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Quando todo mundo é Head, ninguém é

“Head” virou solução temporária — mas será que virou também zona de conforto?

Convidado Comp
7 de maio de 2025
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Por Filipe Ducas*

De onde veio esse tal de “Head”?
 O uso do título “Head” tem raízes nas estruturas organizacionais anglo-saxãs, principalmente em empresas norte-americanas e britânicas. Em ambientes corporativos mais flexíveis, especialmente fora da burocracia tradicional, “Head of [área]” passou a ser uma forma de nomear quem liderava determinada frente — sem necessariamente usar o termo “Manager”, “Director” ou “VP”, que carregam implicações formais de hierarquia e escopo.

Nas universidades, por exemplo, “Head of Department” já era um título comum para o líder acadêmico de uma área. No mundo corporativo, especialmente em startups e empresas de tecnologia, o termo ganhou força por sua ambiguidade útil: indicava uma liderança, sem amarrar exatamente a estrutura formal que viria com cargos mais tradicionais.

O que significa “ser Head” hoje?

A definição varia. Para algumas empresas, “Head” é sinônimo de liderança funcional: alguém que responde por uma área com responsabilidade estratégica e, normalmente, com um time sob sua gestão. Para outras, é um cargo de transição: acima de gerente, mas ainda fora da diretoria executiva.

Na prática, o título “Head” passou a carregar significados diversos — dependendo do estágio da empresa, da cultura organizacional e da clareza (ou não) em relação a trilhas de carreira.

Por que tantas empresas adotam esse título?

Algumas hipóteses recorrentes:

  • Flexibilidade: permite reconhecer lideranças sem formalizar uma estrutura verticalizada.
  • Atratividade: soa mais sênior do que “gerente” e ajuda na disputa por talentos.
  • Provisoriedade funcional: funciona como um degrau entre a operação e o C-Level em empresas em crescimento.
  • Solução simbólica: sinaliza importância sem necessariamente alterar remuneração ou alçada real de decisão.

E o que mostram os dados?

Fizemos uma análise na base da Comp, com mais de 30 mil posições mapeadas com esse título, que mostrou alguns padrões relevantes:

  • O título “Head” está concentrado no nível L6, que representa uma liderança sênior (gerente sênior/executivo) abaixo da diretoria.
  • 39% dos profissionais com esse título estão em empresas VC-backed — ou seja, startups e scale-ups em fase de expansão com investimento externo.
  • À medida que as empresas evoluem, o uso do título diminui: em unicórnios e empresas mais tradicionais, ele aparece em apenas 17% dos cargos de liderança.

Ou seja, o uso do “Head” tende a estar mais associado a um estágio específico de crescimento e estruturação organizacional — onde a empresa precisa de lideranças, mas ainda está construindo a clareza formal em torno de cargos, senioridade, escopo e remuneração.

Quando o título “Head” faz sentido?

Ele pode funcionar bem em alguns contextos:

  • Quando há clareza sobre o que a pessoa lidera, influencia e decide.
  • Quando existe alinhamento entre título, senioridade e política de remuneração — incluindo variável, ILP e benefícios.
  • Em empresas que ainda não têm uma estrutura de diretoria consolidada, mas já precisam de pontos de liderança visíveis.
  • Como etapa transitória — desde que exista um plano claro de progressão e formalização.
  • Quando há necessidade de estruturar uma área nova e a empresa não consegue avaliar ainda o tamanho e/ou responsabilidade que essa estrutura terá.

E se não houver estrutura por trás?

O uso indiscriminado do título pode gerar efeitos colaterais:

  • Ambiguidade sobre autoridade e escopo.
  • Dificuldade em aplicar critérios objetivos para remuneração variável ou grants de ILP.
  • Confusão em benchmarks de mercado.
  • Percepções internas de desigualdade — como quando um “Head” recebe menos que um gerente sênior de outra área com escopo mais definido.

Vale a pena continuar usando?

A resposta depende do estágio da empresa — e da intencionalidade por trás do título. O que os dados sugerem é que o “Head” tem sido usado, muitas vezes, como uma solução temporária em ambientes de rápida expansão. E isso não é um problema em si — desde que o temporário não vire permanente.

Vale se perguntar:

  • O que exatamente diferencia um “Head” de um gerente ou de um diretor?
  • Há clareza interna sobre o que esse título representa em termos de impacto e pacote?
  • A empresa tem uma trilha clara de evolução — ou o título está sendo usado como substituto para estrutura?

O título “Head” nasceu da tentativa de nomear lideranças fora da rigidez hierárquica tradicional. Em muitos casos, cumpre esse papel com eficiência — especialmente em contextos fluidos, dinâmicos e em formação.

Mas, como mostram os dados, seu uso tende a cair conforme a empresa amadurece. Não porque o termo em si seja ruim, mas porque o que ele representa passa a exigir mais precisão: de escopo, de impacto, de remuneração.

Em outras palavras: o título pode continuar, desde que venha acompanhado de contexto. Quando falta estrutura, é o título que assume o peso da incerteza. E aí, o que era para sinalizar liderança vira fonte de ambiguidade.

Nem toda empresa precisa abandonar o “Head”. Mas toda empresa que quer crescer com coerência precisa, em algum momento, responder: o que esse título realmente quer dizer aqui?

*Filipe Ducas. Formado em Administração, com Especialização em Recursos Humanos e MBA Internacional em Liderança e Gestão, Ducas é uma das referências brasileiras no setor de Remuneração e Benefícios, com uma carreira global e robusta. Co-fundador e Executivo Sênior de Remuneração da Comp, possui mais de 20 anos de experiência em posições de liderança em Remuneração, Operações de RH e People Analytics em gigantes como IBM, Atento, Cognizant, XP Inc. e Grupo OLX. Sua expertise é desenhar políticas e liderar projetos transformadores, com foco em utilizar tecnologia para potencializar o capital humano. Pela Comp, já foi responsável por ajudar mais de 100 empresas a construírem estratégias de remuneração que conectam a estratégia de talentos com o negócio.