia se complementam, com a inteligência artificial e os trabalhadores digitais autônomos assumindo tarefas repetitivas para liberar a genialidade humana para a criatividade, o empreendedorismo e a resolução de problemas complexos. 

O que a motivou a aceitar o desafio de liderar a área de Gente em um grupo com a dimensão e diversidade do Grupo Boticário?

Foi uma decisão muito alinhada com um momento pessoal e profissional que eu buscava. Havia um desejo de voltar a morar no Brasil, mas não de qualquer forma. Queria atuar em uma empresa que me permitisse continuar sendo uma executiva global, mesmo baseada aqui. O Grupo Boticário se apresentou como a oportunidade perfeita, pois é uma empresa de grande porte, com atuação global e um setor pelo qual sou apaixonada, o de consumo. Além disso, a cultura e os valores do Grupo foram decisivos. Eu buscava uma empresa com governança impecável, uma cultura de alta performance e, principalmente, com forte consciência social e foco genuíno nas pessoas. Durante as conversas, percebi que a empresa não só atendia a esses critérios, como compartilhava valores muito parecidos com os meus, o que é essencial para mim.

O Grupo Boticário tem uma cultura organizacional consolidada. Como equilibrar a preservação dessa identidade com a necessidade constante de inovação e adaptação?

Esse é um dos grandes desafios e, ao mesmo tempo, uma das maiores fortalezas do Grupo Boticário. Nossa cultura é, de fato, muito forte e consolidada, e isso é um ativo valioso, construído ao longo de décadas. O equilíbrio se dá ao entender que a inovação e a adaptabilidade não são inimigas da nossa identidade, mas sim parte dela. A cultura do Grupo Boticário é, por essência, empreendedora e inovadora. Nosso papel, especialmente na área de Gente, é nutrir essa inovação e esse espírito de fazer diferente, garantindo que as pessoas se sintam seguras para experimentar, aprender com os erros e trazer novas ideias. Isso se traduz em um trabalho contínuo de aprimoramento dos processos e da mentalidade. Não se trata de mudar quem somos, mas de evoluir como fazemos. Trazemos a inovação e a visão de “lovetech”, que combina a união de tecnologia e a sensibilidade humana para otimizar o que já fazemos bem, liberando o potencial das nossas pessoas para o que realmente agrega valor. É um processo de escuta ativa, de entender as necessidades do negócio e das pessoas, e de construir juntos o futuro, sem perder a essência que nos trouxe até aqui. 

Como a área de Gente tem se articulado com outras áreas estratégicas do negócio, especialmente em um momento de transformações aceleradas no consumo e no varejo?

A articulação entre as áreas é uma estratégia de longa data no Grupo Boticário. Contudo, em 2021, com a implantação do “Movimento Um Só Grupo”, que acelerou a integração e modificou a estrutura organizacional, descentralizando a tomada de decisões, essa sinergia se tornou ainda mais potente. Por isso, a Vice-Presidência de Gente hoje se articula de forma ainda mais integrada com as demais áreas estratégicas do negócio. Em um momento de transformações tão aceleradas no consumo e no varejo, o RH deixou de ser uma área de suporte para se tornar um verdadeiro parceiro estratégico e um motor de resultados. Nossa atuação se baseia em um entendimento profundo do negócio. Não se trata mais de ter um lugar na mesa, mas de preencher esse espaço com conhecimento e ação. Isso significa que, além de dominar as técnicas de RH, precisamos entender de finanças, de tecnologia, de estratégia e de todas as dinâmicas que impulsionam o negócio. Então, a área de Gente atua como um arquiteto do trabalho, garantindo que a estratégia de pessoas estejam intrinsecamente ligada à estratégia de negócio, impulsionando a performance e a inovação em um cenário de constante evolução.

Quais inovações ou mudanças estruturais na gestão de pessoas você acredita que serão determinantes para o futuro da área de RH nos próximos anos?

Acredito que o futuro da gestão de pessoas será moldado por inovações e mudanças estruturais que visam, principalmente, a personalização da experiência do colaborador e a inteligência de dados. Em termos de inovações, a aceleração na aplicação de IA para otimizar processos e oferecer soluções mais personalizadas (trilhas de aprendizado, suporte em bem-estar, etc.), possibilitando liberar o RH para atuar de forma mais estratégica e consultiva, é algo que deve avançar ainda mais nos próximos anos. Já as mudanças estruturais apontam para uma área cada vez mais integrada ao negócio, atuando como um verdadeiro parceiro estratégico. Isso significa que as equipes estarão mais próximas das operações, compreendendo profundamente os desafios e as oportunidades de cada área. 

A pandemia consolidou modelos híbridos e mais flexíveis de trabalho. Como o Grupo Boticário reconfigurou as práticas nesse sentido?

O Grupo Boticário já praticava o modelo híbrido desde antes da pandemia, quando, a partir de 2020, aceleramos o processo de implementação dos modelos flexíveis de trabalho. Anualmente, monitoramos o tema e em 2024, por exemplo, decidimos pela manutenção desses formatos de trabalho e estabelecemos direcionais para encontros presenciais, incentivando que sejam norteados por um propósito relacional. Para apoiar as lideranças na tomada de decisões diárias, desenvolvemos a Matriz de Interações e um Guia de Modelos de Trabalho GB, que oferecem recomendações, boas práticas e ferramentas para aprimorar a experiência e o aproveitamento do tempo dos colaboradores. Pela sua relevância e pelos benefícios gerados para todos que integram o ecossistema de beleza do Grupo, não há previsão, por enquanto, de deixar de oferecer os formatos de trabalho flexíveis. Inclusive, atualmente, 46% dos colaboradores estão no presencial, 19% no híbrido e 34% no remoto. Desse total, 60% do quadro de funcionários do corporativo não moram em São Paulo e no Paraná, onde temos escritórios, o que demonstra o impacto positivo dessa estratégia de trabalho.

Quais são os principais desafios estratégicos hoje na sua agenda como VP de Gente do Grupo Boticário?

Os desafios estratégicos na minha agenda como vice-presidente de Gente se concentram em quatro pilares. O primeiro é pensar a cultura como potência, onde o foco está em como usar a fortaleza da empresa para acelerar o crescimento. O segundo é a excelência nos negócios, com foco na integração de tecnologias, incluindo IA, para otimizar processos e a forma de trabalhar. Além disso, outro pilar é a gestão integrada de talentos, oferecendo desafios e desenvolvimento para todos os nossos talentos de forma segmentada, ancorada em meritocracia e potencial de futuro. Por fim, preciso citar o RH do futuro, que almeja digitalizar a operação e ampliar a capacitação dos colaboradores para utilizarem os processos de recursos humanos.

Você é uma das poucas mulheres a ocupar cargos de alta liderança em grandes empresas no Brasil. Na sua avaliação, que barreiras ainda precisam ser superadas para ampliar a presença feminina em cargos executivos?

É importante reconhecer que já tivemos um progresso significativo na presença feminina em cargos executivos ao longo das décadas. Quando comparo o início da minha carreira com o cenário atual, o avanço é notável, e sou otimista quanto ao que ainda podemos conquistar. A mudança desse cenário depende de muitos fatores. Primeiramente, é fundamental que haja uma divisão mais equitativa das responsabilidades na gestão da rotina familiar e da educação dos filhos, por exemplo. Empresas como o Grupo Boticário já contribuem com políticas como a Licença Parental Universal, possibilitando que todos os colaboradores (sejam cis, trans e em relações homo ou heteroafetivas, com filhos consanguíneos ou não) estejam mais presentes nos primeiros meses de vida dos filhos, o que ajuda a dividir essa carga tão intensa.

Por fim, as empresas têm ainda um papel essencial em criar ambientes onde as pessoas são desafiadas e suportadas para serem cada vez mais empregáveis. Isso não é apenas um benefício social, mas uma responsabilidade das organizações, que devem investir no desenvolvimento e na melhoria das habilidades de todos, garantindo que a carreira não seja limitada por questões de gênero. É um trabalho contínuo, mas que vale a pena para construir um futuro mais justo e representativo.

Como construir uma cultura de alto desempenho sem abrir mão do bem-estar e da saúde mental dos colaboradores?

Existe uma confusão em achar que esperar alto desempenho faz com que as pessoas tenham que abrir mão do seu bem-estar e da saúde mental. Para mim, é exatamente o contrário: alto desempenho e bem-estar não são excludentes, mas complementares. É comprovado que pessoas que atingem resultados e têm êxito sentem orgulho, sentem-se capazes, e isso, na verdade, contribui também para a saúde mental. Um ambiente que não espera excelência e alto desempenho seria, para mim, desmotivador e, aí sim, poderia gerar problemas emocionais. Para construir uma cultura de alto desempenho que promova o bem-estar, é preciso entender que não se trata de trabalhar muitas horas, mas sim de ter espaço para o descanso e a experimentação, focando no que realmente importa. Na minha visão, um ambiente que cultiva o alto desempenho de forma bem desenvolvida é o melhor lugar para as pessoas trabalharem e terem uma qualidade de vida e um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal ainda maiores, pois, se você quer ter alto desempenho, você pensa em cenários, utiliza processos, faz só o que importa mais. Isso porque a busca pela excelência, quando bem direcionada, leva a um ambiente mais otimizado, focado e que, paradoxalmente, contribui para a saúde mental e o bem-estar.

Que tipo de legado você pretende deixar à frente da vice-presidência de Gente, tanto em termos de cultura quanto de impacto organizacional e social?

O legado que pretendo deixar é multifacetado, abrangendo o impacto no negócio, na cultura e, principalmente, nas pessoas. O Grupo Boticário, pela natureza do seu negócio com a venda direta e as famílias por trás dos nossos franqueados, já possui um legado e um impacto social imenso, promovendo a emancipação financeira e o desenvolvimento de empreendedores brasileiros. Para mim, é um orgulho fazer parte desse ecossistema de beleza.

Pessoalmente, depois de ter vivido em várias regiões do mundo e trabalhado em empresas com recursos humanos e líderes de padrão mundial, a maior satisfação é desenvolver o meu time e as práticas de RH do Grupo Boticário. Meu objetivo é elevar as práticas de gestão de pessoas do Brasil, de forma que o Grupo, que já é uma referência global em várias áreas, também se torne uma referência mundial em RH. Em termos de legado, busco impactar a empresa com soluções que gerem valor para os negócios e para os colaboradores. Além disso, quero formar uma nova geração de profissionais de RH, transmitindo o melhor do que aprendi ao longo da minha carreira. É uma paixão pessoal investir na formação e no desenvolvimento de pessoas, garantindo que a próxima geração de líderes de gestão de pessoas esteja preparada para os desafios futuros. 

Michele Loureiro é repórter há 18 anos. Com passagens por redações como Exame, Época Negócios e Folha de S.Paulo, é apaixonada por contar histórias que mudam as vidas das pessoas.