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Pra conhecer seu Laurentino Gomes, é melhor trabalhar no presencial

Na coluna de estreia para Cajuína, Raul Lores propõe uma discussão sobre modelo de trabalho e liderança

Raul Juste Lores
15 de maio de 2025
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David Velez, cofundador e principal acionista do Nubank, quer mais dias de trabalho presencial no banco roxinho. O modelo de uma semana presencial para outras três ou quatro remotas não estaria se traduzindo em produtividade. Antes dele, muitos outros CEOs reverteram ou reduziram o home office de seus funcionários. 

Da Amazon ao JP Morgan, empresas dos supercompetitivos Vale do Silício e Wall Street estão convocando colaboradores de volta. Integração de equipes, além da produtividade, são apontadas como causas. 

No Brasil, onde menos de 10% dos trabalhadores têm o privilégio do teletrabalho – normalmente, esses estão no topo de pirâmide de formação e renda -, me surpreende que sejam muitos jovens os que mais reclamam desse retorno ao escritório. E que pensem em mudar de emprego se os dias de home office forem poucos.

Além das longas reuniões por zoom serem ainda mais torturantes que as reuniões ao vivo, não existe melhor maneira de se destacar, conhecer os chefes e identificar os mentores reais do que no trabalho presencial. Como esta é minha primeira coluna na Cajuína, e quero usar exemplos bem concretos e pessoais, me apresento.

Fui correspondente da Folha de São Paulo na China por três anos, cobrindo boa parte da Ásia. Fiz reportagens do Irã ao Japão, do Vietnã à Índia, viajando por todo o interior chinês. Passei quatro anos nos Estados Unidos, pelo mesmo jornal, divididos entre Nova York e Washington. E antes, cobri América Latina por três anos, baseado em Buenos Aires. Ou seja, entendo de liberdade, “de ser meu próprio chefe”, de “definir meus horários”. Mas não, nunca trabalhei de pijama, e saía de casa todos os dias.

Apesar da autonomia real do trabalho de correspondente, e de uma pequena fração de glamour e viagens (muito menos do que nos filmes), sentia que me prejudicava estar tão longe das chefias, da política do ambiente de trabalho, de ser “visto” na hora das promoções. Sim, me poupei de festas e jantares chatos, de fofocas de corredores e afins, mas aprendi a importância do corpo a corpo em todas as viagens que voltava ao Brasil.

Um dos meus primeiros chefes foi o jornalista Laurentino Gomes (anos depois ele escreveria os já clássicos livros “1808” e “Escravidão”, apenas). Cada conversa com ele era uma aula. Ele me ofereceu o cargo de correspondente em Curitiba (e ele, paranaense, me deu uma boa radiografia daquele estado) quando eu tinha apenas 22 anos.

Imagina se eu só o visse por zoom nesses anos em que ele foi meu mentor? Ou em teleconferências, com diversos outros colegas? As conversas seriam mais bem formais, direto ao ponto, sem criar nenhuma intimidade. Não teria a hora do café, o papo no elevador ou no bebedouro. O gelo entre nós continuaria mais intacto que o de um iceberg.

Provavelmente, eu não conseguiria causar uma grande impressão nele, mostrar minhas ambições, o brilho nos olhos de quem ama o jornalismo. Ele só descobriu que eu falava espanhol como nativo, que meus pais eram imigrantes espanhóis e que eu não estraçalhar o idioma de Cervantes e Vargas Llosa nesses papos informais. Foi assim que ele decidiu que a vaga de correspondente em Buenos Aires era minha. Com 23 anos, eu continuava um fedelho.

De empresas pequenas a grandes bancos, de agências de publicidade a firmas de engenharia, muita coisa você só aprende vendo. E não só o core do trabalho, mas as relações políticas, quem está subindo ou descendo, a comunicação interpessoal, o sistema de incentivos e punições vigentes. Até pra saber se aquele é ou não o seu lugar, o convívio acelera a compreensão da cultura corporativa.

Como alguém que tem se dedicado a escrever e estudar sobre Cidades, Arquitetura e Urbanismo por décadas, inclusive no meu canal no YouTube “São Paulo nas Alturas”, também apoiado pela Caju, vou esmiuçar em colunas futuras a importância da sede e dos seus arredores para a retenção de talentos. Mas, mesmo que o escritório não tenha um pufe colorido, nem área de descompressão, e que a sede fique em um bairro que seja o túmulo do urbanismo, jovens, atenção: o melhor elevador corporativo é estar presente no trabalho. Ter veteranos que nos corrijam e exijam mais das equipes, nem que seja só com o exemplo cotidiano. Para os demais, não faltarão escadas com centenas de degraus. Todo local de trabalho tem, pelo menos, um Laurentino. Os líderes de sua empresa estão acessíveis a quem começa?

*As colunas são textos de opinião e não refletem, necessariamente, o posicionamento de Cajuína.

Raul Juste Lores é jornalista e escritor. É autor do livro “São Paulo nas Alturas”, colunista do UOL e criador do canal São Paulo nas Alturas, que já superou a marca de 20 milhões de visualizações no Youtube.