Enquanto controlamos cada centavo da receita, a máquina que gera esses resultados — nossa estrutura organizacional — continua operando no escuro. Chegou a hora de acender a luz
Em tempos em que a preocupação com a saúde mental torna mandatório às empresas o diálogo frequente sobre os caminhos rumo à felicidade corporativa, o israelense Tal Ben-Shahar está preocupado com a abordagem adotada por muitas organizações. Para ele, as companhias precisam fomentar o bem-estar dos colaboradores, sem sufocá-los com uma “felicidade obrigatória”. Para o autor dos best-sellers Seja Mais Feliz e Aprenda a Ser Feliz, traduzidos para mais de 25 idiomas, a resposta está no respeito às autonomias e à diversidade – tanto de estados de espírito quanto de personalidade.
Professor da Universidade Harvard, Shahar é uma das vozes mais influentes no estudo da felicidade, ativo agora incorporado às rotinas de RH de companhias em todo o mundo. No ambiente acadêmico, suas aulas sobre Psicologia Positiva alcançaram o status de curso mais procurado na história da instituição.
Em breve passagem pelo Brasil, Shahar falou a uma sala cheia de jornalistas e líderes de empresas sobre os passos que devem ser adotados pelas organizações para incentivar a felicidade corporativa de forma genuína – ou seja, evitando generalismos e adesões frustradas. A resposta, ele afirma, está em uma “mínima intervenção viável” (MVI) – um paralelo com o jargão corporativo do mínimo produto viável (MVP), uma versão inicial e enxuta de um produto que tem o intuito de testá-lo no mercado.
Pensando em felicidade, ter o mínimo de intervenção é o que comprova a efetividade de uma ação.
Segundo o especialista, as MVIs são as poucas intervenções corporativas que realmente funcionam, pois focam em ações simples que podem ser facilmente executadas. Para tornar o exemplo palpável, ele cita a prática de exercícios físicos. “É como exercitar-se. Movimentar-se um pouco todos os dias, dentro das limitações e rotina de cada um, é o mínimo viável e necessário para gerar impacto positivo. Mas para que isso dê certo, é preciso consistência”, defende. Ele também aproveitou a ocasião para sintetizar recomendações a empresas e líderes que buscam priorizar a pauta, sem os riscos de adotar generalismos — e com resultados reais.
Para Shahar, alguns colaboradores estão mais propensos que outros a serem mais resilientes em tempos de crise, além de estarem mais dispostos a acatar sugestões e propostas de melhoria. Tudo isso, em meio ao delicado processo de estruturação de uma cultura dedicada à saúde mental, pode abalar as intenções de empresas que desejam obter sucesso nessa frente.
Tendo isso em vista, cabe às empresas desenvolver mecanismos para lidar com essa oscilação. Entre reflexões e indagações, ele defende que o segredo está na escuta. “Por anos, especialistas buscaram o Santo Graal da liderança em tempos difíceis. Pensaram que talvez fosse o talento do líder, mas descobriram que isso não era o essencial. Uma boa oratória? Também não. Inteligência? Claro, líderes e gerentes precisam ser inteligentes, mas não é algo obrigatório. Descobriram que é a habilidade de escutar”, afirmou.
“Crianças ouvidas se tornam adultos mais bem resolvidos, assim como colaboradores se sentem mais realizados e satisfeitos ao serem ouvidos”, diz. Essa, afirma, é a base de todo programa de bem-estar bem sucedido nas organizações: a escuta ativa da liderança.
Apesar de grande parte dos programas corporativos ligados ao bem-estar enxergarem a felicidade como uma ciência, Shahar propõe uma ótica diferente: a dos relacionamentos pessoais. Segundo o autor, utilizar a contação de histórias como metodologia gera as conexões e a familiarização necessárias para que toda e qualquer iniciativa empresarial neste âmbito tenha sucesso.
“Diferente da Física e de outras ciências que sempre buscaram uma verdade e única teoria absoluta – e nunca encontraram –, a Psicologia Cognitiva já comprovou o resultado da contação de histórias”. Portanto, propagar o conceito da felicidade corporativa por meio das histórias bem-sucedidas de pessoas (e de outras companhias) que já maturaram práticas e resultados é o caminho para empresas que estão desbravando esse universo.
Quanto mais histórias você traz e compartilha, mais as pessoas vão crescer, melhorar e confiar, baseadas em exemplos reais.
A ação pelo exemplo também se estende à liderança, ele afirma. “Colaboradores aprendem pelo exemplo. Então, lidar com as mudanças neste mundo em constante evolução depende de simplesmente desacelerar”, diz.
Para Shahar, não é possível propor mudanças em prol da saúde mental e bem-estar que irradiem para os times de forma geral se não houver mudança vinda de cima. “Para um líder, se manter ocupado o tempo todo não é saudável. Precisamos aprender a ficar entediados, ganhar essa habilidade novamente. Do contrário, falar de saúde mental é apenas um discurso vazio”, reflete.
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