Mudanças de comportamento após a pandemia intensificaram atenção sobre o tema; para especialistas, compreensão de custos, medição de eficiência, flexibilidade e atenção a aspectos intangíveis são pilares de nova era da área

O saber e a ciência estão em liquidação na vitrine americana. Diversos países já competem para atrair cientistas, pesquisadores e acadêmicos que estão sob tensão permanente nos EUA. Uma das poucas vantagens do bullying promovido pelo presidente Donald Trump contra as universidades americanas é demonstrar ao resto do mundo a importância da internacionalização da educação superior.
Sem professores e alunos de todo o mundo, Harvard, Stanford, Columbia, Yale e cia. seriam muito menores e menos relevantes. 27% dos alunos e 20% dos professores de Harvard nasceram fora dos EUA. Mas também o domínio científico, intelectual e cultural americano até hoje.
Até em países latinos ou tradicionalmente antiamericanos, o pragmatismo tem derrotado qualquer nacionalismo. Várias das faculdades da Universidade Nova, de Lisboa, têm cursos quase inteiramente em inglês, com 3400 alunos estrangeiros (de um total de 22 mil), mais que USP, Unicamp e UFRJ juntas. O IE de Madrid e a francesa Insead também internacionalizaram seu corpo docente e os alunos que atraem. Aulas em inglês são a norma. Ter um alunado diverso do mundo inteiro é quase tão importante quanto o que se aprende em sala de aula.
Na Universidade de Hanói, no Vietnã, a partir do 3º ano, vários cursos são em inglês. Muitos vietnamitas-americanos viraram professores, o que não causou deficit de gente com domínio do idioma de Philip Roth.
O bullying de Trump com Harvard e diversas universidades americanas também empolga a China. O gigante asiático está salivando com a possibilidade de milhares de seus pupilos retornarem à potência asiática, sem ficarem de vez nos EUA. No início de maio, o governo chinês até anunciou que deixará de exigir visto para brasileiros e argentinos que passarem lá até um mês a trabalho. Uma maneira didática de facilitar a vida enquanto outros fecham a porteira. Países competem por investimentos, imigrantes e estudantes.
Há 18 mil professores estrangeiros nas universidades chinesas. Os americanos são maioria. Lecionando em inglês.
O Brasil está muito longe desse debate, e em situação nada confortável. A USP tem 1% de alunos nascidos fora do Brasil, e mesmo nessa ínfima porcentagem, uma parte é de intercambistas. O grupo maior é de alunos franceses, que falam português. O número de professores de fora é menor ainda.
E a iniciativa privada não pode se achar muito superior. Com exceção das multinacionais de sempre, quantos funcionários estrangeiros estão nas principais empresas brasileiras? Eles conseguiriam se comunicar com colegas e chefias, a menos que aprendessem duramente o português? Conseguimos atrair talentos em um país tão monoglota, de uma língua nada universal?
Sua empresa tem um ambiente cosmopolita? Quantos funcionários viajam para o exterior por ano, ou têm a oportunidade de morar por um tempo fora, com sua estadia patrocinada? O escritório é capaz de receber colaboradores que falem exclusivamente espanhol ou inglês? As trocas seriam espontâneas ou os colegas ficariam sem graça tendo que falar em outro idioma?
A irracionalidade de Trump deveria nos recordar que nos últimos 100 anos, dificilmente um país fechado se desenvolveu. Japão e Coreia precisaram se abrir muito ao mundo, e não só no comércio, assim como Espanha, Chile ou Tailândia.
Sem a imigração de judeus, não haveria Hollywood. Sem cientistas alemães e ingleses que cruzassem o Atlântico, a Segunda Guerra seria ainda mais dolorosa para os Aliados. A arquitetura americana deixou de ficar copiando templos gregos quando o êxodo da Bauhaus chegou a Chicago, a Califórnia e a Harvard, com tapete vermelho.
(No Brasil, bom recordar, Lina Bo Bardi tentou se efetivar como professora na FAU-USP e não foi aceita; vários arquitetos imigrantes de altíssimo calibre, como Lucjan Korngold, Franz Heep e Victor Reif nunca lecionaram em nossas faculdades públicas)
E mesmo nos dias de hoje, CEOs do Google, Microsoft, YouTube, Adobe e IBM são indianos que estudaram nos EUA. A caça às universidades e aos estudantes estrangeiros, apenas por lacração republicana, vão fazer um estrago por muitos anos na marca e na competitividade americanas. A Apple poderia estar tentando sair do marasmo inventivo em que se meteu, mas precisa gastar todo seu tempo buscando uma nova cadeia de fornecedores, da Índia ao México, para se livrar de futuros tarifaços.
Poderíamos contar a Trump que não é uma boa ter universidades e centros de pesquisas sem estrangeiros. Antes disso, porém, nós, brasileiros, temos muita lição de casa para abrir as nossas fronteiras e nos tornarmos mais internacionais.
*As colunas são textos de opinião e não refletem, necessariamente, o posicionamento de Cajuína.
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